19.3.09

Europa à procura de uma voz comum para a reforma do sistema financeiro mundial

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

A linha de fractura entre os que defendem mais investimento e os que querem mais regulação não divide só europeus e americanos mas passa pelos próprios Vinte e Sete países membros


O restabelecimento da confiança de cidadãos, empresas e mercados financeiros vai estar hoje e amanhã no centro dos trabalhos da cimeira de líderes da União Europeia (UE), destinada sobretudo a definir uma posição comum para as grandes negociações internacionais sobre a reforma do capitalismo.

Esta preocupação impõe uma harmonização de posições entre os governos que defendem que a melhor forma de restaurar a confiança será através de um esforço maciço de estímulo à economia e os que consideram que este objectivo será melhor conseguido com o reforço da regulação dos mercados financeiros para evitar uma repetição da actual crise.

Esta diferença de perspectiva divide não apenas europeus e americanos, mas igualmente os Vinte e Sete. O campo dos partidários de uma maior injecção de dinheiro público na economia inclui sobretudo o Reino Unido, que assume a mesma posição que os Estados Unidos, mas conta com a oposição de uma maioria de Estados, a começar pela França e Alemanha: os dois governos recusam aumentar os planos nacionais de estímulo à economia já anunciados de modo a não agravar excessivamente os desequilíbrios orçamentais. "Défices públicos excessivos afectam a estabilidade global no longo prazo. Finanças públicas sãs permanecem cruciais para a credibilidade e estabilidade na UE", defenderam Angela Merkel, chanceler alemã, e Nicolas Sarkozy, Presidente francês, numa carta enviada terça-feira aos parceiros.

"Resultados concretos"

Convictos de que "a primeira prioridade é construir uma nova arquitectura financeira global", os dois líderes afirmam-se "determinados a obter resultados concretos" nesta área na cimeira do G20 (os países mais ricos do mundo e as principais economias emergentes, como a China, Índia, Brasil ou Arábia Saudita) que decorre a 2 de Abril, em Londres.

De acordo com a Comissão Europeia, o estímulo europeu representa entre 3,3 e 4 por cento do PIB da UE, ou 400 mil milhões de euros este ano e no próximo. Este montante resulta do efeito combinado dos planos contra a recessão anunciados por alguns países em conjunto com os chamados "estabilizadores automáticos", sobretudo as prestações sociais, que tenderão a aumentar com o crescimento do desemprego.
Tanto a Administração americana como Paul Krugman, prémio Nobel da Economia em 2008, consideram este valor largamente insuficiente para ter algum impacto na economia - face à quebra do PIB superior a 3 por cento que é esperada este ano - , o que os leva a apelar ao aumento do estímulo europeu à economia.

"Começar a falar de outros planos antes de começar a executar o nosso é no mínimo imprudente", reagiu esta semana Durão Barroso.

Ontem, o presidente da Comissão Europeia inflectiu ligeiramente a sua posição ao defender que "é um erro pensar que [os países] podem concentrar-se apenas ou sobre a regulação financeira, ou sobre o estímulo: precisamos de fazer os dois". Neste contexto, defendeu que "se os Estados membros estiverem em condições de fazer mais [em matéria de estímulo], devem fazê-lo".

O projecto de conclusões da cimeira procura conciliar as duas perspectivas ao defender a necessidade de "regulamentar melhor os mercados" e prosseguir a "coordenação, a nível internacional, das medidas de relançamento orçamental". Apesar disso, as conclusões referem apenas a necessidade de "aplicar rapidamente os programas" de estímulo já anunciados, sem referir qualquer esforço adicional.

A maior dificuldade da cimeira será um acordo sobre os 5000 milhões de euros correspondentes à vertente especificamente comunitária do plano europeu contra a recessão. A comissão propôs a canalização deste montante - correspondente a "sobras" do orçamento comunitário - para projectos energéticos capazes de ter um impacto imediato na economia.

A exigência dos Estados membros de obterem financiamentos mais ou menos equivalentes à sua contribuição para o orçamento comunitário desvirtuou a negociação, que passou a incluir projectos com pouco impacto económico no curto prazo. Apesar das alterações sucessivas que foram sendo introduzidas pela Comissão para contentar os Estados recalcitrantes, os Vinte e Sete permanecem profundamente divididos.