por Ana Maia e Diana Mendes, in Diário de Notícias
Tem sido uma das bandeiras do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e um exemplo lá fora do que melhor se faz em Portugal. Em 25 anos, a mortalidade infantil passou de 15 para três mortes em cada mil bebés. Mas muito mais se conquistou. Ganharam-se médicos e enfermeiros e aumentou-se em três anos a esperança de vida aos 65. No entanto, ainda há iniquidades no País. E os receios saem redobrados com as recentes políticas de austeridade.
Um em cada dez bebés nasce prematuro. No ano passado, pouco mais de mil nasceram abaixo das 32 semanas de gestação, os chamados grandes prematuros. Bebés milagre, magia da ciência, fruto da formação médica e de enfermagem. Beatriz faz 12 anos em outubro. É uma menina normal, apenas um pouco mais franzina e baixa do que se poderia esperar para a idade. Nasceu com apenas 26 semanas de gestação e 615 gramas de peso. Em 2001, o limiar da viabilidade estava exatamente nesta fasquia.
"As coisas avançaram muito nos últimos dez anos, sobretudo na área da ventilação. A Beatriz nasceu quando eu tinha 33 anos. Por volta das 14 semanas de gravidez, tive logo a indicação de que as coisas não estavam bem. Tinha a tensão alta e o crescimento do bebé estava atrasado. Tinha um acompanhamento muito grande, na consulta de alto risco, mas mesmo assim não foi possível evitar o nascimento precoce", conta ao DN Paula Guerra, mãe de Beatriz.
Duas décadas antes, o desfecho provavelmente não teria sido o mesmo. "Sinto que quer eu como a Beatriz beneficiámos da melhoria dos cuidados. Senti uma enorme segurança na equipa e que ela ficaria bem", acrescenta a fundadora da associação XXS. Atualmente, é possível salvar bebés com apenas 23 semanas de gestação. "São percentagens pequenas. Limite da viabilidade, em que pelo menos 50% dos bebés sobrevivem, são as 25 semanas. Alguns com sequelas, mas com as 25 semanas temos bons prognósticos", refere Almerinda Pereira, presidente da secção de Neonatologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria.
Como se chegou aqui, com uma estatística tão pesada? "Houve um grande investimento no SNS desde 1989. Foi criada uma comissão que ainda existe para a mulher, bebé, criança e adolescente. Criou normas de funcionamento, regulamentou a atividade. A mudança não foi só fruto da neonatologia e da obstetrícia, mas também dos cuidados primários. Fecharam-se locais públicos sem condições onde se faziam nascimentos. Houve uma aposta na investigação e na formação. Hoje há enfermeiros especialistas em saúde materna em todas as unidades", explica. "Os hospitais foram apetrechados, as salas de parto, os serviços de pediatria, e apostou-se na prevenção dos acidentes e na vacinação."
Francisco George, diretor-geral da Saúde, destaca a "harmonia entre todos os níveis de cuidados", mas lembra que nem tudo é fruto de mudanças estruturais. "Os próprios pais e mães de hoje não são iguais aos de há 25 anos, têm mais conhecimentos em resultado da formação que foram adquirindo." Falta agora apostar nos mais velhos. "Temos um problema a resolver, que é a taxa de mortalidade prematura, antes dos 70 anos. É uma questão que não pode ser ignorada" (ver entrevista). Quanto aos fundos europeus, diz que não foram alheios a nada. "Foram usados em tudo, em unidades, mas também na formação de profissionais", acrescenta.
António Arnaut, apelidado de pai do SNS, concorda que os fundos foram enviados acima de tudo para desenvolver infraestruturas para que Portugal recuperasse do atraso em relação a outros países. Dinheiro não apenas vindo da Europa, mas também de países amigos."
Em 2010, Portugal era o quinto país que mais gastava em saúde, mas os gastos per capita não passam da média europeia - com cerca de 2900 euros por pessoa. Arnaut diz que agora "o financiamento é o mais baixo per capita da UE, mas em relação ao PIB é dos mais altos porque o nosso PIB baixou imenso. O importante é a qualidade do serviço prestado com o que se gasta por pessoa", salienta .
A Organização Mundial da Saúde, em 2011, já alertava para a existência de desigualdades e que os pobres chegavam a gastar 40% do seu orçamento total em saúde. E isso é visível com os gastos diretos das famílias, que são os terceiros mais elevados na Europa a 27. Mais de um quarto é suportada pelo utente, quando a OMS defende que não ultrapasse os 17% .
Apesar destes problemas, Ana Escoval, do Observatório da Saúde, salienta que "nas últimas três décadas houve uma explosão da disponibilidade de cuidados de saúde, no acesso, na equidade", aponta. Mas alerta: "Temos de acautelar a sustentabilidade do SNS. Deixa-me triste se colocarmos em causa o desenvolvimento de décadas e a melhoria dos indicadores que temos. Este é um modelo que olha para as pessoas. Tem ineficiências, mas pode ser melhorado."
António Arnaut acredita que acabar com o SNS é difícil, mas aponta entraves que já se sentem. "O valor das taxas moderadoras, para algumas pessoas, é muito. Nos hospitais podem chegar a 50 euros e nos centros de saúde são cinco euros. Há pessoas para quem um euro é muito. Os indicadores são comprometidos se o Governo continuar com esta política restritiva. A saúde é um direito fundamental, um elemento de justiça e coesão social", salienta.