13.5.14

Mulheres e crianças vulneráveis são as mais penalizadas pela crise

in Jornal de Notícias

Mulheres e crianças em situação vulnerável ou desfavorecida sofreram as maiores consequências da crise económica europeia e são alvo da crescente xenofobia de alguns partidos, segundo um relatório da organização Médicos do Mundo.

O estudo, divulgado esta terça-feira, em Madrid, foi realizado pela organização não-governamental (ONG) Médicos do Mundo em oito países europeus - Espanha, França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Suíça, Grécia e Reino Unido - com base nas consultas a quase 17 mil pessoas em 25 cidades.

A análise demonstra que mais de 65% dos pacientes não tinha cobertura médica e cerca de um quarto tinha desistido de procurar assistência médica.

Dois terços das mulheres grávidas não tinha, até chegarem às clínicas da ONG, recebido qualquer atenção pré-natal, sendo que 43% chegou à consulta muito mais tarde do que o recomendado.

Apenas metade das crianças vistas pelas equipas dos Médicos do Mundo tinha sido vacinada contra tétano, hepatite B ou sarampo, com a taxa de vacinação em alguns países a ser de menos de 30% (é de 90% no resto da população).

Cerca de 76% dos pacientes ouvidos diz ter sofrido pelo menos um episódio de violência, e quase 20% dessa violência ocorreu dentro de fronteiras europeias, como explicou Liana Mailli, presidente dos Médicos do Mundo Grécia.

"Queremos lutar contra ideias falsas, destruir as ideias simplistas que continuam a penalizar os imigrantes. Apenas 2 ou 3% dos imigrantes que encontramos imigram por razões de saúde", disse ainda Thierry Brigaud, presidente dos Médicos do Mundo França.

"Este é o paradoxo. Muitos estavam de boa saúde para poder enfrentar o que é um processo de imigração, em muitos casos, muito difícil. E é já no país de acolhimento que a sua situação de saúde se vai degradando, sem assistência", considerou Brigaud.

Álvaro González, presidente do Médicos do Mundo Espanha, destacou, por seu lado, que o estudo demonstra o impacto, especialmente na zona mediterrânea, das medidas de austeridade que, no caso da saúde "levaram a políticas baseadas mais no medo e na intolerância do que numa base empírica".

Para González, os limites no acesso à saúde estão a ser usados como "desculpa para limpar fluxos migratórios", favorecendo "atitudes racistas e xenófobas".

González destacou o aumento das taxas moderadoras e o maior custo de acesso médico, especialmente para os que têm menos recursos ou têm doenças crónicas, entre outras medidas que estão a "impor mais barreiras no acesso à saúde".

"Quanta mais intolerância e injustiça vamos tolerar na nossa sociedade como desculpa pela crise?", questionou.

"A exclusão de alguns grupos cria barreiras económicas à saúde e representa um aumento de custos, por atraso no diagnóstico e por pior controlo das doenças crónicas", disse.

Em Espanha, especificamente, González criticou as alterações ao sistema de saúde "tendo sido desmantelada o seu cariz universal" e passando a vinculá-lo apenas com base na situação laboral e "excluindo pessoas em situação administrativa irregular".

"São medidas perigosas e que atentam contra a ética médica. Há múltiplos estudos científicos onde se constatam os efeitos catastróficos destas medidas restritivas em toda a população europeia", disse.

No relatório, os Médicos do Mundo apelam aos governos e instituições europeias para que garantam que os sistemas de saúde "são baseados na solidariedade, justos e abertos", protegendo as populações mais vulneráveis.