Carlos Santos Neves, in RTP
Apoiado no princípio de que a dissolução da Assembleia da República, “bomba atómica” dos poderes presidenciais, só pode ser aplicada em casos “muito especiais”, Cavaco Silva tornou ontem a pôr de parte a possibilidade de colocar a sua assinatura na queda do Governo de Pedro Passos Coelho. Porque, repetiu, “os portugueses ficariam numa situação muito pior” se ocorresse “uma crise política em Portugal”. Entrevistado para o programa Prós e Contras, da RTP, o Presidente da República estimou também que, apesar da austeridade e do “grande desemprego”, o país ainda conserva a “coesão nacional”.
É somente diante de situações “muito especiais” que a Assembleia da República deve ser dissolvida pela mão do Chefe de Estado. E o Governo “não responde politicamente perante o Presidente da República”, pelo que “falta de confiança do Presidente da República não é razão suficiente para o Presidente eventualmente dissolver” o Parlamento.
Cavaco Silva dá início esta terça-feira a um périplo por instituições europeias sediadas em Estrasburgo e Bruxelas. A agenda do Presidente da República inclui uma intervenção perante o Parlamento Europeu e reuniões com os presidentes da Comissão Europeia, Durão Barroso, e do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy.
Cavaco Silva voltou assim a expor, na entrevista de segunda-feira à RTP, a doutrina que tem invocado para descartar a convocação de eleições legislativas antecipadas.
Nas palavras de Aníbal Cavaco Silva, o inquilino do Palácio de Belém “não governa e não é responsável, nem tão-pouco corresponsável, pelas políticas do Governo”. A tarefa de “vigiar” o poder executivo, sublinhou, pertence à Assembleia da República.
“Eu já disse publicamente mais do que uma vez, por toda a análise cuidada e profunda que tenho feito, chego sempre à conclusão, juntando toda a informação que recebo de outras entidades internacionais, de que, se nós tivéssemos uma crise política em Portugal, na situação em que nos encontramos, os portugueses ficariam numa situação muito pior”, reafirmou então o Presidente.
Ainda sobre a “magistratura de influência” de Belém, Cavaco carregaria na tónica de uma atuação presidencial de “muita ponderação, muito bom senso e com sentido nacional, verdadeiro sentido nacional”.
Evitando sempre comentar diretamente o desempenho do atual Executivo de PSD e CDS-PP, o Presidente não deixou de assinalar a recente reformulação do discurso governativo, que passou a adicionar elementos como o investimento e a recuperação da economia ao primado do défice das contas públicas.
“Não há desestruturação social”
Durante a entrevista conduzida pela jornalista Fátima Campos Ferreira, Cavaco Silva acenaria ainda com a imagem de um país que, “apesar da austeridade”, de um “grande desemprego” e do número de “famílias em risco de pobreza”, ainda preserva “a coesão nacional”. O Presidente afirmaria mesmo que “não há desestruturação social” em Portugal.
Além de “não existir fragmentação social”, continuou Cavaco, os portugueses têm patenteado um “grande sentido de responsabilidade”. Ainda assim, segundo o Presidente da República, “é fundamental que os sacrifícios sejam melhor distribuídos”.
O Chefe de Estado retomou também uma ideia-chave do segundo de dois discursos preparados para as cerimónias do 10 de Junho, em Elvas, ao abordar o “pós-troika” com uma advertência contra a renegociação da dívida portuguesa – uma reivindicação recorrente por parte da oposição. “Se Portugal tiver de renegociar a sua dívida”, antecipou Cavaco Silva, “é porque as coisas correram mal ao nosso país”.
“E então eu não tenho dúvidas de que nós passaremos dias piores do que aqueles que estamos a passar neste momento”, acentuou o Chefe de Estado, para sugerir que os credores estarão neste momento “convencidos de que Portugal conseguirá, no futuro, gerar produção para pagar os juros e para pagar os empréstimos”.
Considerando, por outro lado, crucial o relançamento do investimento em Portugal, tendo em vista restaurar o mercado de trabalho, o Presidente tornou a advogar a importância de “encontrar formas mais fáceis e mais baratas de financiar em particular as pequenas e médias empresas”. Neste capítulo, Cavaco entende que o Banco Central Europeu poderia fazer mais para que a torneira do crédito fosse reaberta com melhores condições para o tecido empresarial.