6.10.20

E se ser cuidado fosse um direito e cuidar uma tarefa de todos?

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

No livro Cuidar de Quem Cuida, José Soeiro, um dos deputados responsáveis pela elaboração da lei do cuidador informal, Mafalda Araújo, investigadora na área, e Sofia Figueiredo, co-fundadora e primeira presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, traçam um retrato dos cuidados formais e informais e lançam “um manifesto para o futuro”.

Criar uma rede de respostas públicas de acesso universal e tendencialmente gratuito. Alargar as licenças a quem tem de cuidar de pais, amigos ou vizinhos. Reduzir o tempo de trabalho na esfera do emprego. Redistribuir o trabalho na esfera doméstica, para deixar de sobrecarregar as mulheres. Pagar dignamente quem faz do cuidado profissão. Esta é a visão expressa no “manifesto para o futuro” escrito por José Soeiro, Mafalda Araújo e Sofia Figueiredo, no livro Cuidar de Quem Cuida, que acaba de ser editado pela Objectiva, uma chancela da Penguin Random House.

José Soeiro é sociólogo, investigador na área do trabalho, deputado autor da primeira proposta de criação de um estatuto do cuidador informal e um dos responsáveis pela elaboração da lei em vigor. Mafalda Araújo fez uma dissertação de mestrado sobre cuidadores informais. E Sofia Figueiredo co-fundou a Associação Nacional de Cuidadores Informais, de que foi a primeira presidente. Cada um fez o seu próprio caminho até aqui chegar.

Soeiro começou a perceber a realidade de quem cuida e as suas implicações com o envelhecimento dos avós. “A mobilização da família, a sobrecarga da minha mãe, as escolhas nem sempre fáceis sobre [como] conciliar esses cuidados com o resto da vida, sobre contratar pessoas para cuidar e acompanhar [e, por fim], sobre a institucionalização do meu avô”.

Em Abril de 2017, Sofia Figueiredo, Anabela Lima, Maria Anjos Catapirra e Liliana Gonçalves foram recebidos por uma delegação da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social para apresentar a petição que tinham entregado na Assembleia da República em Outubro de 2016, com 14 mil assinaturas. Soeiro, eleito nas listas do BE, era o relator.

O deputado tinha de receber os peticionários, de ouvi-los e de fazer um relatório. “Fiz dezenas de reuniões públicas com cuidadores em todo o país. Ouvi centenas de histórias, algumas muito duras, e fiquei muito marcado por esse processo. Desde essa altura, acho que me sinto ligado para sempre a este tema, como se tivesse contraído um compromisso com esta causa.”

Os peticionários, lê-se no livro, revelaram como “por amor, necessidade, obrigação ou um misto dos três”, se tinham tornado cuidadores informais. “Testemunharam o que é assistir à degradação diária das pessoas de quem se gosta, como é dar o seu tempo e aprender por instinto, como tiveram de procurar informalmente quem estava em situações semelhantes porque era preciso partilhar informações, dúvidas e angústias. Explicaram como tinha sido tão difícil conciliar cuidados e emprego logo no momento em que as despesas a que tinham de fazer face se multiplicavam. Confessaram como demasiadas vezes se sentiram sozinhas, a oscilar em silêncio entre a preocupação com o outro e o seu próprio esgotamento, entre a preservação de si e o sentimento de culpa por não conseguirem fazer tudo. Explicaram como, frequentemente, o desgaste físico e emocional as tinha levado ao limite das suas forças e o quanto sentiam que, apesar de cuidarem de outros, ninguém se lembrava de cuidar delas.”

No relatório, aprovado por unanimidade, Soeiro propôs uma sessão pública no Parlamento destinada a ouvir cuidadores informais. Ainda agora lhe parece que os testemunhos, dados ali e noutros sítios, “foram uma das dimensões mais fortes do discurso público do movimento”. Alguns dos que aparecem no livro agora publicado foram proferidos naquela ocasião. Tratou de estudar, de ler livros, de ler relatórios, de tentar perceber a produção científica sobre o assunto, de conversar com outros sociólogos. Concluiu que “neste tema, que inclui o trabalho doméstico e os cuidados profissionais, se jogam dimensões centrais da organização social”. E foi nesse embalo que desafiou Sofia Figueiredo e Mafalda Araújo a fazer um livro.

