Por Sónia Peres Pinto, in iOnline
Juros demasiado elevados, vazio legal e falta de fiscalização desta actividade tornam este negócio, na maioria dos casos, prejudicial para o consumidor
A cobrança de juros indevidos, a falta de fiscalização e as avaliações realizadas de forma ilegítima são alguns dos problemas que poderá enfrentar se tiver de recorrer a uma casa de penhores. À primeira vista poderá ser encarada como uma boa solução para conseguir o financiamento "na hora", mas devido ao vazio legal e à falta de fiscalização desta actividade o consumidor, na maioria dos casos, sai prejudicado.
O alerta é feito pela Associação de Defesa do Consumidor (Deco) e chega a admitir que as casas de penhores só devem ser encaradas como uma solução para quem já esgotou todas as alternativas de financiamento. "A crise dos últimos anos, aliada à subida do preço dos metais preciosos que se verificou até ao início de 2013, fez reavivar uma actividade muito em voga no passado. Contudo, o vazio legal e a falta de fiscalização têm feito com que o crescimento da actividade prestamista seja acompanhado por um multiplicar de problemas", salienta.
Como funciona Tal como no crédito bancário, o empréstimo concedido pelas casas de penhores exige a apresentação de uma garantia. Ou seja, um bem material pertencente a quem solicita o empréstimo. "Se, no passado, eram vários os objectos susceptíveis de ir parar ao 'prego' em períodos de maior aperto financeiro, hoje em dia dificilmente são aceites bens que não sejam de prata ou de ouro e jóias", revela a associação.
Onde se dirigir? Quem pretende contrair um empréstimo com garantia de penhor deve dirigir-se ao estabelecimento com o objecto que quer penhorar. Este avança para a avaliação do objecto, pela qual irá cobrar uma taxa cujo valor máximo não pode ultrapassar 1% do montante da avaliação. Esta taxa é sempre cobrada, mesmo que o bem não seja entregue em penhor.
Mas nem tudo são facilidades. De acordo com o Regulamento das Contrastarias (legislação aplicada no comércio de bens de metais preciosos e ourivesaria), a avaliação de peças de ourivesaria, pedras preciosas, relógios de uso pessoal ou barras e medalhas comemorativas de metal precioso só pode ser feita por avaliadores oficiais, formados pela Casa da Moeda. No entanto, nem sempre isso acontece. Uma situação que, de acordo com a Deco, leva "a questionar a legalidade da avaliação e até a própria cobrança da taxa". Além disso, devido à ausência de regras definidas para a avaliação, os valores encontrados bem como os montantes do empréstimo variam muito consoante o estabelecimento. "Muitas vezes, o valor da avaliação é inferior ao de mercado. Contudo, há que verificar se o valor estipulado não é demasiado reduzido, uma vez que, quanto mais baixo for, menor será também o montante do empréstimo, mais baixo será o valor de uma eventual venda e, em caso de roubo durante o período em que o bem esteja à guarda da casa de penhores, mais pequena será também uma possível indemnização", afirma a entidade.
No entanto, há casos em que se assiste ao contrário. Se a avaliação for demasiado elevada também será prejudicial no valor a pagar, já que os juros são calculados sobre a avaliação. "Caso seja demasiado elevado, pode tornar mais difícil um eventual resgate, se tal for do interesse de quem o penhorou", lembra a Deco.
Se concordar com o valor da avaliação e quiser avançar com o processo, assina-se o chamado "contrato de mútuo com penhor", ficando o termo de penhor em posse do mutuante (a casa de penhores) e a cautela com o mutuário (quem contraiu o empréstimo). Actualmente, muitos dos documentos emitidos dificilmente poderão ser considerados válidos. A Deco lembra que algumas casas emitem cautelas de penhor manuscritas, com a descrição da peça em causa, data, local e identificação do mutuário, e o valor do empréstimo e da avaliação. "Mesmo que a informação esteja correcta, este é um tipo de documento que não salvaguarda o interesse de nenhuma das partes e é ilegal. Existem outros problemas a este nível: por vezes, as avaliações não são descritas de forma clara, sendo usados códigos que apenas são entendíveis pela casa de penhores que emite o documento, quando deveriam ser perceptíveis para qualquer avaliador. Outras são emitidas como um acto isolado, quando não o são", acrescenta.
