27.6.10

Mães pós-40 aumentam 80 por cento e crescem casos de infertilidade

Por Natália Faria, in Jornal Público

Em Portugal, na fasquia das mulheres com mais de 40 anos, o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida aumentou 4,3 vezes em apenas sete anos


O peso das crianças nascidas de mães com 40 e mais anos de idade no universo total de nados-vivos cresceu quase 80 por cento numa década. Em 1999, os bebés de mães pós-40 representavam 1,9 por cento do total de nascimentos. No ano passado, a percentagem subiu para os 3,4.

Apesar de se tratar de valores residuais em termos absolutos (2297 crianças e 3359, respectivamente), este aumento ganha contornos mais significativos se considerarmos a tendência dos últimos anos para a diminuição do total de nascimentos: 116.038 em 1999 contra 99.576 em 2009.

A par deste fenómeno, e muito por culpa dele, crescem os casos de infertilidade e, consequentemente, de recurso às técnicas de procriação medicamente assistida (PMA). Nas contas de Vladimiro Silva, consultor da Direcção-Geral da Saúde para a área, as mulheres acima dos 40 que recorreram a técnicas de PMA aumentaram 4,3 vezes entre 2000 e 2007. "A partir dos 35 anos a fertilidade da mulher começa a diminuir e, a partir dos 40, cai a pique", sublinha este especialista que está a preparar uma tese de doutoramento sobre os aspectos económicos e demográficos da PMA.

Infertilidade afecta 120 mil

Apesar das incertezas quanto à real dimensão da infertilidade em Portugal, Vladimiro Silva diz acreditar que esta afectará à volta de 120 mil casais. "Os problemas associados à avançada idade feminina são a causa mais comum porque as mulheres estão a querer reproduzir em idades já muito próximas da menopausa", aponta. "Quando a minha funcionária me põe numa folha A4 a identificação dos casais candidatos à PMA a primeira coisa para a qual olho é para a idade da mulher", concorda Alberto Barros. "Há pouco tempo chegaram até mim dois licenciados, casados há mais de 15 anos, mas que nunca quiseram ter filhos e que vinham agora, com perto de 48 anos, tentar a primeira vez. Disse-lhes que não podia aceitar porque a probabilidade de êxito era reduzidíssima", conta aquele especialista em genética médica, para acrescentar: "Em mulheres com 43 ou 44 anos de idade a probabilidade de serem bem-sucedidas é muito baixa, inferior a 10 por cento, e até mesmo inferior a cinco por cento se estiverem mais próximas dos 44 anos. Muitas vezes quase que lhes peço que não o façam."

A frequência com que nas revistas cor-de-rosa surgem notícias de actrizes com 40 e muitos anos gravidíssimas e o alarido criado em torno de casos como o da septuagenária indiana que engravidou de gémeos (ver pág. 4) contribuem para criar a ilusão de que tudo é possível. "As notícias sobre as actrizes de cinema que engravidam muito depois dos 40 anos induzem os nossos doentes em erro. O que as revistas não dizem, porque não sabem, é quantas tentativas foram feitas ou que muitas daquelas mulheres recorreram, por exemplo, à doação de ovócitos de dadoras com 25 anos e aí, mesmo em mulheres com 40 anos de idade, as probabilidades de serem bem-sucedidas sobem logo de 12 para 40 por cento", diz Vladimiro Silva.

"A expectativa que, a partir daí, se cria em muitos casais é, no mínimo, imprudente", preocupa-se também Alberto Barros. Para ajudar a perceber que o recurso à doação de ovócitos não está ao alcance de toda a gente basta referir o custo. "No nosso centro, cada tratamento com doação de ovócitos custa cerca de 6400 euros", quantifica Vladimiro Silva. Por outro lado, as dadoras - apesar de receberem cerca de 700 euros por cada doação, a troco de compensação pelo tempo despendido - não surgem todos os dias. "Nós aceitamos voluntárias jovens e saudáveis, às quais fazemos um conjunto enorme de testes para verificar se está tudo bem, mas é um processo sempre muito difícil, porque somos muito rigorosos e acabamos por aceitar apenas vinte e tal por cento das candidatas", explica ainda o consultor da DGS.

Acresce a isto a ilusão de que com a congelação de ovócitos o futuro pode esperar indefinidamente. "É uma opção publicitada como um recurso para as mulheres engravidarem mais tarde mas que oferece uma segurança ilusória porque, mesmo que se congelem dez ou vinte ovócitos, alguns podem não estar em condições até no acto de descongelação e não dá para fazer várias tentativas", alerta Alberto Barros, aconselhando muito cuidado "com essas esperanças potencialmente ilusórias".

A montante deste fenómeno, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que a idade média das mulheres ao nascimento de um filho subiu para os 30,3 anos (era de 28,6 anos em 2000). Se falarmos apenas do primeiro filho, a idade média baixa, embora ligeiramente: era de 28,6 anos em 2009. Por detrás disto, estão os culpados do costume, segundo o demógrafo Leston Bandeira. "O novo ciclo de vida dos jovens faz com que a sua entrada na vida adulta se faça mais tarde. As mulheres em particular são as que mais investem nos estudos - são melhores alunas na universidade, aliás - e depois adoptam estratégias profissionais que as levam a adiar o projecto de ter filhos", enumera.

Maternidade tardia crescerá

Para este professor do ISCTE, as maternidades tardias vão continuar a aumentar, num país cujas mulheres há 25 anos não garantem a substituição das gerações (para isso seria necessário que cada mulher tivesse em média 2,1 filhos, sendo que, no ano passado, esse valor andava pelos 1,32). Mas, "não estamos a falar de fenómenos transversais a todas as classes sociais", segundo a demógrafa Ana Fernandes. "Nos grupos sociais mais baixos, onde a mulher muitas vezes não tem vida profissional ou tem uma posição profissional precária, muito dependente do marido, a maternidade continua a ser prioritária. O adiamento da maternidade - que acompanha o crescimento da longevidade - afecta fundamentalmente as mulheres de classes altas cujas carreiras profissionais são muito desgastantes e exigentes e por isso conflituam com o ser mãe."

Enquanto em Portugal o adiamento da maternidade parece ser tendência para durar, Ana Fernandes nota que, em países como a Noruega, a ideologia feminista começa a querer mudar o calendário . "A afirmação do feminino passou muito pela profissionalização e pela afirmação da mulher no mercado de trabalho, a par com o homem. Agora, porém, começa-se a pôr em causa se esse é o caminho, porque a mulher nunca ficará a par do homem e está a deixar para trás a maternidade, negando-se quase o direito de ter um filho." Não se trata de nenhum regresso ao "lar doce lar", "mas de um passo na afirmação do feminismo, que engloba o reconhecimento de que a criança é muito importante no bem-estar de homens e mulheres".