Por António Ribeiro Ferreira, in iOnline
Durão Barroso fez ontem em Estrasburgo mais um discurso sobre o Estado da União. Talvez o último como presidente da Comissão Europeia
"Estamos a ganhar esta batalha." Foi assim, qual general a falar às suas tropas, que o presidente da Comissão Europeia abriu ontem o discurso do Estado da União Europeia, uma invenção do próprio que muitos não só consideram inútil como uma imitação barata do celebrado discurso presidencial do Estado da União dos Estados Unidos. Durão Barroso, que provavelmente está a um ano de abandonar a presidência da Comissão Europeia, teve o cuidado de frisar que os sinais de recuperação ainda são frágeis e que os governos da União Europeia devem concentrar-se no gravíssimo problema do desemprego, uma chaga política, económica e social intolerável
Com mais de 26 milhões de desempregados, a União Europeia é apontada em todos os fóruns mundiais como a ovelha negra em termos económicos. Com um crescimento anémico, Europa atrasa o crescimento mundial. Com um estado social pouco ajustado à necessidade de disciplina orçamental e à redução das dívidas públicas, a União Europeia tarda em avançar com reformas profundas, não só nos Estados-membros como na monstruosa teia burocrática de Bruxelas.
Mais que o Plano Marshall Mas Barroso, num discurso em que pôs alguns dedos nas feridas, não resistiu à tentação de tentar tapar o Sol com a peneira: "Muitos dos nossos cidadãos pensam que estamos a perder terreno a nível mundial, mas nós aumentámos o nosso excedente, mais 300 mil milhões de euros por ano", referiu Barroso, acrescentando que "um ano do orçamento europeu é maior do que todo o Plano Marshall". Na mesma linha optimista, Durão Barroso afirmou ontem aos eurodeputados em Estrasburgo que a situação está muitíssimo melhor e deu um exemplo: "Na última reunião do G20 ninguém deu conselhos à União Europeia sobre os caminhos a seguir para sairmos da crise." Fraco consolo para uma Europa em crise e com sérias dificuldades de encontrar uma nova forma de estar no mundo.
O novo normal Durão Barroso também soube ser realista quando reconheceu que é preciso mudar muitas coisa, não diz é o quê: "As pessoas pensam que depois tudo voltará ao que estava, mas estão erradas, não vamos voltar à vida normal e anterior, temos de criar uma espécie de novo normal." Mas o novo normal, na opinião do presidente da Comissão Europeia, não pode ser uma União Europeia com um economia baseada no desemprego: "Não podemos permitir uma recuperação sem postos de trabalho." E para que haja investimento e emprego é preciso crédito a chegar a todas as economias da União Europeia, algo que ainda não acontece: "O crédito ainda não está a chegar a toda a zona euro, apesar de tudo o que fizemos, e isso tem de acontecer, temos de alcançar o crescimento necessário para resolver o problema mais grave dos nossos dias, o desemprego, que chegou a um nível insustentável do ponto de vista económico e inaceitável do ponto de vista social."
A desejada União Bancária Chegados a este ponto do discurso de 45 minutos, o presidente da Comissão Europeia apelou à criação urgente da união bancária, que avança a passos de tartaruga, com a Alemanha e os seus aliados a porem travões a quatro rodas num projecto que só terá pés para andar quando a banca europeia limpar todos os seus armários dos muitos esqueletos que resultaram de anos de dinheiro fácil e barato.
A um ano das eleições europeias, Barroso não tem dúvidas de que os governos e os políticos que avançam com reformas difíceis e penosas para as populações podem ser punidos pelo eleitorado, atraído pelos populistas e pelos que não acreditam no projecto europeu. Mesmo correndo riscos eleitorais, Durão Barroso não tem dúvidas: sem essas reformas, sem o novo normal, a União Europeia tem os dias contados.