A ideia inicial era uma espécie de guia do estatuto do cuidador informal, que contasse a história do movimento, clarificasse direitos, formas de os concretizar. Soeiro e Araújo viam o movimento como um “milagre social”, expressão usada por Pierre Bourdieu sobre as mobilizações dos desempregados em França, que os arrancou “à invisibilidade, ao isolamento, ao silêncio, em suma, à inexistência”. Em pouco tempo (Junho de 2016/Julho de 2019) conquistara não só o direito de existir, mas também um espaço no debate público e celebrara a sua primeira vitória: o estatuto do cuidador informal, aprovado em Setembro de 2019. As conversas que foram tendo e o próprio contexto pandémico levaram-nos para outra direcção.

“Se queríamos falar de cuidados, tínhamos de falar de cuidadores informais e de cuidadores formais”, começa por explicar Soeiro. “Quando se passa da esfera dos cuidados informais para a esfera dos cuidados formais continua a reproduzir-se o padrão de género. E é impossível pensar numa resposta para os cuidadores informais sem pensar nas políticas públicas de cuidados e nas estruturas que podem apoiar os cuidadores e, sobretudo, as pessoas dependentes.” E está tudo no princípio: “Não basta dar um enquadramento aos cuidadores informais, é preciso redistribuir os cuidados na sociedade. Não basta dizer que este trabalho é muito importante, é preciso dizer que é responsabilidade de todos.”

Trabalho produtivo versus trabalho reprodutivo

A pandemia de covid-19 desmascarou “uma das ficções mais enraizadas da sociedade”: a separação entre o chamado trabalho produtivo, associado à esfera pública, remunerado, e o chamado trabalho reprodutivo, associado à esfera privada, não remunerado. “Quando se diz que a economia esteve parada [durante o estado de emergência] diz-se muito sobre a racionalidade económica em que vivemos”, comenta Araújo. “O trabalho reprodutivo não parou.”

O trabalho reprodutivo vai além do trabalho biológico de gestação e aleitamento, inclui o trabalho de educar e de apoiar as crianças, bem como os idosos dependentes e as pessoas com deficiência nas várias fases das suas vidas. E envolve o trabalho doméstico – fazer as compras, assegurar o transporte de pessoas e bens, preparar refeições, limpar e arrumar, tratar da roupa. Na execução, no planeamento, na supervisão. “É o que as pessoas fazem para sobreviver”, resume. “Nenhuma sociedade se sustentaria sem este trabalho.”

Quando estava a crescer, Mafalda Araújo não percebia os contornos de tudo isto. Ressentia-se até da mãe que era professora e corria da escola para casa dos avôs e só depois da casa dos avôs para a sua própria casa. Já crescida viu como o pai, também professor, se afligia para cuidar da avó. E esforçava-se para ajudar, confrontando-se com a demência dela, aprendendo a lidar com a perda, lutando contra o cansaço. Ao fazer mestrado em sociologia na Universidade de Amesterdão, quis desvelar “o manto de invisibilidade” que cobre este trabalho.

É uma carga que recai sobretudo sobre as mulheres, mesmo quando elas têm um emprego (dupla e tripla jornada de trabalho). Muitas saem do mercado de trabalho ou ficam a trabalhar a tempo parcial para cuidar de alguém. As estimativas apontam para 827 mil cuidadores e cuidadoras informais, cerca de 200 mil dos quais a “tempo inteiro”. São os números divulgados pela Eurocarers em 2017.

