14.6.13

No meio da escala social e da tempestade: a classe média

por Fernanda Câncio, in Diário de Notícias

No meio da escala social e da tempestade: a classe média
"Isso ainda há?" "Isso corresponde a um IRS de quanto?" "Como sei se sou?" "Rápido, depois só no zoo." Estas foram algumas das respostas mais típicas, no Twitter, a um pedido de testemunhos de pessoas que, considerando ser de classe média, estivessem disponíveis para explicar porquê. Um professor, um auditor, uma desempregada mestranda, um gestor e um assessor de imprensa


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"Pobre não sou e rico não me considero, como tal devo ser de classe média." Pedro Antunes, 37 anos, professor licenciado em Biologia, 1300 euros brutos e a viver em Setúbal, vai lá assim. "Acho que a classe média se define, economicamente, acima da definição de pobreza e que consegue de quando em vez adquirir bens ou "coisas" que não visam apenas suprir as necessidades básicas. Uma classe que se permite ter acesso a bens culturais, a férias fora de casa, a restaurantes... Pessoas que além de terem capacidade de comer e vestir e ter um teto, conseguem também outras coisas sem alcançarem ritmos de consumo a que podemos chamar exagerados, da classe alta."

Considera que "um casal, com filhos, que consiga auferir limpos 5000 euros" não será classe média, por poderem ter acesso aos tais "consumos exagerados". Miguel Gonçalves ("Não o de bater o punho", ironiza) concorda. 34 anos, licenciado em Economia, dois filhos (quatro e dois anos), gestor de projetos, 2000 euros mensais, acha que "um casal que ganhe 3500 euros deve ser considerado de classe média (apesar de em Portugal se catalogar logo como "rico"), sendo diferente ganhá-los nas áreas metropolitanas ou no interior, pois os custos são muito díspares. Classe baixa serão todos os que auferem menos de 800 euros. Já classe alta - não necessariamente rica - considero um per capita acima de 2500 euros/mês".

As definições de classe média estão longe de ser consensuais, criando debates acalorados entre os que defendem uma classificação qualitativa - baseada na formação, no estilo de vida e de consumo - e os que consideram que deve ser quantitativa, a partir dos rendimentos. Certo é que não se chega lá fazendo a média salarial: em Portugal, tal pressuporia que pertenceriam a essa "classe" todos os que ganhassem cerca de 800 euros líquidos. E como frisa o sociólogo Elísio Estanque, autor de A Classe Média: Ascensão e Declínio (2012), "a classe média é material e objetiva mas também muito subjetiva - as pessoas já se imaginam dela membros quando estão ainda a viver em condições típicas da classe trabalhadora". Por outro lado, diz, "a classe média sempre viveu um pouco na fantasia de facilidade, mas sem conseguir consolidar-se do ponto de vista económico e até em termos de estatuto porque vivia muito à sombra do Estado social". E fala da "ameaça de empobrecimento repentino" e da armadilha do crédito fácil que atinge a classe do meio, enquanto o economista Carlos Farinha Rodrigues identifica "as famílias sanduíche, que estavam acima do limiar de pobreza mas por causa do crédito à habitação tinham menos rendimento disponível do que as pobres".

Miguel Pedro Araújo, 47 anos, curso de Comunicação, assessor de imprensa a viver em Aveiro, revê-se nesse empobrecimento. Até 2011 ganhava - juntamente com a mulher, administrativa com quem tem uma filha de 12 anos - 2400 euros. "Davam para as despesas correntes, empréstimo da casa, cultura, livros (sou viciado), alguns mimos à filhota, jantares de amigos cá em casa ou fora. Os subsídios davam para férias lá fora, prendas, IMI, seguro do carro, uma ou outra aquisição doméstica e ainda alguma poupança anual a prazo, 500 ou 1000 euros. Os 2400 passaram, com os cortes, a 1900 euros. Os preços aumentaram, as despesas correntes também. Dificilmente chegamos à véspera do salário seguinte com um saldo acima de 50 euros."

O gráfico nesta página considera classe média "o conjunto de população com profissões associadas a quadros superiores e dirigentes e profissões intelectuais e científicas", em relação à qual se verificou, entre 1992 e 2010, ligeira diminuição (em contraciclo com a generalidade da Europa), de 18% para 16%, com redução dos quadros dirigentes e aumento nas profissões intelectuais e científicas assim como da proporção das mulheres (de 45% para 48% entre 2000 e 2010) e dos jovens (entre 1986 e 2009 a idade média desce de 44 para 42). Reduz-se, e muito, a vantagem remuneratória da classe em relação ao salário médio nacional: em 1986 era o triplo, em 2009 o dobro.

Quem dera ainda assim à portuense Mariana Ferreira, 24 anos, licenciada em Economia, desempregada e a fazer um mestrado. "Considero-me classe média porque a minha família (da qual não me posso dissociar, vivendo em casa dos meus pais) nunca teve problemas de dinheiro ao ponto de ficarmos sem casa ou sem dinheiro para comer, ou sequer sem dinheiro para fazer coisas do dia a dia. Mas por exemplo só fizemos férias no estrangeiro duas vezes e qualquer compra maior tem de ser às prestações." Nuno Santos, 40 anos, auditor, a viver em Coimbra, com 34 mil euros brutos anuais, também se classifica como classe média, mas "baixa". "Mas se perder o emprego é possível descer de classe, pois as poupanças existentes e a estrutura familiar não conseguiam suportar os custos." Mesmo se acha improvável perdê-lo nos próximos 10 anos, vê o horizonte com desalento: "Neste País desvairado, o futuro a curto e médio prazo é sombrio, daí a retração no consumo, falta uma mensagem de esperança e ações lógicas por parte dos políticos." Mariana vai mais longe: "Penso que o que vai acontecer à classe média é talvez uma mudança de definição: vai passar a aplicar-se, neste País, a qualquer pessoa que não passe fome."