2.9.14

O ambiente da pobreza

por Bjørn Lomborg | © Project Syndicate, 2008 www.project-syndicate.org, in Negócios on-line

Apesar do aumento da esperança de vida e do acesso à educação e da diminuição das taxas de pobreza e de fome, o mundo tem ainda um longo caminho a percorrer para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Cerca de mil milhões de pessoas continuam a ir para a cama com fome, 1,2 mil milhões vivem em pobreza extrema, 2,6 mil milhões não tem acesso a água potável e saneamento e quase três mil milhões queimam materiais perigosos dentro das suas casas para se manterem quentes.

Todos os anos, 10 milhões de pessoas morrem de doenças infecciosas como a malária, o VIH, a tuberculose, pneumonia ou diarreia. Estima-se que a falta de água e saneamento provoque, pelo menos, 300 mil mortes todos os anos. A má nutrição provoca a morte a 1,4 milhões de crianças.

A pobreza é um dos principais assassinos. É devido à pobreza que as crianças não recebem nutrição adequada e vivem em bairros sem água potável e saneamento inadequado. É também devido à pobreza que doenças evitáveis como a malária matam 600 mil pessoas todos os anos. A maior parte são tão pobres que não têm dinheiro para comprar medicamentos e redes mosquiteiras. Ao mesmo tempo, os governos são tão pobres que não têm meios para erradicar os mosquitos que transportam a doença ou para conter e tratar os surtos quando eles ocorrem.

Mas alguns dos problemas mais letais são ambientais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de sete milhões de mortes por ano são provocadas pela poluição do ar, na sua maioria resultado da queima de ramos e estrume dentro das casas. Estima-se que a utilização de chumbo na produção de tintas e gasolina provoca a morte de 700 mil pessoas todos os anos. A poluição provocada pelo ozono ao nível do solo mata 150 mil pessoas todos os anos, enquanto o aquecimento global 141 mil. O radónio radioactivo (gás gerado naturalmente) que se acumula dentro das casas mata cerca de 100 mil pessoas todos os anos.

Neste caso, a pobreza também tem um papel desproporcionado. Ninguém acende uma fogueira dentro de casa todas as noites por diversão; fazem-no porque lhes falta a electricidade necessária para aquecer as casas ou cozinhar. Se é verdade que a poluição do ar exterior é, em parte, causada por uma industrialização incipiente, esta representa um "tradeoff" temporário para os mais pobres – escapar à fome, às doenças e à poluição do ar interior para ter melhores condições para aceder a uma melhor alimentação, cuidados de saúde e educação.

À medida que os países vão enriquecendo, podem adquirir tecnologias mais limpas e aplicar legislação ambiental para reduzir a poluição do ar exterior, como está a acontecer na Cidade do México e em Santiago, Chile.

Um dos melhores instrumentos para combater a pobreza é o comércio. Nas últimas três décadas, a China conseguiu tirar 680 milhões de pessoas da pobreza através de uma estratégia de rápida integração na economia global. Ampliar o comércio livre, em especial na agricultura, nos países em desenvolvimento, é, possivelmente, a mais importante medida de combate à pobreza que os políticos podem implementar esta década.

Mas é também encorajador que o mundo esteja a gastar mais dinheiro para ajudar os países mais pobres: a ajuda ao desenvolvimento quase duplicou em termos reais nos últimos 15 anos, reforçando os recursos para ajudar as pessoas que sofrem de malária, VIH, má-nutrição e diarreia.

E, apesar dos dados serem um pouco inconsistentes, é claro que o mundo está a gastar mais dinheiro com o ambiente. A ajuda para os projectos ambientais aumentou de 5% da ajuda bilateral em 1980 para 30% actualmente, o que representa um valor anual de 25 mil milhões de dólares (18,9 mil milhões de euros).

Estas notícias parecem óptimas. O mundo pode centrar cada vez mais a sua ajuda nos principais problemas ambientais (poluição do ar interior e exterior, poluição do ozono e a provocada pelo chumbo) que provocam a maioria das mortes relacionadas com o ambiente. Infelizmente, não é isso que está a acontecer. A maioria da ajuda ambiental – cerca de 21,5 mil milhões de dólares (16,2 mil milhões de euros), de acordo com a OCDE, está a ser gasta nas alterações climáticas.

Não há dúvidas de que o aquecimento global é um problema que devemos enfrentar de forma inteligente (apesar de o nosso historial, até ao momento, não ser muito encorajador). Mas fazê-lo exige energias alternativas mais baratas, em especial nos países desenvolvidos, e não gastar dinheiro para reduzir as emissões de dióxido de carbono nos países em desenvolvimento.

De facto, há algo de fundamentalmente imoral na forma como definimos as nossas prioridades.

A OCDE estima que o mundo gasta, pelo menos, 11 mil milhões de dólares (8,33 mil milhões de euros) do total da ajuda ao desenvolvimento para reduzir as emissões de CO2. A maior parte deste dinheiro é gasto em energias renováveis, como a energia eólica, hidroeléctrica e solar. O Japão concedeu, recentemente, 300 milhões de dólares (227,3 milhões de euros) da sua ajuda ao desenvolvimento para subsidiar a energia solar e eólica na Índia.

Se a totalidade dos 11 mil milhões de dólares fosse gasta em energia solar e eólica na mesma proporção que o gasto global actual, as emissões de CO2 cairiam em 50 milhões de toneladas por ano. De acordo com um modelo climático padrão, esta redução provocaria uma queda da temperatura tão insignificante – cerca de 0,00002ºC no ano 2010 – que seria o equivalente a adiar o aquecimento global em sete horas no final deste século.

Os activistas podem argumentar que os painéis solares e as turbinas eólicas permitem produzir electricidade – apesar de ser de forma intermitente – para 22 milhões de pessoas. Mas se esse dinheiro fosse usado para a geração de electricidade a gás, conseguiríamos tirar quase 100 milhões de pessoas da escuridão e da pobreza.

Além disso, estes 11 mil milhões de dólares podiam ser usados para resolver questões ainda mais urgentes. Cálculos realizados pelo Copenhagen Consensus mostram que este dinheiro podia salvar, todos os anos, três milhões de vidas, se fosse aplicado na prevenção da malária e da tuberculose e a aumentar a vacinação infantil.

Podia também ser usado para aumentar a produtividade agrícola, salvando, no longo prazo, 200 milhões de pessoas da fome e mitigando os efeitos dos desastres naturais através de sistemas de alerta. Ainda sobraria dinheiro para ajudar a desenvolver uma vacina contra o VIH, distribuir medicamentos para prevenir ataques de coração, fornecer uma vacina contra a hepatite B nos países em desenvolvimento e evitar que 31 milhões de crianças morram de fome todos os anos.

Será que é melhor adiar o aquecimento global sete horas? Mesmo que continuemos a gastar 11 mil milhões de dólares para evitar o aumento das emissões de CO2, durante 100 anos, conseguiríamos adiar o aquecimento global em menos de um mês no final do século – uma conquista sem impacto prático para ninguém no planeta.

Porque motivo o mundo decide, de forma consciente, ajudar de forma tão ineficiente? Será porque a ajuda ambiental não tem tanto a ver com ajudar o mundo, mas sim em fazer sentir-nos bem connosco?

Bjørn Lomborg, professor adjunto na Copenhagen Business School, fundou e preside ao Centro de Consenso de Copenhaga. É autor dos livros "The Skeptical Environmentalist" e "Cool It", e editor de "How Much have Global Problems Cost the World?"

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Ana Luísa Marques