Sofia Figueiredo nunca deixou o seu trabalho de vigilante nos seis anos que cuidou da avó demente. Para que tal fosse possível, contava com um centro de dia. A mãe podia entregá-la ao motorista antes das 9h, mas quem podia recebê-la quando saísse, pelas 16h30? “Solicitei à empresa para fazer o turno da manhã. Isto foi aceite com uma contrapartida: trabalhar mais uma hora por dia. Trabalhava das 6h30 às 15h30. Eu não trabalhava perto.” Tinha de ir do Seixal para Sintra. “Para entrar às 6h30, levantava-me às 5h. Entrava muitas vezes em ansiedade.” O trânsito era um gatilho. As filas começavam a formar-se e podiam impedi-la de chegar a tempo. Um dia, perante um acidente, na Ponte 25 de Abril, desatou a chorar compulsivamente dentro do carro. Ao vê-la naquele estado, a mulher do carro mais próximo abordou-a. Era uma enfermeira. Ajudou-a a acalmar-se.

“Eu sempre achei que devia ter oportunidade de decidir. Eu queria cuidar, mas não queria deixar de trabalhar.” E não havia protecção. Todo o sistema de licenças está pensado em função de descendentes, não de ascendentes. E foi “a revolta com esta injustiça” que a converteu numa das pioneiras do movimento em Portugal. “A primeira concentração que fizemos éramos 12. Recordo-me de nos dizerem que era uma humilhação estar ali. Eu nunca me senti humilhada. Não era uma humilhação! Era o princípio.”

A avó morreu meses antes de o estatuto ter sido aprovado. E a vitória não foi total. “O estatuto continua a não proteger as pessoas que estão a trabalhar”, lamenta. “Muitas têm de se despedir. Não têm alternativa. Vão empobrecer…” A pobreza parece ser a recompensa por cuidarem de alguém. Previa-se que, no prazo de 120 dias, fossem identificadas as medidas legislativas necessárias ao reforço da protecção laboral dos cuidadores, mas até agora nada.

“Temos uma máquina bem oleada que naturaliza este trabalho como dádiva afectiva, como demonstração de amor incondicional”, analisa Araújo. “Em termos de sistema é muito útil que assim seja. A sociedade escusa de arquitectar soluções realmente capazes, o que custaria muito dinheiro.” Se tais serviços fossem prestados no plano formal da economia, ao abrigo de uma rede estatal, representariam “mais de 4 mil milhões de euros anuais, o equivalente a 333 milhões de euros por mês”.

Os fracos apoios às famílias e o financiamento do sector solidário

O problema é de base. A mesma Constituição que reconhece a saúde e a educação como direitos fundamentais, que devem ser garantidos pelo Estado através do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, atira o apoio social para a esfera da solidariedade. É o “familiarismo implícito”, já teorizado por José São José, “que se caracteriza por uma oferta reduzida de serviços sociais e um sistema ‘rudimentar’ de licenças e de ‘prestações sociais directas e indirectas para compensar os custos do cuidar’”.

Há dois tipos de apoio directo às famílias de pessoas com alguma deficiência ou doença física e/ou mental: o complemento atribuído a pensionistas que se encontram numa situação de dependência (entre 95, 31 euros e 190, 61 euros por mês, conforme o regime contributivo e o grau de dependência); o subsídio por assistência de terceira pessoa destinado a compensar as famílias de crianças com abono bonificado por deficiência (110,41 euros).

O subsídio previsto no Estatuto do Cuidador Informal, cuja experiência-piloto está ainda a arrancar em 30 concelhos, é uma prestação de combate à pobreza extrema. Só tem lugar se os rendimentos de referência do agregado familiar forem inferiores a 526,57 euros. No final de Agosto, chegava a 32 pessoas.

Até o Apoio à Vida Independente, grande luta das pessoas com deficiência, ficou na alçada das instituições de solidariedade social. São os centros de apoio à vida independente que seleccionam os assistentes pessoais e os fornecem a quem deles precisa, por horas limitadas e para respostas básicas, como levantar da cama, tomar banho, comer, acompanhar a consultas ou actividades de lazer.

As contas estão no livro: o sector social e solidário responde por mais de 70% da oferta de respostas sociais, “ao abrigo de mais de 16 mil acordos de cooperação que envolvem a transferência, por parte do Estado, de mais de 1,5 mil milhões de euros em cada ano”. Ao todo “abrangem cerca de 450 mil utentes, nas várias valências e respostas dirigidas à infância e juventude, ao apoio à família e comunidade, a idosos e pessoas com deficiência”.

