Luísa Pinto, in Público on-line
A esperança no retomar do turismo, a excessiva informalidade e a instabilidade da legislação do arrendamento apontadas entre as razões para fracasso destes programas lançados pelo governo e pelas câmaras
A esperança do retomar do turismo, a instabilidade na legislação do mercado de arrendamento, a resistência em abandonar a informalidade. Pode haver vários motivos que ajudam a explicar o falhanço dos programas de arrendamento acessível com que Governo e autarquias têm procurado cativar proprietários privados para o segmento do arrendamento, em troca de benefícios fiscais. O executivo tem pudor em chamar-lhe falhanço, as autarquias não escondem a desilusão. Certo é que os resultados estão muito longe do esperado. Todos somados, há menos de 550 imóveis colocados neste mercado.
O Programa de Arrendamento Acessível (PAA), lançado pelo Governo, está em funcionamento desde o dia 1 de Julho de 2019. De acordo com o Ministério da Habitação, foram assinados 252 contratos no âmbito da plataforma que está a ser dinamizada pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) desde aquela data e até ao início do mês de Novembro.
Os critérios para adesão ao programa passavam pela cobrança de uma renda cujo valor estivesse 20% abaixo da mediana de referência apurada pelo INE para a área do imóvel e por contratos de, no mínimo, de cinco anos. A contrapartida dada pelo Governo seria não cobrar os 28% de imposto sobre o rendimento auferido com as rendas.
Seguiram-se os programas lançados pelas principais autarquias do país, já no decorrer de 2020: primeiro Lisboa, com o programa Renda Segura, depois o Porto, com o programa Porto Sentido. Nos programas municipais, aumentaram-se aos atractivos a dar aos privados, nomeadamente a não cobrança de IMI, e ainda o facto de passar a ser o município a arrendar aquelas casas (para depois as subarrendar aos munícipes), mas impondo também um limite de renda, cujo cálculo se inspirava no desconto assumido no programa do Governo.
Mas a adesão também foi fraca. Lisboa anunciou o programa em Março, assumindo o objectivo de chegar ao final do ano com 1000 casas arrendadas neste segmento, e o presidente da Câmara, Fernando Medina, chegou a admitir pagar três anos de renda adiantados. Dois concursos públicos depois, a autarquia conseguiu arregimentar 284 casas para o programa: 177 no primeiro, 107 no segundo.
No Porto, a autarquia avançou com a mesma ambição de captar mil fogos para este programa, mas deu-se um prazo mais dilatado (até 2022) e assumiu que um quarto desse objectivo seria conseguido através de imóveis que estavam em alojamento local e a braços com as quebras de rendimento trazidas pela pandemia. Mas os resultados foram muito curtos, com apenas 13 imóveis, e Rui Moreira não se coibiu de admitir que o programa “correu mal”.
Apesar de todos estes exemplos, a Câmara de Matosinhos decidiu também avançar com um programa deste género. “Estamos a tentar todas as possibilidades”, disse ao PÚBLICO Tiago Maia, administrador da MatosinhosHabit, que está a gerir o programa. O objectivo é captar 500 fogos até 2025, mas nesta primeira fase, cuja consulta ao mercado para angariar imóveis termina na próxima sexta-feira, o objectivo era angariar 30 fogos. “Temos tido muitos contactos, mas acho que não vamos conseguir os 30. Numa fase seguinte, vamos procurar a ajuda dos mediadores imobiliários para divulgar o programa e trazer proprietários”, disse ao PÚBLICO.
Mas o problema não tem sido a falta de promoção dos programas, diz Luís Lima, presidente da Associação Portuguesa de Empresas e Profissionais de Mediação Imobiliária (APEMIP). A associação assinou protocolos com o Governo, com as câmaras de Lisboa e Porto, e também vai assinar com Matosinhos, comprometendo-se com a divulgação dos programas. Mas tem encontrado resistência nos proprietários. “Infelizmente, alguns preferem continuar de portas fechadas, à espera que a situação melhore. Dou um exemplo: um proprietário de um T1 na zona de Campanhã conseguia tirar um rendimento líquido de dois mil euros por mês. Não quer assinar um contrato por cinco anos a cobrar uma renda de 400 euros”, argumenta.
Mas esta realidade não é verdade para todos. Num webinar organizado por promotores e mediadores subordinado ao tema do arrendamento acessível, realizado na passada sexta-feira, Ricardo Guimarães, director da Confidencial Imobiliário, recordou o estudo feito pela empresa de estatística que preside e que demonstrou que fora dos centros históricos de Lisboa e Porto, uma análise ao rendimento retirado no alojamento local e no arrendamento tradicional já era favorável a este último. Ou seja, era mais vantajoso, em termos de rendimento, ter um imóvel no arrendamento tradicional do que no alojamento local.
O arrendamento só é opção quando todos os outros segmentos estão em crise, e nem quando a crise pandémica retirou dos sites de alojamento local 2100 imóveis em Lisboa e 1100 no Porto eles migraram para o arrendamento. A instabilidade legislativa em torno do arrendamento e a confiança de que o anúncio das vacinas vai trazer um regresso de turistas foram também algumas das razões apontadas.
Ricardo Sousa, Presidente da Century XXI, disse, nesse mesmo seminário, que o esforço que a cadeia de mediação imobiliária está a fazer na divulgação e promoção destes programas não está a ter o sucesso esperado também porque esbarra “na informalidade que continua a dominar o mercado”. Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, concordou que a informalidade é um problema real, que tem de ser combatido, admitindo que foi também o excesso de informalidade uma das razões que levou a que o recurso a apoios ao arrendamento no âmbito da pandemia de covid-19 tenha tido tão pouca procura.
A governante teve mais dificuldade em concordar de imediato com a opinião defendida por alguns promotores nesse mesmo webinar, que pediram ao Governo para não se limitar a apoiar fiscalmente os imóveis existentes, mas em incentivar, da mesma forma, a construção nova que surgisse com esse propósito de colocar fogos no arrendamento acessível. Marina Gonçalves disse que o executivo pretende privilegiar a reabilitação do parque público e a construção de fogos para este mercado, mas continuará a prescindir de receitas fiscais para incentivar os privados. A secretária de Estado admitiu fazer algumas mudanças ao programa, e lamentou que muitos proprietários estivessem a aguardar, “numa espécie de limbo, a manter os imóveis fechados”. “O que é o pior dos dois mundos”, concluiu.