“Os salários baixos não permitirão que a UE recupere” da crise gerada pela Covid-19, sublinha Nicolas Schmit.
Ocomissário europeu do Emprego, Nicolas Schmit, diz esperar um acordo ou pelo menos “bastante progresso” sobre a proposta comunitária para garantir salários mínimos adequados em todos os Estados-membros da União Europeia (UE) e dá Portugal como exemplo.
“Se será possível um acordo nos próximos seis meses? Espero que sim, mas isso não depende da Comissão”, afirma o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, em entrevista à agência Lusa em Bruxelas. E acrescenta: “Espero que sim, [que haja acordo] ou que, pelo menos, se possa atingir bastante progresso nessa área, para concluir esse assunto num futuro não muito longínquo”.
A definição de um salário mínimo europeu justo e digno promete ser a batalha mais difícil da negociação do plano de ação do Pilar dos Direitos Sociais, que Portugal quer ver aprovado durante a sua presidência da UE, no primeiro semestre de 2021, dadas as divergências entre os 27.
“Segundo o entendi por parte da ministra do Trabalho [Ana Mendes Godinho], essa será uma prioridade e um assunto sobre o qual se irá trabalhar muito” durante a liderança portuguesa da UE, aponta Nicolas Schmit na entrevista à Lusa. Admitindo dificuldades nas negociações desta proposta do executivo comunitário, o responsável diz esperar “uma dinâmica positiva” no primeiro semestre do próximo ano. Até porque, segundo Nicolas Schmit, “os salários baixos não permitirão que a UE recupere” da crise gerada pela Covid-19.
Observando que, mesmo à margem desta lei europeia alguns países já estão a aumentar o seu salário mínimo, o comissário europeu dá o exemplo de Portugal. “O salário mínimo tem vindo a aumentar de forma significativa em Portugal e existe a intenção de o adaptar ainda mais nos próximos quatro anos”, adianta o também político socialista.
O Pilar Social é um texto não vinculativo para promover estes direitos na Europa e no qual, além de outras questões, é feita uma referência à remuneração, defendendo que “os trabalhadores têm direito a um salário justo que lhes garanta um nível de vida decente”. Segundo o documento, os salários na UE devem “ser fixados de forma transparente e previsível, em conformidade com as práticas nacionais e respeitando a autonomia dos parceiros sociais”.
A Comissão Europeia apresentou em outubro a sua proposta legislativa sobre a matéria, mas está ciente das dificuldades nas negociações no Conselho e tem insistido que não quer impor valores aos países, falando antes em indicadores para garantir uma qualidade de vida decente aos trabalhadores.
A questão suscita dúvidas jurídicas porque, embora não vise harmonizar os valores dos salários mínimos na Europa, pressiona uma subida do salário mínimo nos países que o têm determinado por lei.
Os tratados reconhecem a competência de cada Estado-membro na fixação de salários, mas a Comissão apoia-se numa interpretação flexível que integra o salário nas condições de trabalho, o que para alguns juristas, caso seja uma diretiva, resultará numa interferência nas competências nacionais.
Atualmente, 21 Estados-membros têm um salário mínimo definido por lei, enquanto nos restantes seis – Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia – só através de negociação coletiva é que este existe. São sobretudo estes seis países que se opõem ao conceito.
Contra a proposta estão também as associações patronais, que argumentam que ela pode vir a pôr em causa a viabilidade das empresas europeias, já fortemente afetadas pela crise pandémica da Covid-19. Bruxelas afasta completamente a ideia de um salário mínimo igual em todos os 27.
Bruxelas quer estafetas da Uber com direitos laborais
A Comissão Europeia quer garantir que os trabalhadores de plataformas digitais como a Uber ou a Deliveroo têm direitos laborais assegurados, nomeadamente em situações de doença, acidente ou desemprego, e equaciona uma nova lei dirigida a estes profissionais.
A posição é defendida pelo comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, que em entrevista à agência Lusa em Bruxelas defende que “quando uma pessoa trabalha para ou através de uma plataforma não deve ser colocada numa situação em que a proteção social ou os direitos laborais básicos não se aplicam”.
“Para mim a questão não é se a pessoa é um funcionário ou um trabalhador por conta própria”, aponta Nicolas Schmit, notando que mesmo em situações em que são prestados serviços às plataforma através de novas empresas ou enquanto trabalhadores independentes “devem existir direitos à proteção social, como em casos de doença, acidente ou desemprego”.
Segundo o comissário europeu, “as mais conhecidas são a Uber [de transporte privado de passageiros] e a Deliveroo [de entrega de comida], entre outras, mas existem dezenas de milhares de plataformas na UE com serviços muito diferentes: umas mais ligadas ao transporte ou às entregas de comida ou outros bens, mas também existem plataformas através das quais as pessoas realizam alguns trabalhos, como de arquitetura ou engenharia, etc”. “É muito diversificado e estamos a pensar em todas, o que não torna a tarefa muito fácil, porque temos de olhar para todas”, reconhece Nicolas Schmit, nesta entrevista à Lusa.
Para Bruxelas urge, então, dar proteção social a motoristas, estafetas e outros como trabalhadores destas plataformas online, nomeadamente “no que toca às pensões, porque se estas pessoas não tiverem acesso à reforma quando forem mais velhas, então haverá, dentro de 30 ou 40 anos, um enorme problema”, assinala o responsável luxemburguês. “Temos de clarificar todas estas questões e esta será uma das principais questões na nossa agenda no próximo ano”, assegura.
Ainda assim, Nicolas Schmit admite que “vai demorar algum tempo” até que o Executivo comunitário avance com uma proposta, que deverá assentar em nova e específica legislação. Até lá, terá de haver uma “ampla consulta aos parceiros sociais” e negociações com as partes envolvidas. “Começámos já algumas discussões. Já tive contactos com alguns stakeholders, como plataformas, sindicatos, académicos”, precisa Nicolas Schmit à Lusa.
Outra questão a ser tida em conta por Bruxelas é “como é que estas plataformas são tratadas do ponto de vista da contribuição social, dado que é preciso financiar os sistemas de segurança social”, destaca. E vinca: “Se as plataformas têm ganhos, também devem contribuir, mesmo que as plataformas aleguem que não são o empregador, nos casos de trabalhadores por conta própria”.
O comissário europeu lembra, ainda, que “em alguns Estados-membros foram adotadas iniciativas para melhorar o trabalho nas plataformas”, mas adianta que Bruxelas quer “assegurar igualdade de oportunidades” em toda a UE.
Em Portugal, esta ainda não é uma realidade, mas o Governo está a equacionar uma lei para regular as relações laborais nestas plataformas digitais.