1.6.10

Conectividade para todos

Jeffrey D. Sachs, in Jornal de Negócios On-line

Não é todos os dias que alguém consegue integrar duas potências globais para promover uma revolução a nível planetário, mas essa é a realidade da Connect to Learn (www.connecttolearn.org), uma nova iniciativa à escala mundial destinada a garantir que...


Não é todos os dias que alguém consegue integrar duas potências globais para promover uma revolução a nível planetário, mas essa é a realidade da Connect to Learn (www.connecttolearn.org), uma nova iniciativa à escala mundial destinada a garantir que todas as crianças conseguem ter acesso e completar pelo menos o ensino secundário. A gigante das telecomunicações Ericsson e a cantora pop Madonna uniram esforços para conseguirem levar as crianças à escola e conectá-las a todo o mundo através da banda larga sem fios. Eu e os meus colegas do Instituto da Terra e da Aliança Promessa do Milénio juntámo-nos a essa iniciativa. As apostas não poderiam ser mais elevadas - nem as expectativas poderiam ser mais empolgantes.

A revolução das tecnologias da informação e das comunicações (TIC) é, seguramente, a força singular mais poderosa do desenvolvimento económico no mundo de hoje. Não é só em Nova Iorque, Xangai ou Paris que se encontra um telemóvel nas mãos de cada transeunte. Actualmente, encontram-se telemóveis nos táxis de Nairobi e entre os criadores de camelos no Norte do Quénia. Existem hoje em dia 4,6 mil milhões de assinantes de redes móveis e estes números estão a disparar. Só na África Sub-Saariana, estima-se que haja 250 milhões de assinantes.

A expansão da tecnologia 3G (e, em breve, da 4G) oferece a perspectiva de uma revolução tecnológica no ensino. Subitamente, mesmo as escolas mais longínquas podem conectar-se à Internet e a outras escolas através de um painel solar, de computadores de baixo custo e de acesso sem fios. Uma escola que não tinha sequer os elementos mais rudimentares pode de repente ter acesso ao mesmo armazém global de informação que qualquer outro lugar do mundo.

Quando isso acontece, os resultados são alentadores. Numa questão de minutos após ficarem "online", numa comunidade pastoral no Nordeste do Quénia, as crianças já estavam a ler sobre a sua própria comunidade no âmbito do Projecto Aldeias do Milénio, alargado a todo o continente africano. As comunidades com uma baixa taxa de frequência escolar testemunharam a inscrição das crianças na escola, uma vez que as intervenções de baixo custo, a começar pela ligação à Internet, refeições na escola e disponibilização de água potável levaram a um forte aumento na qualidade, desempenho e atractividade dos estabelecimentos de ensino para os estudantes e para os seus pais.

Com um modesto financiamento inicial, as comunidades rurais pobres e tradicionais que não ponderavam educar as suas crianças do sexo feminino de repente estão a aperceber-se do imenso valor para a comunidade de educar tanto meninos como meninas. Numa Aldeia do Milénio da Etiópia que visitei recentemente com o ministro etíope da Saúde, um pai daquela localidade explicou-me como é que tinha decidido manter a sua filha na escola em vez de a casar aos 12 anos com o filho de um vizinho. "Perguntei à minha filha o que é que ela queria fazer", contou-me o pai, "e ela disse-me que queria permanecer na escola, por isso continua na escola".

O ministro etíope da Saúde virou-se para mim e disse-me que nunca tinha ouvido antes uma conversa daquele teor naquela região: que o pai não só pediu a opinião da filha, como também acatou com todo o gosto a sua decisão! Estamos a observar este tipo de mudanças fulgurantes em toda a África. As comunidades pobres saúdam entusiasticamente a perspectiva de uma rápida evolução da educação das suas filhas, se os recursos escassos o permitirem.

Recentemente, num dia solarengo no Malawi, Madonna e o presidente executivo da Ericsson, Hans Vestberg, marcaram presença no início da obra para a construção de uma nova escola feminina e lançaram a nova iniciativa global de educação. A ligarem a nova escola ao mundo, estavam as torres de telefonia celular, distribuídas por dois pontos no horizonte, a cerca de quatro quilómetros de distância. A promessa não se perdeu no governo nacional. O ministro da Educação comprometeu-se a elevar a educação à escala nacional tão rapidamente quanto os recursos o permitissem.

A universalização do ensino secundário, especialmente para as crianças do sexo feminino, tem um potencial transformador para as sociedades que tentam fugir à pobreza, porque a educação também altera a dinâmica demográfica de um país. Nas regiões mais pobres do mundo, onde as meninas ainda não frequentam o ensino secundário, elas casam-se muito cedo e têm, em média, entre seis e oito filhos. As que permanecem na escola acabam por se casar muito mais tarde, talvez em torno dos 20 e poucos anos, arranjam um emprego e têm dois a três filhos.

Os efeitos do controlo da natalidade sobre o declínio da pobreza são profundos e rápidos. Quando as famílias pobres têm menos filhos, conseguem ter poder monetário para investir mais na saúde, nutrição e educação de cada filho. As mães podem consagrar mais tempo ao mercado de trabalho, quebrando barreiras de longa data em matéria de desigualdade entre os sexos. Um menor crescimento populacional significa menores pressões sobre a terra, a água e a biodiversidade. Em suma, a correlação entre a educação a diminuição da taxa de fecundidade, aceleração do crescimento económico e menor degradação ambiental são demasiado poderosos e óbvios para serem ignorados.

Ligar as crianças de todo o mundo através de programas escolares partilhados "online" e facilitar a criação de "redes sociais" entre as crianças de todo o mundo logo a partir de uma tenra idade irá gerar benefícios educacionais imensamente vastos. No recente lançamento de uma ligação "escola-a-escola" que conectou uma escola primária nos Estados Unidos a uma outra no Quénia, jovens crianças separadas por quase 13.000 quilómetros compartilharam uma "leitura em voz alta" e depois perceberam, espantadas e empolgadas, que podiam partilhar uma história com crianças de outra parte do mundo. O Teachers College da Universidade de Columbia estudará cuidadosamente o processo de escola-a-escola, com métodos formais de monitorização, de modo a avaliarem o valor das experiências escolares em termos de aprendizagem cognitiva e ética mais abrangente.

As actuais estimativas revelam que cerca de 300 milhões de crianças em idade escolar, em todo o mundo, estão privadas da oportunidade de concluírem os estudos secundários, em grande parte devido a motivos de ordem económica. Esse défice, que ameaça os futuros dessas crianças e das suas sociedades, pode ser agora colmatado a um baixo custo. Um Fundo Global para a Educação, de par com um esforço voluntário mundial de ligação das crianças de todo o mundo, dá-nos a oportunidade de um progresso revolucionário que não era sequer realista há poucos anos.

As iniciativas deste tipo constituem mais um forte exemplo de uma verdade elementar dos nossos tempos: a pobreza extrema o analfabetismo e a morte devido a doenças que se podem prevenir são flagelos anacrónicos quando dispomos das tecnologias e da vontade global para acabar com isso.