Por Catarina Falcão, in iOnline
Após o sim às quotas, governo suíço pretende iniciar negociações com a União Europeia. Portugal vê a situação "com preocupação"
A aprovação em referendo, na Suíça, de quotas para imigrantes oriundos da União Europeia (UE) está a causar desconforto entre os 28 estados-membros e no seio das instituições europeias. O governo suíço vai agora iniciar um périplo pelas capitais europeias para explicar aos executivos as implicações das restrições a aplicar e tentar chegar a novo acordo sobre a manutenção do acordo bilateral sobre a livre circulação de trabalhadores na UE. A primeira paragem é em Berlim e Schäuble, ministro das Finanças alemão, já veio dizer que o resultado do referendo "vai criar muitos problemas à Suíça". Portugal assegura que vai seguir as negociações "atentamente".
Os suíços votaram favoravelmente no domingo para "Parar a imigração em massa" - nome da petição posta a circular pelo Partido do Povo Suíço, que, como conseguiu mais de 100 mil assinaturas, é elegível para ser votada em referendo segundo a lei do país. Embora a margem do "sim" tenha sido relativamente curta (50,3%), o governo suíço vai ter de rever o actual acordo com a União Europeia sobre a livre circulação dos cidadãos entre os vários países. A Comissão Europeia já se pronunciou dizendo que terá de "examinar as implicações" desta decisão e muitos políticos europeus mostraram descontentamento com este resultado.
Os bancos suíços prevêem já que esta alteração ao acordo pode abrandar o investimento no país, com o Crédit Suisse a antever a perda de 80 mil postos de trabalho com as novas restrições à imigração.
Indissociável "As quatro liberdades fundamentais - a livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços - não se podem separar. O mercado único não é um queijo suíço. Não se pode ter um mercado único com buracos", disse Viviane Reding, comissária europeia da Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania. A opinião é partilhada por Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, que aponta que a imigração é parte dos acordos com a União Europeia, que terão agora de ser discutidos com a Suíça.
O executivo suíço vai agora reunir-se com os principais governos dos 28 estados-membros para discutir possíveis alterações, começando por Berlim - os alemães são a segunda maior comunidade imigrante na Suíça. Rui Machete, ministro dos Negócios Estrangeiros, já veio dizer que pretende seguir "atentamente" as negociações e "participar nessa discussão", consultando a comunidade lusa no país. Há mais de 237 mil portugueses na Suíça, a terceira maior comunidade de imigrantes no país.
Para Carlos Coelho, eurodeputado do PSD, esta situação é "infeliz". "A Suíça cedeu a pressões populistas e demagógicas, que infelizmente se têm vindo a espalhar pela Europa, assistindo-se a um crescimento de sentimentos anti-imigração. É para mim claro que essa decisão põe em causa o acordo bilateral, assinado em 1999, com a União Europeia, que permitiu que desde 2002 exista liberdade de circulação entre a Suíça e a União Europeia. A participação no mercado único não permite uma escolha à la carte", sublinhou em comunicado o social-democrata.
Falta de espaço A iniciativa, encabeçada pelo Partido do Povo Suíço, populista e eurocéptico, visa travar a entrada de cidadãos da União Europeia no país - que em 2013 terá recebido cerca de 80 mil novos imigrantes oriundos dos 28 estados-membros. Foi nas zonas rurais e do Interior que o "sim" teve mais força, enquanto cidades como Zurique, Basileia e Genebra se opuseram à iniciativa. Os cantões - divisões administrativas da Suíça - mais próximos da Alemanha, da Áustria e de Itália foram os mais favoráveis a esta alteração na livre circulação de pessoas, enquanto os mais próximos de França se opuseram à iniciativa (ver mapa ao lado).
A maior comunidade imigrante continua a ser a italiana, com 291 mil pessoas, seguida pela alemã e pela portuguesa. 23% da população suíça são imigrantes, maioritariamente oriundos da UE. Nos últimos anos, devido à crise, muitos europeus têm optado pela Suíça para viver e trabalhar, o que aumentou exponencialmente o número de imigrantes no país. Por exemplo, os alemães trabalham maioritariamente no sector das novas tecnologias, informática, saúde e engenharias.
O Partido do Povo Suíço alegou a falta de espaço no país e a escassez de empregos para pôr a imigração dos países da UE a votação geral. Com a vitória do "sim", outros partidos conotados com a extrema-direita, como a Frente Nacional em França ou o UKIP no Reino Unido - que já vieram saudar a iniciativa, sublinhando a "lucidez" do povo suíço nesta matéria -, ganham alento nas campanhas anti-Europa e anti-imigração.
A questão é sensível no seio da União, especialmente antes das eleições europeias, e pode levar os políticos europeus a tratar esta questão com alguma prudência, moderando o discurso contra a iniciativa dos Suíços.