10.9.14

Entrevista ao alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado

in ACIDI

“É preciso começar a reter os emigrantes”.

“Estamos sentados sobre uma bomba-relógio, que é a bomba-relógio demográfica. O país não terá futuro, e estamos numa contagem decrescente, porque, neste momento, não teremos capacidade de reverter essa situação se não conseguirmos ter mais imigrantes, se não conseguirmos trazer os nossos jovens que saíram recentemente para outros países”.

Este “desafio tem que preocupar muito” quem tem responsabilidades na área das migrações, frisa, considerando que esta é “a altura certa para sentar à mesa e refletir”.
Defendendo que “a política pública tem que ter capacidade de antecipação”, Pedro Calado sustenta que não basta dar prioridade a uma agenda para a natalidade, “tem que haver uma agenda também da imigração, que tem um reflexo demográfico muito claro”.

O ACM quer também assegurar que os cidadãos que saem do país “se mantenham, de alguma forma, ligados a Portugal”.
Para “manter laços e raízes”, Pedro Calado propõe a criação de “formas de contacto permanente”, sobretudo com os jovens, que não têm o mesmo perfil dos emigrantes das décadas de 1960-70.

Pedro Calado propõe, nomeadamente, a criação de “um grande portal, onde o português que está fora saiba que aquele é o local onde pode contactar com Portugal” e, por exemplo, saber de oportunidades de emprego no país de origem.

Pedro Calado recorda que a renomeação do ex-Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural em Alto Comissariado para as Migrações representa uma “tónica clara nas migrações”, como um todo, o que pretende colocar todos os organismos que têm responsabilidades nos fluxos migratórios a concertarem estratégias.

Com as novas atribuições, o ACM precisa de recolher “boa informação” sobre “não só os que chegam, mas os que saem”. Nesse sentido, a fusão entre os observatórios da Emigração e da Imigração será importante para uma “gestão integrada dos fluxos migratórios”, considera.

Apesar da situação económica atual, Pedro Calado estima que a “boa cotação” de Portugal como país de acolhimento de imigrantes vai manter-se.
“Apesar de a crise se ter sentido fortemente, apesar do decréscimo da imigração e do aumento da emigração, há alguns sinais de paz social, de não recurso ao discurso extremista”.

“Portugal continua a ser um exemplo de tolerância, de alguma ponderação, talvez porque consigamos muito facilmente calçar os sapatos dos outros”.

O número de portugueses que se candidataram ao Programa de Mentores para Imigrantes, a ser lançado no final do mês, já ultrapassa a centena, disse à Lusa o novo alto-comissário para as Migrações.

Pedro Calado referiu o projeto de mentoria como uma das medidas para “reforçar a integração dos imigrantes, sobretudo à escala local”.

O programa ainda está a aceitar candidaturas. “Superámos os 100 candidatos, o que é um número simpático, mas acreditamos que ainda vai crescer, porque grandes empresas já manifestaram interesse em aderir, por via da responsabilidade social”.

Este projeto “faz toda a diferença”, pois ter alguém autóctone a coresponsabilizar-se pelo processo de integração de um imigrante “facilita” esse mesmo processo, considera Pedro Calado, sublinhando ainda que tem “custos reduzidos”.

Pedro Calado adiantou ainda que vai abrir no dia 15 novo processo de candidaturas ao Programa Escolhas, dirigido a projetos na área do emprego para jovens.

Para breve está também a criação de um grupo de trabalho conjunto com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, para “criar uma espécie de centro nacional de apoio ao imigrante virtual”, referiu o responsável.

O objetivo é desburocratizar os processos de candidatura à entrada e permanência em Portugal, “para que a pessoa não tenha que vir fisicamente a Lisboa, Porto ou Setúbal, ou o imigrante paquistanês não tenha que ir fazer 500 quilómetros a um consulado para ter informação”, que deve ser “fácil, acessível, multilingue”, explicou, lembrando que, “hoje em dia, é possível entregarmos o IRS online”, por exemplo.

“Queremos muito apostar no ‘simplex migrante’. Não faz sentido, no século XXI, continuarmos a ter processos materializados em papel, para tudo. A ideia é que quem quer vir para Portugal tenha um sistema muito simples, muito amigável, de preferência online”.

Reconhecendo a complexidade do assunto, pois implica cruzamento de informação, segurança e confidencialidade de dados, Pedro Calado realça que a ideia “levará o tempo que é necessário” a concretizar-se. “Mas é claramente uma prioridade, espero nos próximos dois, três anos ter algo deste género a funcionar”, estima.

Por outro lado, o ACM vai também avaliar os serviços migratórios, que, à luz de 2014, “podem eventualmente ser revistos”.
Para tal, explicou Pedro Calado, será feito “um estudo para perceber se há novas necessidades”, nomeadamente por parte dos emigrantes portugueses, e “até que ponto outros perfis de imigrantes” estão a recorrer” aos serviços que existem. Ainda que se assista, no geral, a um decréscimo da imigração para Portugal, “determinados perfis aumentaram exponencialmente desde 2010”, como é o caso dos estudantes internacionais que vêm para as universidades portuguesas, que “mais do que duplicaram”, apontou.