28.6.10

Países mais ricos vão baixar o défice para metade até 2013

Por Miguel Gaspar, in Jornal Público

Europa derrota a América na questão do défice, mas os dois blocos perderam na questão das taxas à banca


Se a quarta cimeira do grupo dos vinte países mais ricos do mundo, o G20, foi anunciada como um confronto entre os defensores da continuação das políticas de estímulo à economia, como a América, e os que insistem nos cortes nos défices públicos, como a Alemanha, então a chanceler alemã Angela Merkel pode orgulhar-se de ter obtido uma vitória menos expressiva mas mais surpreendente do que a qualificação da selecção germânica para os quartos-de-final do Mundial de Futebol.

O comunicado final do encontro, que decorreu sábado e domingo em Toronto, no Canadá, acolheu a proposta do primeiro-ministro do país anfitrião, Stephen Harper, no sentido de os países desenvolvidos se comprometerem a reduzir os seus défices para metade até 2013 e a diminuir o peso das dívidas públicas no Produto Interno Bruto até 2016, diz a AFP.

Regulação bloqueada

Ao mesmo tempo que viu serem rejeitados a defesa das políticas de estímulo económico e os receios quanto ao impacte das medidas de austeridade que estão a ser aplicadas nos países europeus, a Administração Obama também voltou para casa de mãos vazias quanto à coordenação global da regulação do sector financeiro e da aplicação de uma taxa à banca, uma medida que a França e a Alemanha também defendem e tencionam aplicar nos seus países.

A cimeira não deu ouvidos às pretensões americanas, europeias e do Fundo Monetário Internacional e vingou a posição dos países emergentes - China, Brasil, Índia e Rússia -, que contaram com o apoio do Canadá e da Austrália.

Os 20 países mais ricos concordaram apenas em deixar ao critério de cada país a adopção de um imposto sobre a banca, embora o documento final defenda que o sector financeiro "deve fazer uma contribuição justa e substancial para pagar a carga associada às intervenções dos governos [para recuperar a economia na sequência da crise financeira]".

O Presidente francês, Nicolas Sarkozy, considerou que, ao deixar a cada país o critério de aplicar uma taxa sobre os bancos, a cimeira reconheceu a legitimidade desta medida.

Os países emergentes consideram que não têm qualquer responsabilidade na crise global que começou em 2007, no mercado imobiliário dos Estados Unidos, e se agudizou em 2008, após a falência do banco Lehman Brothers. Mas a sua posição reflecte também o ritmo a que as suas economias continuam a crescer.

O Congresso e o Senado dos Estados Unidos concluíram um pacote de medidas de regulação do sector financeiro, considerado o mais importante desde os anos 1930, na véspera da cimeira, com o objectivo de legitimar e reforçar a posição de Barack Obama na cimeira.

O comunicado final do encontro refere que os países emergentes "que têm excedentes" devem contribuir para o combate à crise, adoptando "taxas de câmbio mais suaves", um apelo à China para que revalorize a sua moeda, o yuan, cuja baixa cotação é vista como uma forma de apoiar as exportações chinesas e, ao mesmo tempo, de tornar mais caras as importações de produtos estrangeiros pela China.

Antes da cimeira, Pequim aceitou fazer uma revalorização da moeda, mas sem efeitos práticos e prosseguindo "uma política extremamente prejudicial numa altura em que grande parte da economia mundial continua em depressão profunda", como escreveu no New York Times o prémio Nobel da Economia, Paul Krugman.

A China pediu, aliás, para que uma referência explícita ao yuan fosse retirada do texto final, de acordo com fontes da delegação russa citadas pelas agências.

Receios dos emergentes

Os países emergentes exprimiram ainda os seus receios quanto à questão da redução dos défices, por recearem uma quebra do consumo na Europa que afecte as suas exportações. Essa é também a razão de ser das preocupações norte-americanas.

"O mundo não pode continuar a olhar da mesma maneira para o mercado americano", dizia, antes da cimeira, o secretário do Tesouro. Por outras palavras, a América, que quer liderar o mundo com os outros países, quer também partilhar o seu papel de locomotiva global da economia.

O Presidente da China, Hu Jintao, sublinhou os riscos dos cortes nos défices numa altura em que a saída da crise ainda não está consolidada. "Temos de agir de uma forma cautelosa, quanto ao timing, ao ritmo e à intensidade com que abandonarmos as políticas de estímulo à economia."

O ministro da Economia do Brasil, Guido Mantegna, criticou a prioridade dada pelos europeus à questão do défice. "Em vez de estimular o crescimento, eles prestam mais atenção aos equilíbrios orçamentais", disse.

Mas o compromisso em reduzir para metade os défices públicos até 2013 - consagrado numa declaração que apela também à necessidade de não prejudicar o crescimento - não significa muito de novo em relação às metas que Berlim ou Washington já se propuseram atingir. A Alemanha pretende diminuir o seu défice de 5,5 do PIB para três por cento até 2013, enquanto os Estados Unidos querem baixar do défice actual 10,6 por cento para 4,2 dentro de três anos.

Mas a versão final do comunicado - aplaudida pela chanceler Merkel e pelo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso - permite à Alemanha declarar vitória numa guerra de palavras bastante dura com Washington sobre as prioridades estratégicas no combate à crise. Berlim mantém que o seu plano de austeridade não é um travão ao crescimento económico.

As divergências entre os dois blocos terão sido concertadas durante a cimeira do G8, que decorreu no sábado, em Huntsville, 200 quilómetros a norte de Toronto.