O Estado atribui um valor por utente. As instituições de solidariedade recebem 396,57 euros por mês por idoso, acrescidos de um complemento de 109,39 euros se este idoso se encontrar acamado, mais 51,58 euros se mais de 75% dos residentes no lar estiverem assim. Para serviço domiciliário, 269,63 euros. Por cada pessoa com deficiência, 1062,69 euros por mês por cada uma que acolher numa unidade residencial e 538,95 euros por cada uma que tiver em centro de actividades ocupacionais. Valores muito superiores aos atribuídos às famílias.

Na obra agora publicada, os autores recordam que estes valores são “grande fonte de discórdia entre instituições e cuidadores informais”. “Para os responsáveis do chamado ‘Terceiro Sector’, as quantias transferidas pelo Estado são apontadas como sendo claramente insuficientes face às despesas que as instituições dizem ter com os utentes, ainda que lhes cobrem uma prestação, que se soma à comparticipação pública que recebem”, escrevem. “É, aliás, invocando o baixo valor, quer das prestações pagas pelos utentes, quer das comparticipações do Estado, que as instituições justificam também os baixos salários que pagam aos trabalhadores.”

A maior parte dos profissionais que empregam integra o sector de actividades de saúde humana e apoio social. Pelas contas do INE, esses somam uns 250 mil. As suas condições de trabalho? “Imperam baixos salários e vínculos precários: quase um terço dos trabalhadores das IPSS tem contrato de trabalho temporário, além dos que se encontram a recibo verde; mais de 60% recebiam, em 2019, o salário mínimo, e até os que ganham mais têm salários baixos, com os dez primeiros níveis salariais a oscilarem, em 2019, entre os 600 euros e os 769 euros”. A desproporção de género permanece. E isso, torna Soeiro, “é um grande problema”. “Em toda a rede de apoio social é existe pouca formação, pouca valorização profissional, porque se entende que qualquer mulher está apta para desenvolver este trabalho.”

Os autores observaram, no debate do Estatuto do Cuidador Informal, o “conflito de interesses entre as IPSS (que queriam ver garantido o seu protagonismo na prestação de cuidados), as confederações patronais (adversas a uma alteração da lei laboral que lhes imputasse alguma partilha dos custos sociais dos cuidados), os sindicatos (que temiam que as soluções encontradas pudessem legitimar um trabalho tratado como subemprego) e os cuidadores informais”. E admitemque as soluções consagradas no Estatuto resultam “da negociação possível”.
Uma nova centralidade dos cuidados

O Estatuto do Cuidador Informal está por concretizar. Entre 1 de Junho e 31 de Agosto só entraram 1340 pedidos de reconhecimento. Figueiredo fala na carga burocrática, que inclui um atestado médico a garantir que o cuidador está física a mentalmente apto e o consentimento de quem é cuidado, o que nos casos de demência exige obter antes o Estatuto de Maior Acompanhado. Recorda relatos de cuidadores sobre funcionários da segurança social que desencorajam quem não reside nos 30 concelhos dos projectos-piloto. E reitera que o subsídio só chega a quem vive uma situação de carência económica. Outros cuidadores parecem ter dificuldade em ver outras vantagens no reconhecimento do estatuto.


Soeiro, Araújo e Figueiredo julgam que há que tornar o que está no papel uma realidade (plano de intervenção específico para cada cuidador, período de descanso para aliviar a sobrecarga física e emocional, grupos de auto-ajuda, apoio psicossocial) nos 30 concelhos e alargá-la ao todo nacional. Depois, há que desenvolver o Estatuto, de modo a incluir cuidadores que não sejam familiares, reconhecer a carreira contributiva passada e transformar a prestação de combate à pobreza dos cuidadores principais, isto é, que estão dedicados a tempo inteiro ao cuidado, numa “prestação social de reconhecimento do trabalho dos cuidados informais, acumulável com trabalho a tempo parcial”.

