Natália Faria, in Público on-line
Barómetro sobre a adesão à greve geral, na estação de metro da Trindade, no Porto: os trabalhadores estão solidários com a greve mas não vão aderir. Argumento número um: não vai mudar nada. Número dois: a crise não é compatível com a perda de um dia de salário.
Estação de metro da Trindade, no Porto, 8h45 da manhã desta quarta-feira. “Se vou fazer greve? Gostava, mas trabalho num instituto com poucas pessoas, cujo trabalho depende de mim. E os recursos são muito limitados, mesmo sem perder um dia de salário”, despacha Marco Cunha, 26 anos.
Está a caminho de mais um dia de trabalho, ainda segura na mão um dos panfletos que os responsáveis do Sindicato de Hotelaria do Norte (SHN) estão a entregar em mãos às pessoas que a esta hora desaguam no centro do Porto. Entre indicadores a apontar a porta da rua ao Governo, nos papéis de formato A5 destaca-se que a luta é de todos os trabalhadores. Que é contra os despedimentos e a precariedade. Contra a redução do número de feriados e do valor do trabalho extraordinário, contra o aumento do horário de trabalho e contra a redução do poder de compra.
“Motivos não faltam”, concorda António Sylva, 26 anos, trabalhador a prazo num call center. “O problema é que trabalho para clientes franceses e eles não estão em greve”. E, além disso, “quem anda a trabalhar com contratos de dois ou três meses, sujeita-se”. E António está “na expectativa de passar a definitivo”. Alguns transeuntes depois, eis Ana Maria, 56 anos, com argumentos semelhantes: “Compreendo as razões da greve, mas infelizmente não posso”. Porquê? “Trabalho num consultório médico, sou funcionária única, e tenho a certeza que o meu patrão não ia aceitar. Ele é contra as greves”.
Longe de ser contra os protestos, Rosa Pinto, uma empregada de limpeza de 50 anos, também diz que não vai aderir. “Acho que as greves já não adiantam nada, são pacíficas demais e a única coisa que os trabalhadores conseguem com isso é perder um dia de salário”. Assim, a não ser que a greve dos transportes a deixe sem ter como se deslocar, vai trabalhar. “Do que eu gostava era de ver as pessoas na rua, mais revoltadas. Como se vê no Brasil”. Não é que seja a favor da violência. “Mas acho que assim éramos capazes de conseguir alguma coisa”.
Segue Rosa Pinto e surge Ana Correia. Tem 38 anos, trabalha numa clínica médica e também vai dizer não à greve. “Não é com greves, não é deixando de trabalhar, que se vai resolver alguma coisa”. Então como? “Era mudar aquele Parlamento todo. Deitar aquilo tudo abaixo”, despacha.
Acho que as greves já não adiantam nada, são pacíficas demais e a única coisa que os trabalhadores conseguem com isso é perder um dia de salário
Rosa Pinto, 50 anos
Pudesse este inquérito à porta da estação ser usado como barómetro da paralisação que se quer geral e o prognóstico seria: total falhanço no esforço mobilizador dos sindicatos. Mas não pode. Porque, como sustenta Francisco Figueiredo, da direcção do SHN, “as pessoas que entram a esta hora ao trabalho são dos serviços e do pequeno comércio, ou seja, têm uma relação directa e pessoal com o patrão”. Não é difícil perceber que nestas empresas “o medo instalado” se traduza numa recusa do protesto. “Já nos grandes hotéis, detidos por multinacionais, e nos refeitórios e cantinas dos hospitais, é fácil apontar locais onde a adesão será próxima dos 100 por cento”, assevera Francisco Figueiredo. Exemplos? “O Hospital Pedro Hispano”, responde outra sindicalista.
No plenário que a partir das 9h mobilizou cerca de 70 trabalhadores das Águas de Gaia é difícil prever qual será a adesão à greve. Eduardo Ferreira, do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, brada que a greve não é só por causa dos horários. “É por uma organização do trabalho que nos permita continuar a ser gente!”. Entre a assistência, a revolta parece ser denominador comum. Mas depois há a perda de um dia de salário. Depois há a sensação de que nada vai mudar com mais uma greve. Ouçamos António Castro Bessa, 54 anos de vida e 43 de serviço. Trabalha e desconta desde os 11 anos e está longe de poder sonhar com a reforma. “Olho para os funcionários judiciais, para os bancários, para os políticos e sinto-me revoltado”, desabafa. É sindicalizado, já fez graves. Várias. Desta vez não decidiu ainda. “Nas lutas perde-se e ganha-se, mas eu sinto que só tenho perdido. Nunca ganhei tão pouco dinheiro como agora”.
Por isso também é que perder 40 ou 50 euros no salário faz diferença nas somas e subtracções mensais do orçamento doméstico. “Os sindicatos chamam-nos para a luta mas depois quem suporta os prejuízos são os trabalhadores. Por que é que aquilo que a gente desconta para o sindicato não é usado para dar uma ajuda aos trabalhadores que fazem greve?. Nem que fosse 20 ou 25 euros. Sempre seria uma ajuda”. É isso, mas também é o medo instalado de se perder o pouco que se tem, sobre o qual tantos sociólogos e pensadores têm teorizado e que António Castro Bessa ilustra desta maneira: “Dantes, se uma pessoa soubesse trabalhar, os patrões obrigavam-na a ir trabalhar, mesmo na greve. Agora até brincam com a gente. Dizem ‘se não vieres tu, vem outro”.