19.10.20

Estão a chegar aos centros de apoio para sem-abrigo pessoas que em Março tinham casa e trabalho

Ana Dias Cordeiro, in Público on-line

Com a crise dos últimos meses, o perfil de quem pede ajuda foi mudando. Não é só quem vive na rua, mas quem até há pouco tempo tinha casa e emprego. Este sábado assinala-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza.

Em Lisboa e no Porto estão a chegar aos centros de apoio para os sem-abrigo pessoas que no início da pandemia não estavam desempregadas. Agora, sem trabalho, procuram ajuda alimentar ou apoio para as rendas porque deixaram de as poder pagar. Também há quem procure ambas as coisas ou vá em busca de um alojamento, mesmo que temporário.

Sandra Arouca diz que as pessoas que se dirigem ao centro de atendimento e acompanhamento da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que coordena, eram até Março pessoas que buscavam algum tipo de apoio, para complementar os recursos que tinham.

Agora, essas mesmas pessoas estão referenciadas como não tendo casa. “Tinham uma morada fixa e vinham por outros motivos. Há um mês não estavam e agora estão referenciados na base de dados dos sem-abrigo”, explica.

Entre elas, há muitos portugueses mas também estrangeiros, explica. Trabalhadores de cafés ou restaurantes que entretanto fecharam. E tornaram-se sem-abrigo? “Não deixamos que isto aconteça. O objectivo é não passarem para a situação de sem-abrigo. Temos que dar apoio para a renda, e a situação vai agravar-se com o fim das moratórias e o acumular de todas as despesas para pagar”, antevê Sandra Arouca. “Isso preocupa-nos.”

Até agora, continua a responsável, tem sido possível apoiar quem precisa. “Temos feito propostas à Segurança Social e a resposta tem sido favorável. São apoios monetários para os quais a Segurança Social não nos tem posto limite”, conclui.

Mais pessoas a pedirem ajuda alimentar não se traduz em mais pessoas a dormir na rua porque muitas destas estão agora alojadas nos pavilhões e outros centros de alojamento organizados por autarquias, para responder aos problemas que poderiam surgir com a pandemia entre esta população, como os quatro Centros de Acolhimento de Emergência, com capacidade para acolherem um total de 220 pessoas, abertos pela Câmara Municipal de Lisboa.

Táxis, construção, restauração

Com este tipo de reforço criado para reagir à pandemia, no alojamento, nas refeições diárias e no encaminhamento de cidadãos carenciados para as respostas existentes, Renata Alves, directora-geral da Comunidade Vida e Paz, põe a hipótese de haver mesmo uma ligeira redução de pessoas a dormir na rua, mas não de pessoas que estão na rua, diz também Nuno Jardim, ambos do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA). “No entanto preocupa-nos o que virá em breve”, acrescenta Renata Alves.

As novas caras que surgem em Lisboa para pedir apoio nos postos de ajuda alimentar são pessoas que ficaram sem trabalho. São taxistas, trabalhadores da restauração, hotelaria e também da agricultura e da construção. Muitos portugueses mas também estrangeiros, refugiados, conta Nuno Jardim.

“Com a crise socioeconómica criada pela pandemia, chegaram aos centros não só pessoas em situação de sem-abrigo antes da pandemia, mas também muitas pessoas que caíram na rua em consequência da perda de rendimentos decorrente da pandemia”, confirma o gabinete do vereador dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, Manuel Grilo.

“Isto traduz-se, na prática, numa lotação contínua, com números sempre próximos da lotação máxima. Temos a percepção, no contacto com as equipas técnicas de rua e as juntas de freguesia de várias zonas de Lisboa, de que o número de pessoas a cair na rua tem crescido. Assim, a resposta que damos não se resume a quem já estava na rua e quis proteger-se da pandemia, mas também a quem perdeu tudo nos últimos meses”, acrescenta o vereador do Bloco de Esquerda.
Mais desempregados

O universo de beneficiários de subsídios para o desemprego oscilava entre pequenas descidas e ligeiros aumentos desde Novembro de 2019. O primeiro salto foi de Março para Abril – com mais 24 mil beneficiários – e o segundo logo a seguir quando o total passou de quase 198 mil para mais de 225 mil (uma diferença de mais de 27 mil). Nos meses de Junho e Julho desceu muito ligeiramente e ficou a rondar os 221 mil para registar um novo aumento em Agosto para 224,5 mil.

De todo o país, também os pedidos para o Banco Alimentar contra a Fome aumentam. Entre os que chegam através da plataforma criada em Março na Internet – Rede de Emergência Alimentar – metade são de pessoas desempregadas e mais de metade (52%) de famílias com filhos de menos de 12 anos.

Em Lisboa, entre Fevereiro e 1 de Outubro, mais de 23 mil pessoas foram encaminhadas depois de feitos os pedidos; em Setúbal foram 9012 pessoas e no Porto 8219. Em Braga, Aveiro e Faro o universo de pessoas com resposta ao pedido de apoio situou-se entre as duas mil e as três mil pessoas.