29.6.10

Nem pobres nem ricos... e a viver muito mal

por Céu Neves, in Diário de Notícias

57% têm menos de 900 euros/mês. Sociólogos descobrem as "famílias-sanduíche"


As "famílias-sanduíche" têm um rendimento mensal "elevado" para acederem a subsídios, como o rendimento social de inserção. E tem um rendimento "muito baixo para terem qualidade de vida". São os chamados "remediados", a quem vale as redes de solidariedade informais. Em regra: os pais.

O conceito sociológico de "família-sanduíche" é novo e foi ontem explicado pelos autores do estudo: "Necessidades em Portugal: tradição e tendências emergentes", coordenado por Isabel Guerra. Retrata uma classe social, que se enquadra tradicionalmente na classe média baixa, mas que tem expectativas muito elevadas quanto ao futuro, por isso estudaram. E a sua situação pode ser mais problemática que a vida dos 20% que estão abaixo do limiar da pobreza e que têm acesso "a prestações sociais ou apoios orientados para o combate à pobreza".

Os remediados têm trabalhos precários e encargos elevados, nomeadamente com a habitação. E não sobra dinheiro para fazer férias, comprar livros ou presentes, ir a um cinema, por exemplo.

"É o caso de jovens, cujos pais eram da classe média alta, com com qualificações elevadas e que têm rendimentos mensais na ordem dos 900 euros. Vale-lhes as redes informais de solidariedade, como a família e os amigos", explica João Meneses, presidente da TESE, associação que promoveu o estudo, sob coordenação científica do DINAMIA - Centro de Estudos Territoriais (CET/ISCTE) e em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian e o Instituto de Segurança Social.

É a história de Raquel, 36 anos, licenciada em Comunicação Social, operadora de help desk num banco e trabalhadora por conta própria. "A acumulação de actividades fez sempre parte do seu quotidiano, tanto por necessidade económica, como por gosto. Num tempo em que, ao contrário do que antes acontecia, ter um emprego não permite ter uma vida estável, Raquel crê fazer parte de uma geração que cresceu na crença de um progresso material indesmentível, a quem a facilidade de acesso ao crédito levou à prisão relativamente aos empréstimos, num ambiente laboral particularmente precário e agressivo", explicam os autores do estudo.

Os sociólogos não analisaram as formações dessas pessoas com mais dificuldades, mas Manuel Meneses refere que se assiste a um processo de requalificações. "Adultos que estão à procura de novas qualificações porque constataram que as que têm não são as que o mercado procura, nomeadamente os formados em Direito, em Arquitectura, em Jornalismo. Há uma migração com vista à requalificação."

Mas as "famílias-sanduíche" são também a Inês, 29 anos (9.º ano), e o Luís, 35, (12.º), que vivem juntos há cinco e com o filho de 11 anos da Inês. Ele acabou de ficar desempregado e adiou a entrada no ensino superior por falta de dinheiro. "Portugueses inconformados, que tentam e voltam a tentar enganar um sistema viciado."

Os empresários de actividades económicas de pequena escala, os adultos empregados em situação de sobreocupação, indivíduos recentemente reformados e idosos que vivem sós, foram outros dos grupos estudados.