Com o país a envelhecer e a prevalência de doenças incapacitantes a aumentar, a questão do cuidado torna-se cada vez mais central. Os autores citam os dados do Instituto Nacional de Estatística que “apontam para um perfil de criação de emprego cada vez mais centrado nas ‘actividades de saúde humana e apoio social’”: “Os 46 400 empregos líquidos criados em 2019 concentraram-se mais nas mulheres dos que nos homens [...] e foram maioritariamente da área dos serviços e, dentro destes, do sector da ‘saúde humana e do apoio social’.”

De uma coisa ninguém duvidará: o que existe não chega para as encomendas. Florescem lares de idosos clandestinos. Os hospitais queixam-se dos internamentos sociais de idosos dependentes e até de crianças em perigo. E há trabalhadoras do serviço doméstico a assumir o cuidado de crianças, idosos e pessoas com deficiência. São mais de cem mil, quase sempre mulheres, quase sempre a tempo parcial. O que fazer?

No seu “manifesto para o futuro”, o trio defende uma total mudança de paradigma. Inspirado num movimento internacional liderado pelas organizações feministas, concebe o cuidado como um direito universal. Como é que isso se pode levar à prática? Criando “uma rede de equipamentos e respostas públicas de acesso universal, geral e tendencialmente gratuito”. O Estado teria de “construir uma infraestrutura de cuidados, garantir a cobertura em todo o país e socializar os custos dos cuidados sociais, além de disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas de provisão de cuidados”. A mudança passaria por integrar os cuidados à primeira infância (até aos três anos) no sistema público de ensino e por ampliar a Rede Nacional de Cuidados Continuados.

Este novo panorama exige um reforço de alternativas aos lares. Estados e autarquias procurariam “estimular a criação de respostas como o co-housing, as equipas locais de apoio domiciliário com horário alargado e valências de banda larga, somando aos cuidados que já existem —​ de higiene pessoal, alimentação, limpeza e enfermagem —​ outras possibilidades igualmente importantes, como apoio às compras, à leitura ou à fruição cultural”. E os projectos de apoio à vida independente seriam geridos pelas próprias pessoas com deficiência.

Soeiro, Araújo e Figueiredo reclamam um modelo de “cuidador universal”: “homens e mulheres devem, de forma igual, partilhar o trabalho não remunerado dos cuidados e ter direito a um trabalho remunerado que lhes dê autonomia e rendimento”. E isso requer não só uma educação para a igualdade, mas também uma redução do tempo de trabalho na esfera do emprego e partilha do trabalho na esfera doméstica.

Como reduzir o tempo de trabalho sem perda de rendimento? “Reorganizando os horários para permitir semanas de quatro dias de trabalho remunerado, aumentando os dias de férias (começando por repor os que foram cortados em 2012), isentando da obrigação de trabalhar por turnos ou à noite quem tenha filhos menores ou preste cuidados a pessoas dependentes”, sugerem. E alargando a “ascendentes as licenças para acompanhamento em caso de doença ou hospitalização” e até criando novas. Isto para lá dos laços biológicos, reconhecendo outras afinidades afectivas.

No lado dos cuidados formais, os autores reclamam salário digno para os profissionais. Sendo esta área tão feminizada, alimenta-se a velha disparidade salarial de género. “Valorizar profissional e salarialmente o sector dos cuidados é combater a desigualdade de género, de classe e a que resulta da racialização. [...] É preciso programas que estimulem os homens a assumir também este tipo de empregos.”

Uma utopia? “Uma utopia realizável”, considera Soeiro. “Nós falámos muito e resolvemos propor um caminho que nos parece possível”, diz, por sua vez, Figueiredo. “Isto é um manifesto que exprime a nossa posição. Queremos relançar o tema, influenciar o debate. Acho que é importante criar ou reforçar as alternativas à institucionalização. Por que é que tem de ser tudo gerido pelas IPSS?” Araújo começa por rejeitar a palavra. “O que vivemos agora é um pesadelo: uma distribuição desigual do trabalho e dos recursos disponíveis.” Ocorre-lhe Eduardo Galeano. “A utopia é como a linha do horizonte, damos uns passos na sua direcção, e ele afasta-se outros tantos — e é então para isso que serve a utopia, para caminhar. Esse caminho colectivo já começou — haja agora vontade política e coragem para arregaçar as mangas e continuar.”
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