28.1.22

Mais de um terço dos jovens portugueses com 13 anos já bebeu bebidas alcoólicas

Daniela Carmo, in Público on-line

Subdirector-geral do SICAD considera que todos os consumos entre os mais jovens são sempre “extremamente altos”. Apesar de descida geral dos consumos nas outras faixas etárias, os grupos mais vulneráveis e problemáticos aumentaram a prevalência.

O consumo de bebidas alcoólicas pelos jovens com mais de 13 anos de idade estabilizou nos últimos anos, mas a evolução ainda é “menos positiva do que as médias europeias”. Os dados constam do “Relatório anual 2020 - A Situação do País em Matéria de Álcool”, que dá conta de um aumento da prevalência no consumo pelas raparigas. Para o subdirector geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD), Manuel Cardoso, os consumos nestas faixas etárias “são sempre extremamente altos”.

Manuel Cardoso recorda, em declarações ao PÚBLICO, que a legislação só permite vender álcool a maiores de 18 anos e que, apesar disso, “aquilo que se verificou foi que aos 13 anos 35% dos jovens já tinham bebido qualquer bebida alcoólica”.

O Relatório Anual 2020 foi publicado esta quarta-feira no site do SICAD e compila a informação de vários estudos nacionais, tendo como referencial o Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Adictivos e das Dependências 2013-2020. “Apesar da estabilidade das prevalências de consumo face a 2018, é de assinalar a tendência de aumento gradual e contínuo entre 2015 e 2018 do consumo recente e actual, e do consumo binge e da embriaguez”, assinala o inquérito anual Comportamentos Adictivos aos 18 anos, relativo a 2019.

De acordo com o relatório anual de 2020, “as diferenças entre os sexos tendem a esbater-se tanto no consumo recente, como na embriaguez e binge, sendo de notar em 2019, já a superioridade da embriaguez nas raparigas”. Entende-se por binge o consumo de cinco ou mais bebidas alcoólicas (se for do sexo feminino) ou seis ou mais bebidas alcoólicas (se for do sexo masculino) na mesma ocasião e por embriaguez “ficar a cambalear ou ter dificuldade em falar e/ou não recordar o que aconteceu depois”.

Ainda de acordo com dados relativos a 2019, a prevalência de consumo ao longo da vida de qualquer bebida alcoólica nos alunos dos 13 anos aos 18 anos (o inquérito foi feito na comunidade escolar) foi de 68%. Quanto ao consumo recente e actual, essa percentagem desce para os 59% e 38%, respectivamente. Importa notar que o consumo de bebidas com álcool aumenta com a idade, atingindo mesmo os 90% nos alunos com 18 anos no caso da experimentação.

Mudança cultural: antes as “raparigas bebiam menos"

Manuel Cardoso aponta a mudança de paradigma cultural em Portugal como uma das razões que justifica o consumo crescente de bebidas alcoólicas entre as mais jovens (a prevalência de consumo nas raparigas passou de 66% em 2015 para 69% em 2019, igualando assim a prevalência entre os rapazes). “Quando especificamos um pouco mais, verificamos que o consumo não aumentou tanto (ou diminuiu mesmo) entre os rapazes e aumentou nas raparigas. Há uma aproximação muito grande que não acontecia antes e que era uma questão também cultural porque as raparigas bebiam menos”, diz.

A permissividade por parte dos pais também contribui para este aumento, ou estabilização em termos gerais, defende Manuel Cardoso. “As mães têm uma postura de maior assertividade, são mais exigentes. Mas nota-se uma tolerância enorme da família com estes comportamentos”, sustenta.
231 sinalizações da CPCJ por consumo

A exposição dos mais novos ao consumo resulta em situações de risco entre os mais jovens. O relatório dá conta de que no que respeita às sinalizações de perigo comunicadas às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), em 2020, 231 (o que perfaz 4% do total de 5517 sinalizações de crianças e jovens) estão relacionadas com o consumo de bebidas alcoólicas.

“Por outro lado, das 4450 sinalizações de exposição a comportamentos que possam comprometer o bem-estar e desenvolvimento da criança/ jovem, 765 (17%) tinham relação com o consumo de álcool”, lê-se ainda no documento. “Apesar dos decréscimos destas sinalizações e diagnósticos em 2020, é de notar que os valores de 2018 e 2019 foram os mais elevados dos últimos sete anos”, refere o relatório.

"Com a manutenção desta situação de confinamento verificámos que começou a haver alguns consumos mais frequentes em casa" Manuel Cardoso, subdirector-geral do SICAD

Para Manuel Cardoso, que olha para os dados da evolução do consumo de álcool em Portugal na óptica da saúde, “quase todos os indicadores deste relatório são negativos”. “Portugal está a ter uma tendência contrária a todos os outros países da União Europeia, aumentando o consumo per capita.”

O último ano em análise coincide com o início da pandemia de covid-19 em Portugal, durante o qual se verificou um confinamento geral (entre Março e Maio de 2020) e se verificou uma alteração dos hábitos de consumo, com 21% dos portugueses a declarar que beberam mais álcool.

De acordo com o responsável, o stress pandémico evidenciou as diferenças entre quem já tinha por hábito consumir bebidas alcoólicas e quem consumia esporadicamente ou socialmente, uma vez que 42% dos portugueses declarou ter reduzido o consumo. “Uma encruzilhada": é assim que o subdirector-geral do SICAD define os resultados nos hábitos de consumo durante a pandemia uma vez para quem já tinha um padrão problemático com o álcool, as populações mais vulneráveis, ficou menos protegido e passou a beber mais vezes ou em maior quantidade.

“Ficámos todos muito mais contidos, muito mais isolados e, portanto, quem só bebia quando ia ao bar ou só mesmo quando estava com amigos provavelmente consumiu menos ou deixou de consumir. Ainda assim com a manutenção desta situação de confinamento verificámos que começou a haver alguns consumos mais frequentes em casa”, reflecte também.

O alerta quanto ao consumo problemático é deixado no relatório: “a realidade é que no final de 2021 persiste a pandemia global” que terá “potenciais impactos a médio e longo prazo ainda desconhecidos, sendo certo que a actual recessão global se irá reflectir nos consumos e mercados de bebidas alcoólicas, embora ainda não saibamos como e quais as implicações para a saúde pública”.