25.6.13

"Não podemos esperar dos políticos toda a mudança"

por Lusa, publicado por Luís Manuel Cabral, in Diário de Notícias

Hoje há mais consciência sobre a necessidade de proteger o ambiente, mas as pessoas ainda acham que "não podem fazer a diferença", destaca a ativista Jane Goodall, alertando que "todos temos mais do que precisamos".

Em entrevista à Lusa, em Lisboa, onde participou numa sessão de cinema e será oradora numa conferência internacional, a ativista britânica, de 79 anos, sublinhou que há "uma consciencialização crescente".

Mas "a pobreza descomunal" persiste "em muitas partes do mundo", enquanto noutras se mantém um "estilo de vida não sustentável", compara, alertando: "Todos temos mais do que precisamos e muitos têm muito mais do que precisam."

"Quando se é muito pobre, cortam-se as últimas árvores para tentar cultivar alimentos, compram-se os produtos mais baratos, ainda que tenham implicações no ambiente e nas pessoas", realça.

Tudo está interligado: pobreza, fome, sobrepopulação, destruição ambiental. "Estamos num planeta com cada vez menos recursos naturais, mas ninguém parece perceber que todo este desenvolvimento económico a expensas do ambiente significa, muitas vezes, os ricos ficarem mais ricos e os pobres ficarem mais pobres", diz.

Os cidadãos não podem esperar dos políticos toda a mudança necessária, porque "há uma espécie de ligação entre companhias farmacêuticas, agroindústria, indústria de armamento e governos", sobre a qual pairam o suborno e a corrupção, observa.

Isso explica, em parte, que países em desenvolvimento estejam a cometer "os mesmos erros" do que os países desenvolvidos. Mas o que deixa Goodall triste é ter conhecido líderes africanos que percebiam a importância de proteger o ambiente e de subordinar o desenvolvimento à preservação da vida selvagem, mas depois, quando foram eleitos, deixaram-se "corromper pelo poder".

"Satisfeita" com o papa Francisco, por este ter abordado, num discurso perante os seus "milhões de seguidores", a importância do ambiente, a ativista não duvida de que, "só quando organizações como as Nações Unidas e indivíduos com poder assumirem uma posição forte, caminharemos na direção certa".

"Ainda não estamos aí", reconhece. A consciencialização ambiental existe, mas ainda pode ser reforçada.

Goodall critica o "pobre desempenho" da educação pública "na maioria dos países", que "obriga as crianças a memorizar e a fazer testes estúpidos".

Fundadora do programa educativo Roots&Shoots, que transmite aos jovens o conhecimento para melhorar a vida de pessoas e animais, Goodall foi convidada por Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, para ser Mensageira da Paz.

Presente em 130 países, desde o pré-escolar à universidade, o Roots&Shoots "tem feito uma grande diferença", apesar das "dificuldades de financiamento", diz.

"A minha missão é tentar ajudar as pessoas a perceberem que cada um de nós tem influência, todos os dias, e faz uma escolha sobre o impacto que produz", adianta, observando que os cidadãos estão perante "uma imagem tão horripilante que se sentem inúteis e não fazem nada".

"Se conseguirmos pôr centenas, milhares, milhões, eventualmente milhares de milhões de pessoas a pensarem nas consequências do que fazem todos os dias e do que compram -- onde foi feito, envolve exploração infantil, sofrimento animal, prejudica o ambiente? --, começaremos a dirigir-nos para a mudança", acredita.

Admitindo que uma só pessoa "não pode fazer a diferença", a ativista garante que "milhões de pessoas normais podem".

Goodall aprendeu "a humildade" com os chimpazés. Estudou-os durante anos e passou a entender melhor os humanos. Basicamente, o que distingue os humanos de outros animais é "o desenvolvimento impressionante do intelecto". Portanto, "a questão de um milhão de dólares é: como é que a espécie mais inteligente que alguma vez viveu no planeta está a destrui-lo?", atira.