Mais entraves Os problemas não ficam por aqui. A falta de rigor da documentação apresentada pelas casas de penhores é lesiva para os consumidores. "Numa situação de fragilidade e de má informação, não só o consumidor pode ser vítima de abuso como também o próprio Estado", alerta a Deco. A explicação é simples: caso o imposto de selo seja incorrectamente calculado ou não seja sequer comunicado à administração fiscal, este pode nunca entrar nos cofres do Estado. Além disso, deve desconfiar dos anúncios de jornal a casas de penhores. Pode tratar-se de actividades ilegais, isto é, não licenciadas.
Por regra, o contrato tem a duração de um mês, podendo ser renovado por períodos iguais e sucessivos, até um máximo de dois anos, bastando que sejam pagos os juros relativos ao mês anterior. Isto sem que possam ser cobradas taxas e comissões adicionais, nomeadamente, uma nova taxa de avaliação. "Há, no entanto, casas que fazem adendas ao contrato a cada pagamento dos juros e cobram nova avaliação.
A maioria das casas de penhores cobra uma taxa de juro de 3% ao mês (valor que pode subir para 4% quando em causa estejam objectos que não sejam de ouro, prata ou jóias). Ou seja, ao cliente é cobrada uma taxa de 36% de juros ao ano, encargo que pode ser superior caso a ele se some, por exemplo, a taxa de avaliação. "Para aplicar esta taxa tão elevada, os prestamistas baseiam--se numa lei de 1929 que regulava o sector. Ora, esta lei foi revogada em 1999 por um diploma que remetia a definição da taxa de juro a aplicar na actividade prestamista para uma portaria a ser publicada posteriormente. Acontece que essa publicação nunca aconteceu, dando origem a um vazio legal que se prolonga há 15 anos", refere a Deco.
De acordo com a entidade, estes problemas não são recentes, uma vez que já se mantêm há cerca de década e meia. "Por exemplo, a taxa de juro efectivamente aplicada pelos prestamistas contraria o entendimento dado pela Direcção-geral das Actividade Económicas (DGAE) e a documentação entregue pelos prestamistas continua a não cumprir os requisitos a que está obrigada. Tudo isto põe a nu problemas na fiscalização que é feita ao sector", conclui a Deco.
Penhoras em cinco passos
01 Avaliação A casa de penhores avalia o objecto cobrando uma taxa máxima de 1% (1 euro num bem de 100 euros). Pode ser obrigado a pagar mesmo que decida não penhorar o bem.
02 Contrato O contrato dura um mês e é renovável por períodos iguais até ao máximo de dois anos. Por lei, as casas de penhores não podem cobrar uma taxa de juro superior a 3% para ouro, prata e jóias, e a 3,75% para os restantes bens. Caso se atrase no pagamento, poderão ser-lhe aplicados juros de mora.
03 Amortização Pode amortizar o empréstimo a qualquer momento. Tem de entregar, no mínimo, 10% do capital em dívida. Nesse caso, quando o contrato for renovado, paga juros sobre o remanescente.
04 Resgate Para resgatar o objecto penhorado, pode ter de avisar com uma antecedência de até cinco dias úteis, mencionada obrigatoriamente no contrato. Implica o pagamento do capital e dos juros em dívida.
05 Venda Após três meses sem pagar juros, o bem pode ser vendido pelo prestamista, que fica com 11% do valor de base da licitação. Para resgatar o objecto depois de ser posto à venda, tem de pagar aquela taxa. E se da venda resultarem ganhos para si, reclame-os no prazo de seis meses.