27.6.10

Entenderam-se na crise, mas estão divididos na retoma

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Europa joga na defensiva no relançamento da economia, mas é ofensiva na tributação dos bancos, com uma nova taxa já em 2011


A relativa unidade conseguida pelos países ricos e emergentes do G20 no pico da crise financeira foi substituída por um claro desentendimento sobre a estratégia de saída da maior recessão global das últimas décadas.

O desacordo tornou-se patente na contagem decrescente para a nova cimeira do G20 que ontem arrancou em Toronto, no Canadá, a quarta depois de Washington (Novembro de 2008), Londres (Abril de 2009) e Pittsburgh (Setembro de 2009).

Mesmo com divergências, os membros do G20 - que representam mais de 80 por cento do PIB mundial - conseguiram durante os últimos dois anos um entendimento mínimo suficiente para injectar algo como cinco biliões (milhões de milhões) de dólares no sistema financeiro a título de garantias e de estímulos à economia para evitar uma repetição da Grande Depressão dos anos 1930.

Em contrapartida, as tentativas de coordenação das estratégias de saída da crise estão longe de ser consensuais entre as diferentes zonas do Mundo, o que reflecte, aliás, os diferentes ritmos a que as respectivas economias estão a sair da recessão.

Os países asiáticos, já em franco crescimento, e os Estados Unidos, que para lá caminham, olham com preocupação para a Europa que se mantém em estagnação, e, pior, embarcou em duros programas de austeridade para reduzir as dívidas astronómicas "inchadas" pela crise.

Americanos e asiáticos, que precisam do consumo europeu para manter a sua actividade económica, têm vindo a pressionar os países com excedentes - ou seja, a Alemanha e a China - a fazer os possíveis para relançar a economia global. Washington lembra, a propósito, que foi a retirada abrupta dos estímulos à economia que prolongou a Grande Depressão, e querem evitar agora o mesmo risco.

Imposição da Alemanha

Manmohan Singh, primeiro-ministro da Índia, afirmou ontem ao Toronto Star que "a retracção orçamental comporta riscos muito sérios" e que a resposta da Europa neste contexto constitui "um elemento absolutamente determinante da forma como a economia mundial evoluirá".

Mas os países da UE, que tiveram nos últimos meses de gerir a custo a crise da dívida pública da Grécia e instituir mecanismos de estabilização do euro, assumiram como prioridade absoluta, por imposição da Alemanha, a consolidação orçamental.

Em reacção aos apelos americanos, Angela Merkel, chanceler alemã, alega que o seu plano de corte das despesas públicas, no valor de 80 mil milhões de euros até 2014, não chega a representar 0,5 por cento do PIB nacional, não sendo assim por sua causa que o crescimento mundial poderá parar. Berlim lembra ainda que o seu programa de austeridade só arranca em 2011, o que significa que os estímulos se mantêm este ano.

Visando implicitamente os desequilíbrios dos Estados Unidos, o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäubble, frisa, por seu lado, que, "para a Alemanha, é claro que um défice público elevado é um grande entrave ao crescimento mundial".

"A Europa está determinada a assegurar sem tardar a sua consolidação orçamental", insistem Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, em carta enviada esta semana aos membros do G20. Mais: "Todos os países da União Europeia estão prontos, se necessário, para assumir medidas suplementares de consolidação", frisam.

Se, no que toca à retoma, os europeus estão na defensiva, já no que se refere à contribuição a exigir ao sector financeiro para suportar os custos da crise financeira a UE tem uma posição particularmente ofensiva: na semana passada, os seus Governos decidiram instituir uma taxa sobre os bancos independentemente do que vier a ser decidido pelo G20.

França, Alemanha e Reino Unido já anunciaram, aliás, a criação de uma taxa deste tipo em 2011. Os Estados Unidos estão na mesma linha, mas países como o Canadá, Rússia, China, Índia ou Austrália estão totalmente contra. Mesmo que não cubra as somas astronómicas que os Governos injectaram nos últimos dois anos no sector financeiro para evitar a derrocada, uma taxa sobre os bancos tem uma simbologia particular no momento em que a UE se prepara para divulgar os testes sobre a capacidade de resistência dos seus bancos a situações extremas (os chamados testes de stress).

Embora este exercício se destine a sossegar os mercados financeiros sobre a solidez dos bancos, o anúncio da publicação dos testes provocou um vento de pânico na Comissão Europeia. De acordo com alguns responsáveis comunitários, este exercício de transparência vai revelar a situação difícil de alguns bancos, nomeadamente alemães, particularmente expostos à implosão da bolha imobiliária espanhola e à dívida pública grega.

A ser assim, os respectivos Governos vão ser obrigados a reinjectar dinheiro nos bancos em dificuldades para evitar a sua falência. O que se revelará particularmente problemático sobretudo nos países que estão a cortar salários para reduzir o nível das respectivas dívidas.

Outros temas de desacordo entre os lideres do G20 envolvem a reforma da regulação financeira internacional - que foi, aliás, a razão que esteve na base da criação deste fórum. As negociações da cimeira que hoje termina incluirão, nomeadamente, os montantes mínimos que os bancos deverão passar a constituir em termos de capitais próprios.