Daniel Dias e Lusa, in Público on-line
Sector artístico revela-se “apreensivo” com o novo confinamento e o congelamento da actividade cultural por este ditado, frisando que isto pode significar o encerramento definitivo de espaços e o “despedimento de pessoas”. Reforço de apoios é essencial, defendem associações.
O sector artístico do país, um dos mais afectados pela pandemia, já começou a reagir às medidas do novo confinamento anunciadas esta quarta-feira por António Costa, que ditam, a partir de sexta-feira, o encerramento dos teatros, das salas de concertos, dos museus, das galerias de arte, das livrarias, das bibliotecas e de todos os outros “estabelecimentos culturais”, para usar a expressão do Governo. Para o promotor Álvaro Covões, da Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos (APEFE), esta nova paralisação é o agravar de uma tragédia. “Trabalhamos num sector que não funciona em take-away, teletrabalho ou delivery”, refere à agência Lusa, argumentando que a cultura precisa de uma “bazuca” de apoios.
“Estamos a reunir números, porque as vendas de facturação de Dezembro fecharam há dois dias, mas tudo indica que a nossa quebra em 2020 foi de 80%”, revela Álvaro Covões. “Apesar de se pensar que o sector cultural podia trabalhar, a verdade é que, desde Junho, os equipamentos culturais estão limitados a lotações de 50%. Estamos a viver uma coisa sem precedentes no nosso sector”, acrescenta o representante da APEFE, cujos números e relatórios sustentam que, entre meados de Março e final de Abril do ano passado, período correspondente ao primeiro confinamento, foram cancelados, suspensos ou adiados cerca de 27 mil espectáculos.
O desconfinamento do Verão não trouxe os habituais festivais de música, com a Associação Portuguesa de Festivais de Música (Aporfest) a estimar uma perda de cerca de 1,6 mil milhões de euros. A APEFE, por seu lado, ainda antes de apurados os números do último trimestre de 2020, atestava já que, entre Janeiro e Outubro, o mercado dos espectáculos registara uma quebra de 87% face a 2019, admitindo que a quebra poderia chegar aos 90% no final do ano. Os números iam ao encontro dos de duas plataformas de venda de bilhetes para espectáculos em Portugal, a Ticket Line e a Blue Ticket, que disseram à Lusa terem registado quebras superiores a 80% nas suas operações e uma perda de facturação entre 78% e 90% nos meses marcados pela pandemia. As associações e promotoras de espectáculos tinham agendado para esta quarta-feira um encontro com o Governo, entretanto adiado para nova data, no qual iam apresentar propostas que viabilizem a realização de festivais e eventos de música em contexto de pandemia.
Na conferência de imprensa onde anunciou as principais linhas do novo confinamento, António Costa remeteu para esta quinta-feira o anúncio de apoios de emergência, salientando que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, e o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, apresentarão “um conjunto de medidas de apoio aos sectores particularmente atingidos”. O primeiro-ministro reconheceu que o sector artístico “tem-se queixado e com razão, porque é naturalmente atingido” pelo confinamento.
Para o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), Rui Galveias, também ouvido pela agência Lusa, as medidas de emergência são essenciais “para garantir a sobrevivência do sector, quer dos trabalhadores, quer das estruturas, quer das empresas do sector, que são em geral pequenas e médias empresas”. A posição da associação que representa é a mesma da Rede — Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea. “As medidas extraordinárias de apoio financeiro em 2020 não tiveram nem a escala nem a adequação que deveriam ter tido. O primeiro-ministro referiu que haverá apoios, mas não sabemos o que isto pode significar. Estamos muitíssimo apreensivos, porque isto pode significar o encerramento de espaços e o despedimento de pessoas”, afirma a dirigente da Rede, Elisabete Paiva. “Se temos de suspender a actividade, e os agentes têm essa compreensão, precisamos então que o Estado seja capaz de oferecer uma compensação”, defende.
A Rede pretende que “as medidas de protecção social sejam abrangentes e de simples acesso para todas as pessoas, porque anteriormente havia pessoas que ficavam de fora por inúmeros motivos, ou processuais ou de não-elegibilidade”. “Queremos uma protecção social alargada, simplificada e directa para todas as pessoas da área da cultura”, sublinha Elisabete Paiva, alertando para a existência de “muitas pessoas no limiar da pobreza”. “Se não fossem algumas redes de solidariedade que se geraram, haveria ainda casos mais complicados do que aqueles que já há.”
A Rede pede ainda que seja “possível continuar a desenvolver algumas actividades específicas não públicas, nomeadamente ensaios e residências artísticas ou actividades de investigação”. “O teletrabalho é obrigatório, mas há actividades no caso da produção cultural que são apenas possíveis em presença”, salienta Elisabete Paiva.
Na semana passada, associações como o Cena-STE, a Plateia — Associação dos Profissionais das Artes Cénicas, a Acção Cooperativista, a Associação Portuguesa de Realizadores (APR), o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia (STARQ) e a Rede anunciaram a manifestação Na rua pelo futuro da cultura, um protesto nacional previsto para 30 de Janeiro com o objectivo de contestar a “falta de medidas de emergência” perante a “falsa retoma” do sector artístico. “Vamos ver em conjunto com outras estruturas em que momento e de que forma é que vamos fazer esse protesto”, disse à Lusa Rui Galveias.
Estruturas como a Cultural Kids, por outro lado, lamentaram, num comunicado enviado ao PÚBLICO, que o gabinete de Graça Fonseca não tenha até agora divulgado “apoios específicos para quem trabalha com e para a comunidade escolar”. Dizendo que “até agora nada foi dito sobre quando, como e a quem foram entregues” os pacotes relativos ao Fundo de Fomento Cultural, esse grupo de trabalho, que dinamiza actividades culturais para um público entre os zero e os 16 anos, defende uma imediata “realocação dos recursos do Ministério da Cultura”, de modo a “socorrer a todos os intervenientes” do sector.