26.9.13

João Salgueiro. “Pedir flexibilização do défice é cometer suicídio”

Por Sérgio Soares, in iOnline

O economista considera que uma parte dos problemas que o país actualmente enfrenta se deve-se ao facto de o resgate internacional ter sido mal negociado

O economista e ex-ministro das Finanças João Salgueiro disse que “estamos a cometer suicídio” quando pedimos aos nossos parceiros internacionais a flexibilização do défice, o que considerou “uma coisa vergonhosa”.

“Nós queremos licença para continuar a aumentar a dívida?”, interrogou-se ontem, em Lisboa, durante uma palestra promovida pela SOFID .

João Salgueiro disse que “negociamos o resgate em situação de necessidade”, considerando que isso “foi muito mau” porque o país devia ter negociado com tempo, como fez nos dois anteriores resgates com o Fundo Monetário Internacional e que “correram muito bem”.

“Em Maio de 2011, o modelo de políticas económicas que estava a ser seguido teve uma certidão de óbito e esgotou-se”, disse, sublinhando que “devíamos ter inflectido antes, mas deixamos o modelo ir até à morte quando já não havia dinheiro para pagar as importações de cereais e de outros bens de primeira necessidade e em vésperas de uma rotura de pagamentos.

Por outro lado, João Salgueiro considera que uma parte dos problemas que o país actualmente enfrenta se deve-se ao facto de o resgate internacional ter sido mal negociado.

“Ninguém é culpado de não saber. O problema é quando as pessoas não sabem que não sabem”, afirmou, referindo-se à ignorância dos decisores.

Um dos erros que apontou foi ter-se aceite na negociação do Memorando de Entendimento que as empresas públicas são empresas que podem ir ao mercado financiar-se. “O que aconteceu depois, explicou, é que como os bancos estão envolvidos no financiamento dessas empresas públicas, tiveram de cortar o crédito às empresas produtivas e exportadores, o que foi dramático”.

O economista considera que para se manter vivo o sector do Estado deficitário foi-se cortar o crédito para o funcionamento e expansão do sector produtivo. “Nós não soubemos negociar, mas os irlandeses fizeram finca-pé para manterem as taxas que entendiam para o IRC. Não era só para atrair capitais, foi para mostrar que a prioridade que dão ao investimento e as condições que oferecem é palavra de honra”.

Para o antigo ministro das finanças do governo de Pinto Balsemão, o país partilha dos equívocos de algumas pessoas que, quando estão em dificuldades financeiras, vão ao banco dizer que estão em grande aflição e que precisam de dinheiro, e que naturalmente nenhum banco lhes concede crédito nessas circunstâncias.

“Nós andamos a dizer à opinião pública mundial que temos dificuldades e que, portanto, não podemos cumprir as metas de equilíbrio financeiro”, afirmou. “Na prática, não há nenhuma razão para estarmos a pagar as taxas de juro que pagamos, mas os mercados acreditam no que dizemos: estamos em grandes dificuldades e não sabemos como havemos sair disto”.

Para o economista, a consequência é ter juros mais caros e até a eventualidade de uma rotura e de vir a ser necessário um segundo resgate financeiro.

“A banca só reestrutura um crédito a uma empresa quando está convencido que ela vai sobreviver”, disse, estabelecendo uma analogia entre a situação de insolvência de um particular e a do país face aos seus credores.

“A única maneira de negociar é quando já somos viáveis”, sublinhou, chamando a atenção para o facto de após a realização das eleições alemãs, Portugal ter passado a ser considerado “o problema número um” europeu. “Passámos de uma situação para o outro extremo. Estávamos próximos da saída do programa de ajustamento, sem comparação com a Grécia, e agora de repente somos o problema número um europeu”, acrescentou.

Segundo o economista, desde 1978, durante o governo de Mota Pinto, que se anda a dizer o que é preciso fazer.

Mota Pinto “disse que era preciso fazer reformas estruturais e até as enumerou: pôr a justiça a funcionar, aliviar a carga fiscal, criar um novo enquadramento da legislação laboral, e combater a burocracia, entre outras medidas. Em suma, tudo o que continua a ser necessário hoje. Os governos dizem que tem se se avançar nesse caminho para tornar o país competitivo mas depois não o fazem”, acusou.

“Se queremos sair deste buraco temos de fazer o que é preciso fazer e rapidamente, e o que se deve saber é qual é o ajustamento necessário e qual a melhor maneira e menos traumática de o fazer”, sublinhando que “há muita coisa que se pode fazer sem grande traumatismo e sem grande despesa”.

“Extinguir alguns serviços é traumático para quem perde o emprego mas para o resto do país é um alívio”, declarou.

Para o antigo governante, os portugueses protestam contra os efeitos da austeridade, mas não protestam contra as causas da austeridade, aludindo à falta de rigor na gestão dos recursos públicos e aos problemas que impedem a competitividade da economia.

“Quando empresas públicas foram pôr as suas sedes na Holanda deram um sinal ao exterior. Então porque não ficam em Portugal? Isto não nos fez pensar?” , sublinhou.

“Assistimos à deslocalização do dinheiro que estava no Centro Internacional de Negócios da Madeira, cerca de 60 mil milhões de euros, sem pestanejar”, afirmou. “Tínhamos ali aquele dinheiro gerido por portugueses e agora ele foi distribuído por outros offshores e por bancos estrangeiros”.

“Tudo somado é um grande desmazelo”, acrescentou, sublinhando que devíamos olhar para o que alguns países como a Coreia do Sul, onde se morria literalmente de fome, Taiwan ou Singapura fizeram, e que conseguiram obter credibilidade e ultrapassar as suas dificuldades.