Ana Dias Cordeiro, in Público on-line
De Outubro em diante, os subsídios de parentalidade vão basear-se nos primeiros meses da pandemia, quando o rendimento foi reduzido ou nulo. “Não está prevista alteração da fórmula de cálculo. A lei já estabelece um valor mínimo do subsídio a atribuir no valor de 11,70 euros por dia”, responde o Instituto da Segurança Social.Em ano de pandemia, com um bebé no horizonte, a impossibilidade de projectar o futuro para quem trabalha por conta própria é ainda maior. “Os recibos verdes são um problema constante, e apesar de eu achar que são uma boa solução para trabalhadores independentes, estão negligenciados”, diz Rita Álvares Pereira.
A designer de vestidos de noiva e criadora de cenários e figurinos vai ser mãe em Março de 2021. “Com um bebé a caminho estou a ficar cada vez mais preocupada. Daí a importância deste subsídio [parental].”
Para o subsídio parental, são tidos em conta os rendimentos dos primeiros seis meses dos últimos oito anteriores ao mês do nascimento, como explica o Instituto da Segurança Social (ISS). Assim, a quebra abrupta de rendimentos a partir de Março ou Abril vai ter impacto para mães e pais de bebés nascidos daqui em diante e para quem a solução poderá passar por receberem o patamar mínimo de 350 euros de euros por mês proposto pela Segurança Social.
Por que não considerar um período mais alargado com os meses de trabalho não atingidos pela pandemia? “Se a lei considerasse um período maior para a média dos rendimentos de referência, maior era a probabilidade de entrarem nesse cálculo remunerações diferentes da remuneração que os beneficiários auferiam à data do evento”, justifica o ISS que enumera esta e outras condições exigidas para o reconhecimento do direito aos subsídios no âmbito da parentalidade.
Efeito em Outubro
No contexto actual, porém, as remunerações dos beneficiários mais próximas da data do evento – o nascimento do bebé – são precisamente as que foram reduzidas a muito pouco, ou zero, o que levou as pessoas a descontar o mínimo de 20 euros.
Questionado, o ISS propõe que se veja, como exemplo, como será com um bebé nascido em Setembro. “[Neste caso] As remunerações que vão servir de cálculo ao subsídio parental inicial são as referentes aos meses de Janeiro a Junho e estas foram calculadas com base nos rendimentos de Outubro a Dezembro de 2019” anteriores à crise.
As remunerações registadas nos meses de Abril, Maio e Junho foram calculadas com base nos rendimentos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020 – Março já foi afectado pela pandemia, mas o efeito começou a sentir-se sobretudo a partir de Abril.
Assim, os subsídios parentais que comecem a ser “atribuídos até ao mês de Setembro não sofrerão diminuição devido à redução de actividade dos trabalhadores independentes por causa da pandemia da Covid-19”, resume o ISS nas respostas por email.
Será este mês que as licenças de maternidade baixam por esse motivo, momento a partir do qual para o cálculo do valor do subsídio parental será tido em conta o período desde de Abril – precisamente quando os rendimentos iniciaram a queda gradual ou abrupta.
Revisão pontual no tempo?
“Nas situações de parentalidade ocorridas a partir deste mês, Outubro, em que as beneficiárias tenham remunerações que correspondem à contribuição de 20 euros [o mínimo permitido com a actividade aberta], o subsídio é calculado com a aplicação da mesma fórmula”, confirmou o ISS.
Não há lugar a revisões, acrescentou, remetendo para os valores que a Segurança Social assegura nestas circunstâncias, e que são muito inferiores ao salário mínimo. “Não está prevista alteração da fórmula de cálculo. De qualquer modo, nas situações em que a remuneração de referência é muito baixa, a lei já estabelece um valor mínimo do subsídio a atribuir no valor de 11,70 euros por dia.”
"Quando se fala tanto de medidas do Governo para incentivar a natalidade, choca-me que nem o salário mínimo as pessoas na minha situação vão receber por uma quebra na actividade que não depende delas."Ana Mendes
Nestes casos, a licença de maternidade ronda os 350 euros – o que corresponde a 80% do Indexante de Apoios Sociais fixado este ano nos 438,81 euros.
Para quem espera um filho no Outono, como Ana Mendes, a perspectiva é esta. Em Agosto e Setembro, dois dos seis meses que vão servir de base ao valor do seu subsídio, descontou o mínimo de 20 euros, e nos restantes quatro contribuiu com pouco mais de um terço do que descontava antes da pandemia enquanto profissional de multimédia.
Essas reduções reflectem as baixas remunerações recebidas a partir de Abril e vão recair no valor a receber quando a filha nascer em Novembro. “Quando se fala tanto de medidas do Governo para incentivar a natalidade, choca-me que nem o salário mínimo as pessoas na minha situação vão receber por uma quebra na actividade que não depende delas”, diz Ana Mendes.
Perante esta situação, “poderia ser equacionada uma revisão do período de contagem dos rendimentos de forma a acautelar situações de desprotecção e de maior vulnerabilidade durante e depois da gravidez”, diz Rita Saias, presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ). “Propomos esta revisão enquanto medida excepcional e concreta no tempo.”
Agenda para a natalidade
O CNJ tem-se batido pela “aposta numa verdadeira agenda para a natalidade”, explica Rita Saias. Uma política que “vá para além de subsídios ou das próprias licenças, ou do tempo que o pai ou a mãe podem ficar em casa” com o bebé mas que inclua “medidas transversais a várias áreas – emprego, habitação, saúde, educação – para ser possível ter uma autonomia financeira e uma emancipação das jovens famílias”.
"“Para este ano tínhamos agendado quatro digressões com o espectáculo musical em Angola, Moçambique, Suíça e Açores, mais a habitual tour em Portugal com o mesmo musical em Dezembro. Nenhum destes trabalhos aconteceu. Nem irá acontecer.”Rita Álvares Pereira
Seria preciso recuar 15 anos para encontrar um período em que Ana Mendes, hoje com 34 anos, recebeu rendimentos tão baixos como neste ano desde Abril. “Foi quando comecei a minha actividade profissional. Tinha 19 anos. Nessa altura ainda estava no início e fazia poucos trabalhos”, diz. “Antes de as contribuições passarem a ser trimestrais [em Janeiro de 2019], eram anuais e, nessa altura, eu paguei sempre valores acima dos 180 euros por mês à Segurança Social.”
Rita Álvares Pereira, designer de vestidos de noiva e criadora de figurinos e cenários para espectáculos, não tem “nada fechado para os próximos meses”. Os vestidos de casamento estão em espera. “Já se nota algumas noivas a procurarem os meus serviços novamente. Mas serão sempre casamentos para o próximo ano.”
Nesta semana, vai lançar um site de venda de roupa online. Um tiro no escuro. “Não consigo prever o fluxo de vendas por ser a primeira vez que o vou fazer.” Na área dos cenários e figurinos também diz não poder contar com nada. “Para este ano tínhamos agendado quatro digressões com o espectáculo musical em Angola, Moçambique, Suíça e Açores, mais a habitual tour em Portugal com o mesmo musical em Dezembro. Nenhum destes trabalhos aconteceu. Nem irá acontecer.”