28.6.10

Portugal sente-se uma sociedade de incerteza

Ivete Carneiro, in Jornal de Notícias

Os portugueses sentem que vivem numa sociedade de incerteza e imponderabilidade, onde os esforços são todos canalizados para a sobrevivência. “À tona da água”. É a conclusão de três anos de estudo das “Necessidades em Portugal, Tradição e Tendências Emergentes”.

A cargo da TESE - Associação para o Desenvolvimento e do Centro de Estudos Territoriais do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e Empresa, o trabalho já produzira conclusões, a partir de um inquérito divulgado há um ano. Os portugueses falavam em privação e precariedade, sentimentos de falta assentes na perspectiva face ao emprego, aos rendimentos, à eficiência e alcance do Estado. E isto através de toda a esfera social.

Com seis estudos de caso, a equipa coordenada por Teresa Costa Pinto conseguiu relativizar essa perspectiva. “Há dados que a contrariam. Há mais educação, mais saúde, melhor habitação do que há algumas décadas”. Mas a verdade é que “há grupos de vulnerabilidade e nem sequer são os dos tradicionais pobres”.

Esta será uma das principais conclusões a apresentar hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, onde serão também produzidas as recomendações possíveis.

A percepção de que o trabalho passou a ser uma entidade mutável – “já não é para toda a vida” – é outro dos ingredientes que ajuda a criar a imagem de incerteza da sociedade. E manifesta-se sobretudo entre os jovens, desencantados com a interrupção, por via da precariedade, de um percurso de qualificação e expectativas. “Há um corte, que gera incertezas e frustração”. Uma sensação que não será alheia a outra, ressentida pelos mais velhos: “os receios em relação às gerações futuras”.

Esta realidade é mais premente nas “famílias sanduíche”, explica a investigadora. São aquelas que auferem 60% a 125% do rendimento médio nacional. “Estão excluídas dos sistemas de protecção pública, mas estão em condições insuficientes para alimentar recursos de sobrevivência. Há uma dificuldade em gerir o quotidiano”.

Contrariando toda a negatividade, o estudo detectou “algum bem-estar”. Mas, adianta Teresa Costa Pinto, estrutura-se “a partir de dimensões mais individuais e familiares, com pouco desenvolvimento das dimensões societárias”.

Trata-se de uma tendência natural de “recentramento nas redes primárias (família e amigos)” em contexto de risco. É assumir uma postura individual – “Volto-me para mim e para os meus próximos em detrimento de uma estratégia mais colectiva”.

Esta será outras das conclusões a reter: a individualização desfere um golpe na mobilização colectiva que, segundo os investigadores, é o motor de uma sociedade dinâmica e lutadora. “Há uma racionalidade extrema na gestão do quotidiano, mas pouca mobilização colectiva no sentido de produzir reivindicações. A luta quotidiana é quase só travada pessoalmente”.

Perante o quadro desenhado, os investigadores traçaram recomendações em dois níveis: a sociedade e o indivíduo. A primeira precisa de reforçar o mercado de trabalho. ?Sabemos que no contexto actual não é fácil. Terá que passar pela inovação social e económica?.