José Luis Rodrigues, in Jornal da Madeira
Só pode saber-me bem começar esta reflexão sobre o trabalho com esta magnífica frase do Papa Francisco na Encíclica Fratelli Tutti: «não há pobreza pior do que a que priva do trabalho e da dignidade do trabalho» (n. 162).Esta frase cai como um raio após o debate alusivo ao dia mundial da erradicação da pobreza, que celebramos precisamente hoje (17 de Outubro de 2020), que se realizou ontem no Salão Nobre da Câmara Municipal do Funchal com o Padre Francisco Caldeira; o Dr. André Rebelo, Vice Presidente do Instituto da Segurança Social da Madeira e o Dr. Júlio Curado. As intervenções, magnificamente expostas pelos intervenientes convidados, convergiram para a constatação do pensamento do Papa Francisco. A erradicação da pobreza e a fatalidade da miséria só pode ter o seu fim à vista quando todos tenham trabalho e se lhes reconheça a dignidade do seu trabalho.
O assistencialismo é necessário como primeira medida, como solução a prazo, provisoriamente. Mas depois é preciso partir para soluções que apresentem oportunidades de trabalho digno. Podem dizer que há muitos que não gostam nem querem trabalhar, pode até ser certo, mas também é certo, que a condição de ser pessoa verdadeiramente integrada na família e na sociedade, não gosta de viver de esmolas e de assistencialismo.
Obviamente, que cada situação de pobreza é um caso. Não há uma única forma de pobreza, há muitas formas de pobreza e cada uma deve ser atacada de acordo com a sua idiossincrasia. Mas digam o que disserem, a resposta que deve ser constantemente trabalhada é a questão do trabalho, que para o Papa Francisco (e para nós) é «a grande questão» (n. 162).
Por isso, «ser verdadeiramente popular – porque promove o bem do povo – é garantir a todos a possibilidade de fazer germinar sementes que Deus colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças» (n. 162). É óbvio que isto implica muito trabalho, muita entrega e paciência para ter coragem de lançar medidas que venham a dar frutos a longo prazo sem estarem amarradas ao eleitoralismo cego.
Na luta pela erradicação da pobreza não podem existir pressas, é um trabalho árduo e longo, que vai frutificar lá para diante numa ocasião que ninguém sabe quando. Por isso, é preciso começar pela educação e pela saúde, porque à condição de ser pobre está a associado em primeiro lugar aquilo que nos salta logo à vista, a fome e a falta de condições materiais condignas, mas faltam essencialmente a educação e a saúde para que depois surja a vontade de trabalhar e a capacidade de exigir dignidade no trabalho. Pois, «esta é a melhor ajuda para um pobre, o melhor caminho para uma existência digna» (n. 162), diz o Papa Francisco.
O assistencialismo é sempre o caminho mais fácil e como vemos atualmente, todas as instituições seguem este caminho, até os governos reservam avultadas quantias de dinheiro para o assistencialismo. Pode ser que temporariamente o Covid-19 o justifique, mas como já vimos, esperamos que seja provisório.
Claro que dizemos que sim ao assistencialismo. Está correto como medida provisória, mas não pode ser a única medida. Senão corremos o risco de vermos a pobreza a ser «alimentada» e quiçá até a contribuir para que ela aumente, ao invés daquilo que se deseja, que é ser erradicada. O Papa confirma-o: «insisto que ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo é consentir-lhes uma vida digna através do trabalho» (n. 162). E mais ainda insiste com os responsáveis das sociedades: «Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização de uma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço» (n. 162).
Aqui estão denúncias, propostas e apelos que nos devem fazer pensar. Esta é a questão, o trabalho faltando liga-nos à tragédia da pobreza. A luta pelo fim da pobreza centra-se no flagelo do desemprego. É preciso quebrar este círculo vicioso. Os dizeres papais devem servir para que se arrepie caminho e o enfoque não esteja todo cegamente centrado no assistencialismo, mas de igual forma ou mais ainda, esteja também centrado na criação de oportunidades de trabalho digno para todos.