5.10.21

Jeremias Thiel conta como é ser pobre na Alemanha – e o que se deve fazer para enfrentar a pobreza

Maria João Guimarães em Berlim, in Publico on-line

Uma em cinco crianças vive em situação de pobreza na Alemanha. Jeremias Thiel, autor de um bestseller sobre a sua infância pobre, explicou que os políticos ainda não conseguem lidar com o fenómeno na Alemanha que é “assustadoramente normal”.

Jeremias Thiel diz que o seu caso não prova que “é possível”. Muito pelo contrário, defende, prova que é praticamente impossível sair da pobreza – ele é a excepção, e é por isso que o seu caso “é tão celebrado”. Thiel afirma que um conjunto de circunstâncias lhe deu uma rede depois de ter dado um passo para mudar. Sublinha que foi uma excepção entre 2,8 milhões de crianças e jovens pobres na Alemanha. “A ideia de que quem quer, consegue, é uma dedução muito errada da minha história.”

O caso de Jeremias Thiel, hoje com 20 anos, é impressionante: aos 11 anos, saiu da casa dos pais com o irmão gémeo e foi bater à porta do gabinete de apoio aos jovens da sua cidade, Kaiserlautern. Queria sair da casa dos pais, que tinham problemas psicológicos e viviam do subsídio para os desempregados de longa duração (Hartz IV). A sua vida não tinha estrutura, era sobre ele que recaíam tarefas básicas e não estava a aguentar.

“Por sorte, a cidade tinha resposta e fui acolhido numa casa na Aldeia SOS”, conta, desde Washington DC, onde está agora, numa videochamada com o PÚBLICO.

Essa foi uma das razões que o levou a perceber a importância da acção política: “Se não houvesse essa casa de acolhimento, financiada por boas doações, se o Estado social não tivesse tido resposta, as coisas seriam diferentes”, diz. Por isso, filiou-se no Partido Social Democrata (SPD) aos 14 anos.

Com a vida regrada na casa de acolhimento, um quarto só para si (e uma chave!), apoio (ainda hoje se lembra de um abraço que recebeu), o seu rendimento escolar melhorou, e concorreu a uma bolsa para uma universidade privada no Minnesota. Só contou que tinha concorrido quando ganhou. Entretanto está em Washington como parte do programa da universidade, e já a pensar que gostaria de estudar mais. Mas por mais planos que tenha, uma coisa é certa: “A dada altura vou voltar à Alemanha”.

Acha que vai fazer política, apesar de ter noção de que é preciso a parte da “política partidária de poder”, e ele disso não sabe muito.

Do que sabe é de pobreza. Os momentos em que a entrevista se torna mais difícil são quando fala do que viveu: “Ahhh, a culpa…”. A culpa de ter deixado os pais (sabendo que eles iriam deixar de receber o complemento por terem filhos se fosse retirado da casa), a culpa de ter o irmão gémeo “a receber 200 euros”, a culpa de estar ali a estudar, e até de vez em quando divertir-se, quando a maioria dos outros não consegue.

A pobreza, explica, não é um estado, é uma experiência, e a marca nunca há-de desaparecer.

O conhecimento não é, no entanto, apenas o da vivência. Thiel ilumina-se e anima-se quando começa a falar de estratégias contra a pobreza, desde as escolas em que os alunos ficam o dia todo - o que permite ter ajuda para o estudo, actividades, etc. - à “pobreza herdada”, quando apesar das notas, alunos de famílias de rendimentos baixos não são encorajados a seguir o caminho que lhes pode dar acesso ao ensino superior apesar das boas notas (foi o que lhe aconteceu).

Fala de problemas de planeamento urbano, de subsídios para habitação tabelados de acordo com zonas condenarem pessoas a continuarem nos bairros mais pobres, da falta de mobilidade urbana, que deixam a pobreza fechada sobre si mesma.
Não só desempregados são pobres

Thiel publicou o seu livro no início de 2020 e este tornou-se rapidamente num bestseller. Sente satisfação por ter mostrado quão “assustadoramente normal” é a pobreza na Alemanha, refere.

Poucos meses depois, era publicado outro livro, da jornalista Anna Mayr, também sobre pobreza, também de uma autora cuja família recebe o subsídio Hartz IV. A tese de Mayr: os pobres servem um propósito político, que é mostrar à sociedade o que pode acontecer se as pessoas não trabalharem. Fala da experiência de ser posta de lado, e de como a marginalização de quem é pobre perpetua o problema, deixando as pessoas com menos hipóteses de voltar ao mundo do emprego.

Foi também nesta altura que a Fundação Bertelsmann publicou um relatório sobre a pobreza infantil na Alemanha. A fundação aponta que uma em cada cinco crianças com menos de 18 anos vive em situação de pobreza. A pobreza infantil é um indicador de que tem havido muito poucas melhorias desde 2014, apontava o relatório. “É a grande obra inacabada” da Alemanha, segundo as autoras do relatório.

Com a covid-19, esperava-se que aumentassem os problemas, com muitos alunos sem computadores para o ensino à distância quando recomeçaram as aulas, e medo que a desigualdade aumentasse mais, já que também as famílias com empregos mais precários terão sido as mais afectadas durante a pandemia.

E a pobreza na Alemanha também não é exclusivo de quem é desempregado: um terço das pessoas a viver na pobreza têm emprego, 40% delas mesmo a tempo inteiro, apesar de haver, desde 2015, um salário mínimo nacional (até então era fixado por sectores).

Jeremias Thiel critica o sistema Hartz IV, que está feito para que as pessoas fiquem mesmo no limite da pobreza, que é definida como ter menos de 60% do rendimento médio do país ou receber alguma prestação social. “Os especialistas dizem que deviam ser mais 300 euros para que se conseguisse uma vida digna”, nota. Muitos críticos do Hartz IV dizem que o seu objectivo é fazer com que as pessoas acabem por aceitar trabalhos mais mal pagos.

Este sistema Hartz IV foi criado pelo próprio SPD, no Governo do antigo chanceler Gerhard Schröder, como meio de incentivar a procura de emprego de desempregados sobretudo de longa duração, introduzindo obrigações e até entraves para receber o subsídio (o nome é de Peter Hartz, que foi director de recursos humanos da VW, que negociara uma redução de salários para diminuir o desemprego).

Thiel acha que “o partido reconheceu o erro” e mudou, defendendo entretanto uma subida do salário mínimo, um rendimento básico para crianças e a construção de centenas de milhares de novas habitações, “tudo medidas para ajudar os mais fracos da sociedade”. Para ele, partidos como os Verdes ou Die Linke (A Esquerda) são “mais académicos” e menos representativos de classes mais desfavorecidas.

Um tópico que também entusiasma Thiel: as eleições de domingo, quando o seu partido está com uma hipótese de vencer. “Não acredito em revoluções, mas sim em reformas”, e o SPD seria, a seu ver, o melhor partido para levar a cabo a luta contra a pobreza.