1.9.14

Pedro Lomba: “Os novos portugueses, descendentes de comunidades de imigrantes, precisam de uma nova atenção”

Andreia Sanches, in Público on-line

“Um mentor é a alternativa a um burocrata.” É isto que é suposto ser um mentor no programa que Pedro Lomba vai lançar em Setembro, com o objectivo de apoiar a integração de estrangeiros. Os próximos a ser abrangidos serão os portugueses filhos e netos de imigrantes.

Mentores voluntários para imigrantes — é a essência de um programa que vai ser lançado em Setembro, “um tipo de resposta social completamente nova”, diz o secretário de Estado Pedro Lomba. Para já, os destinatários são estrangeiros e os voluntários, essencialmente quadros de empresas que põem as suas competências ao serviço de quem precisa delas. Mas as características da iniciativa, admite, poderão também adaptar-se a outro grupo-alvo, que lhe suscita especial preocupação: os filhos e netos de imigrantes, nascidos em Portugal e com nacionalidade portuguesa, que estão a entrar na idade adulta e não estudam nem trabalham.

Sobre os confrontos dos últimos dias, envolvendo jovens, que têm feito as páginas dos jornais, o secretário de Estado adjunto do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional diz apenas que se deve lidar com o assunto com inteligência e um “baixíssimo nível de politização”. Porque “são assuntos muito sérios”. Entende que é o que tem feito. E avança uma informação: “o edifício normativo em que está baseada a luta contra a discriminação racial” vai ser revisto. Os detalhes ficam para mais tarde.

O que é o novo Programa Mentores para Imigrantes que vão lançar?
Há mentores no mundo empresarial e no mundo académico. O que é inédito é usar este tipo de ferramenta enquanto medida de política social, em particular na área de integração de estrangeiros que vêm para Portugal. É um tipo de resposta social completamente novo, que apela a um conjunto de virtudes sociais que vão muito além daquilo a que muitas vezes chamamos "política social tradicional".

Quando cheguei e assumi funções nesta área, interessei-me imediatamente pelo projecto-piloto que estava em curso [que envolveu 19 empresas e 124 imigrantes, dos quais 31 foram integrados em projectos de mentoria]. A partir de Setembro o que se vai fazer é alargar à sociedade civil no seu conjunto, generalizar a nível nacional mas também a um conjunto de instituições que vão para além das empresas. Já temos mais de 100 respostas positivas. E vamos fazer os protocolos a partir de Setembro.

Queremos aumentar a integração de estrangeiros em Portugal, pensado nas suas qualificações, nas suas capacidades empreendedoras, mas pensado também nos portugueses, na sua capacidade e abertura para acolher estrangeiros. E no conhecimento mútuo. É significativo que uma das áreas mais trabalhadas no projecto-piloto tenha sido o empreendedorismo — precisamente porque da relação entre mentores e mentorados podem surgir hipóteses de iniciativas, associando os esforços portugueses e estrangeiros. Estes princípios valem para outras áreas que nos preocupam bastante.

Quais?
Uma das preocupações que tenho tido é focar as políticas de integração que têm vindo a ser desenvolvidas — ou pelo menos dar uma nova atenção — aos descendentes da imigração. Estamos a falar de muitos jovens que têm uma biografia migratória — os avós são imigrantes, mas eles são portugueses, nasceram em Portugal. É perfeitamente possível usar este tipo de métodos, de ferramentas, de medidas, para promover a inclusão e a aprendizagem deste jovens que estão no início da idade adulta e que, muitos deles, ou não estudam, ou não trabalham, ou não fazem nenhuma das coisas.

Como é que tem visto os confrontos que têm sido noticiados nos últimos dias? O meet de jovens no Parque das Nações, os confrontos em Cascais...
Os acontecimentos de Cascais não têm absolutamente nada ver com o que se passou no Vasco da Gama, segundo as informações que tenho.

O que posso dizer é que temos vários projectos no âmbito do Programa Escolhas nos bairros de onde são oriundos os jovens que se encontraram no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, e esses projectos têm vindo a fazer um trabalho de pacificação, de mediação, de educação, de integração e aquilo que estávamos a discutir agora sobre o alargamento do Programa Mentores para este tipo de situações tem tudo exactamente a ver com isto.

De resto, eu acho que temos de manter aqui um baixíssimo nível de politização neste tipo de assuntos, porque são assuntos muito sérios, que precisam de tacto e acho que o dever de um governante é acompanhá-los da maneira que eu tenho vindo a acompanhar...

Com discrição, é isso?
Com discrição e inteligência nos comentários e com um grande esclarecimento e conhecimento do terreno: eu já visitei, diria, uma grande parte dos projectos do Escolhas, desde o início, desde que iniciei funções. O Programa Escolhas é um programa notabilíssimo que tem tido grandes resultados. E o trabalho tem de continuar.

O que posso dizer ainda é que estamos a rever o edifício normativo em que está baseada a luta contra a discriminação racial. A minha intenção é rever algumas matérias desse edifício, desse enquadramento jurídico e normativo. Estou a trabalhar nisso.

Pode concretizar?
Para já, vou apenas dizer que estamos a pensar em reforçar a eficácia dos instrumentos jurídicos de que dispomos e também em rever o funcionamento da actual comissão contra a discriminação racial que tem vindo a funcionar junto do Alto Comissariado [para as Migrações — trata-se de uma comissão independente, que reúne de três em três meses e tem entre as suas missões a de emitir parecer relativo às sanções a aplicar pelo Alto-Comissário no âmbito dos processos de contra-ordenação instaurados pela prática de actos discriminatórios]. Pretendo fazer aí algumas alterações no seu funcionamento e na sua composição, tendo em vista uma maior eficácia.

Os novos portugueses, que são todas estas pessoas que são descendentes de comunidades imigrantes em Portugal, precisam hoje e nos próximos anos de uma nova atenção, precisam que os recursos que utilizamos nas políticas de integração, mas também nas políticas anti-discriminação, pensem também nas suas dificuldades.

O programa de mentorado é um novo programa social — porque um mentor para o imigrante é a alternativa a um burocrata. Em vez de o imigrante encontrar um burocrático Estado ao qual vai pedir informação, tem um mentor, que é uma pessoa integrada na sociedade, que vai trabalhar com ele, que vai estabelecer com ele outro tipo de relacionamento. É necessário que os novos portugueses encontrem o mesmo tipo de abertura, o mesmo tipo de interacção positiva.

Vão criar mentores para jovens filhos de imigrantes, é esse o passo?
No plano estratégico para a imigração que contamos fechar nos próximos meses (e este programa de mentores que vai ser lançado já é uma das medidas), identificámos o reforço do combate à discriminação e pensámos muito nos descendentes. Se a discriminação contra estrangeiros é completamente ilegítima, a discriminação de cidadãos nacionais é, por maioria de razão, ainda mais incompreensível, e essa atenção, essa nova atenção, passa por olhar para programas como este Programa Mentores e perceber até que ponto podemos expandi-lo.