29.6.10

Um quinto dos portugueses vive abaixo do limiar da pobreza

in RTP

Um estudo apresentado hoje à tarde na Fundação Gulbenkian mostra que um quinto dos portugueses vive abaixo do limiar da pobreza e enfrenta dificuldades para satisfazer as necessidades básicas. O estudo, revela ainda que mais de metade das famílias portuguesas vive com menos de 900 euros por mês. Apesar disso a maioria dos inquiridos considera-se feliz.

Entre outras conclusões o estudo revela que 20 por cento dos portugueses está abaixo do limiar de pobreza, que é o nível de rendimentos abaixo do qual uma família é incapaz de satisfazer as necessidades dos seus membros.

O estudo confirma também o que já se sabia: o universo dos mais vulneráveis coincide com o dos idosos, das famílias monoparentais e dos menos instruídos.

Acima do limiar da pobreza mas "em contexto de precariedade" vive mais de um terço dos portugueses:

Trinta e cinco em cada cem encontram-se numa situação de privação alta ou média, vendo-se frequentemente confrontados com situações de relativa escassez, tais como a impossibilidade de manter a sua casa aquecida ou de usufruir das baixas médicas na totalidade para não perder rendimentos.

Ao todo o estudo constata que entre pobres e quase pobres, 57% dos portugueses vive com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.

Pobres, felizes e desconfiados
Estas realidades pouco favoráveis levam a que o nível de satisfação com as condições de vida seja um dos mais baixos da União Europeia (6,6 numa escala de um a dez). Paradoxalmente, a grande maioria dos portugueses considera-se feliz (73 por cento) e cita como fontes de felicidade a família e os amigos.

Apesar disso o estudo mostra que somos pessoas que desconfiam do próximo: 45 por cento dos portugueses admite não confiar nos outros. Em relação ao Governo e ao poder institucional o nível de desconfiança é ainda superior: 70 por cento afirma que estes lhes merecem pouca ou nenhuma confiança.

O estudo demonstra ainda que os portugueses são um povo resignado e conformista: A maioria diz-se insatisfeita com a falta de perspectivas e as condições de trabalho. Queixa-se dos salários baixos e da precariedade e mais de 30 por cento diz que gostaria de mudar de emprego. Mas mais de um terço dos insatisfeitos admite que nada faz para tornar real esse objectivo.

Do mesmo modo, 63 por cento recusa a possibilidade de emigrar e só uma minoria deseja voltar a estudar. Não obstante, a maioria diz que gostaria de saber explicar-se melhor por escrito, de aprender línguas e de saber utilizar a Internet, para acompanhar os estudos dos filhos.

"Necessidades em Portugal: tradição e tendências emergentes" foi um trabalho promovido pela Tese, Associação para o Desenvolvimento, e realizado cientificamente pelo CET/ISCTE, coordenado pelo Instituto Superior Técnico.

Os autores do estudo consideram que, nas conclusões que parecem resultar do inquérito, "é praticamente inexistente o potencial (da sociedade) para mudar" e defendem que a sociedade portuguesa precisa de reforçar "as dimensões mais racionais, colectivas e organizacionais" que definem as sociedades ocidentais modernas.

Entre outras medidas recomendam que as políticas públicas passem a aplicar mais recursos ao mercado de trabalho e à criação de empregos e menos recursos à concessão de subsídios.

Ministra do Trabalho fala de "longo caminho a percorrer"

Num comentário às conclusões deste estudo a ministra do Trabalho e Solidariedade Social, Helena André, reconheceu que "ainda há um longo caminho a percorrer" no combate à pobreza. Mesmo assim a ministra frisou que "Portugal tem conseguido, nos últimos anos, reduzir os níveis de pobreza e de desigualdade salarial".

Segundo Helena André, um dos factores que mais contribui para os elevados índices de pobreza "tem que ver com aquilo que chamamos os trabalhadores pobres". Para a ministra, os trabalhadores pobres e os salários baixos são matérias que preocupam "permanentemente" o Governo e os parceiros sociais, tratando-se de assuntos que "estão em discussão em cima da mesa".

Quanto á questão dos subsídios, mencionada no estudo do ISCTE, a ministra do Trabalho e Solidariedade Social diz que são fundamentais mas não devem ser encaradas como "eternos".

"Eu e o Governo temos a clara convicção de que os subsídios são fundamentais para apoiar as pessoas nas diversas fases de transições, mas não podem ser encarados como algo que é eterno, porque o normal nas sociedades é trabalhar e não estar a utilizar um subsídio", afirmou Helena André, à margem da 12ª conferência da International Society for the Study of Work and Organizacional Values a decorrer no Centro de Congressos do Estoril, Cascais.

"Aquilo que queremos é ter subsídios que possam ajudar as pessoas a manter a dignidade das suas vidas e possam, sobretudo, ser veículos de apoio às pessoas para a reintegração e regresso ao mercado de trabalho", disse.

Aumento da qualificação é fundamental
A ministra do Trabalho e Solidariedade Social considerou também que o aumento da qualificação dos portugueses é o instrumento mais importante para conseguir emprego e contornar a crise, e que essa é uma das apostas do Governo.

"A grande aposta que temos no terreno, através das políticas activas do mercado de trabalho, é justamente oferecer oportunidades de formação e de requalificação das pessoas", afirmou.

Segundo a ministra, o agravamento fiscal, umas das medidas de austeridade anunciadas pelo Executivo para combater a crise, pode ser contornado com "o crescimento económico e com a possibilidade de as pessoas acederem ao emprego e manterem-se dentro do mercado de trabalho".

A ministra do Trabalho garantiu ainda que "o Governo vai estar atento" aos efeitos que o agravamento fiscal do IRS e do IVA terão nas pessoas com menos possibilidades económicas:

"O Governo nunca escondeu que tem noção que o pacote que está em curso para implementar no nosso país poderá ter alguns efeitos recessivos, mas temos de promover o crescimento económico e, sobretudo, melhorar as condições de acesso ao mercado de trabalho", acrescentou.

Helena André disse ainda ter a "profunda convicção que o emprego é o melhor veículo de integração social, o melhor veículo de auto-estima e, claramente, o melhor veículo de combate à pobreza".