Eduarda Ferreira, in Jornal de Notícias
A sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, sobretudo nos hospitais, tem "contornos preocupantes", que a crise acentua. E a reforma nos cuidados primários deve receber "correcção urgente", alerta o Observatório Português dos Sistemas de Saúde.
Um mar revolto e sombrio com dois barcos frágeis. Num deles, agrupam-se quase-náufragos, tentando ajudar outros em pior situação. Foi este o quadro escolhido pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde como capa do seu Relatório de Primavera.
O documento, hoje, quarta-feira, divulgado e a que o JN teve acesso, adverte para um cenário “muito próximo” de contenção do gasto público nos recursos para a saúde, sobretudo nos hospitais. Efeito previsível da crise, e que se agravará, escreve o conjunto de peritos que analisou os dados e a evolução do SNS no passado ano. Mas as culpas poderão não ser assacadas só à crise: ou há correcção urgente do rumo na reforma dos cuidados de saúde primários ou “a marca SNS de qualidade e proximidade” desaparecerá.
Os autores do relatório, que tem como coordenadores Pedro Lopes Ferreira, Constantino Sakellarides e Ana Escoval, são peremptórios: se na implantação e desenvolvimento das unidades de saúde familiar (USF) e dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) prevalecer a lógica “habitual” de inércia, “poderá dizer-se que a reforma dos cuidados de saúde primários, no que tem de mais distintivo, terá terminado e cada um terá de assumir as suas responsabilidades por isso”. No caso dos agrupamentos, “a rede precisa de ser mais participada”.
O documento reconhece que a reforma da saúde “é dos mais importantes processos a decorrer no país e, se for bem sucedida, resultará em grandes benefícios para a saúde e bem-estar dos portugueses”. Para tanto, as USF devem expandir a sua implantação no terreno, deve ser revista a articulação com os hospitais e devem ser introduzidos ajustamentos da rede, para contemplar as regiões do Interior do país.
Esta nota de esperança surge quase isolada na descrição do panorama do SNS, cuja sustentabilidade de financiamento “assume já hoje contornos preocupantes”, sobretudo nos hospitais, e com tendência para o agravamento. Na base, a situação económica e financeira do país.
As contas dos hospitais públicos (sobretudo no sector empresarializado) são de dívida com valor crescente, constata o relatório, cujos autores se queixam da falta de acessibilidade a dados claros.
A necessidade de equipamentos mais evoluídos e o custo dos medicamentos avolumam essa dívida que, com a manutenção dos níveis de procura por parte dos utentes, “colocam sérios problemas ao normal desenvolvimento das actividades dos hospitais”. Qualquer reorganização neste nível dos cuidados de saúde, aconselha o observatório, deve equacionar o que será mais indicados – abertura de novas unidades, encerramentos ou integração. E o controlo da despesa deve encontrar mecanismos que também tenham em conta a qualidade dos cuidados prestados.
No alerta que deixa sobre a sustentabilidade, o relatório chama também a atenção para eventuais efeitos da recente directiva sobre cuidados de saúde transfronteiriços na União Europeia: a sutentabilidade dos sistemas dos vários países pode estar a deslocar-se, por esta via, para fora dos espaços nacionais.
Na análise feita sobre o ano de 2009, o foco foi dirigido às condições de acesso aos cuidados de saúde e à qualidade e segurança destes.
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde é formado por uma rede universitária de investigadores com diversas especializações.