Mariana Mortágua, opinião, in JN
Poucas são as famílias portuguesas que não viveram de perto a história da emigração para França. Fugidos da miséria e dos horrores da Guerra Colonial, uma geração de fugidos do fascismo, para trabalhar nas obras e nas limpezas, para morar em barracas e subúrbios de lata.
"Os portugueses sabem bem o que é a clandestinidade, a exploração, a xenofobia" diz Vítor Pereira, lusodescendente francês, especialista em emigração portuguesa. Em 2020, a ex-presidente do Conselho Regional da Europa denunciava o medo dos emigrantes no Reino Unido perante a ascensão da extrema-direita: "Têm medo de falar português na rua, porque podem ser, de alguma forma, agredidos". Agredidos por serem portugueses, por serem imigrantes, por serem pobres.
Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa, foi clara quando afirmou ao "Expresso": "Reservo o meu humanismo para os franceses". É das entranhas da sua ideologia xenófoba, que desumaniza os não-franceses, que vêm os ataques aos emigrantes portugueses em França. Do seu partido surge a proposta de acabar com o ensino da língua portuguesa nas escolas francesas. Le Pen confirmou-o, em declarações à Imprensa portuguesa feitas ao lado de um André Ventura caladinho. O mesmo Ventura que diz ao nosso povo de emigrantes que os que nos procuram por miséria ou fome, para trabalhar nas obras ou nas limpezas, para morar em barracas e subúrbios de lata são bandidos. O mesmo Ventura que diz a Portugal que os filhos desses imigrantes, por morarem em bairros sociais, por serem negros, por serem pobres, são bandidos. Pobres, sim, porque nunca viram Ventura criticar a imigração dos vistos gold que vêm lavar dinheiro a Portugal. Que vergonha. Quanta subserviência aos poderosos e quanta cobardia, acusar falsamente quem não tem poder para se defender.
Vamos aos factos: os imigrantes são 5,7% da população em Portugal; 81% são população ativa e contribuíram com 844 milhões para a nossa Segurança Social, já descontados quaisquer "subsídios".
Sabia que os ciganos recebem apenas 4% do RSI? Sabia que o RSI apoiou mais 12 500 pessoas que caíram na pobreza nos primeiros meses da pandemia? E que os seus maiores beneficiários são... crianças?
Os maiores subsidiodependentes em Portugal são a EDP e a Banca, e nunca viram Ventura a tratá-los como bandidos. Quanta subserviência aos poderosos, e quantas mentiras, para quê? Para que quer Ventura toda a autoridade e violência que reclama? Não será com certeza para combater a criminalidade, que os dados provam ser diminuta em Portugal, nem para retirar o RSI a quem já não o recebe. É ler o programa do Chega: vender a Saúde e Educação, cortar para metade os impostos dos mais ricos.
*Deputada do BE