Rita Valadas, opinião, in TSF
A pobreza tem sido tema recorrente nos últimos tempos nas tertúlias, na comunicação social, na academia, nas instituições, na política. Escrevem-se artigos, publicam-se entrevistas, estudos e publicações. Definem-se objetivos e estratégias.Apesar de, nacional e mundialmente, a pobreza estar na agenda e serem muitos o que se desmultiplicam em iniciativas, estratégias, ações, proteções, políticas e respostas sociais, temos de confirmar que não temos sabido encontrar os caminhos para a erradicação de uma pobreza resistente que se perpetua geracionalmente. Esta incapacidade não é uma fatalidade mas antes uma convocatória. Uma convocatória que coloca este problema multidimensional no centro da decisão política e que deve envolver transversalmente todos os setores e áreas governamentais.
Infelizmente, o que sinto, é que se fala muito da pobreza, mas muito pouco das pessoas. Fala-se de números, taxas, variação, percentagens, euros. A pobreza de que se fala é uma estatística. Os números variam mais do que a situação das pessoas que estão em risco ou em situação de pobreza. Na proximidade a realidade varia sobretudo devido a fatores externos pontuais de várias origens e pouco na pobreza estrutural que mantém um circulo vicioso.
Tudo o que se tem feito é manifestamente pouco e mantém os fatores mais perversos do fenómeno:
- A reprodução geracional
- A pobreza de quem trabalha
- As vulnerabilidades das famílias numerosas
- A fragilidade que decorre da insuficiência de recursos adequados para as pessoas com deficiência, doença e dependência.
- A vulnerabilidade do baixo rendimento em situações de instabilidade económica e social ou de acréscimo (ainda que pontual) de despesas.
Os números da pobreza, e a sua variação, também resultam de crises conjunturais de várias origens: económicas, sociais, sanitárias, humanitárias ou outras na sequência de guerras, fenómenos naturais/ambientais que colocam em risco os territórios e as populações. Neste caso, o que é necessário, é fazer confluir os recursos que possibilitem que a conjuntura não transforme em definitiva a situação de risco em que se encontram. O momento e oportunidade da intervenção é verdadeiramente determinante para o resultado e o afastamento do risco. E da vulnerabilidade...
A estratégia nacional para o combate à pobreza foi aprovada e todos somos convocados para este desiderato. Há que ouvir a voz da proximidade e juntar os trunfos e recursos que temos e a comunicação social terá um papel de grande responsabilidade.
Neste tempo de pandemia a Caritas pôde bem sentir a importância de contar com a atenção da comunicação social num serviço de comunicar com propósito.
Dar voz é uma enorme responsabilidade e creio que, no nosso caso, um serviço empenhado e competente, que acompanhou a N. ação, fez a diferença entre a carência e a solidariedade. Bem hajam
Amanhã, em Almada, será feita a presentação da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que tem por tema o imperativo "escutai".
Pedir à comunicação social que escute parece uma redundância, mas é um sinal. Depois de no ano passado ter pedido aos jornalistas que gastassem as solas dos sapatos, desta vez o chefe da Igreja pede que se escute a realidade. Ora não havendo comunicação sem escuta este não deixa de ser um desafio dos nossos tempos.
Ter tempo; ter capacidade de parar; ter condições para remar contra a maré das agendas mais fortes. Redescobrir a escuta, parece mesmo ser a palavra de ordem para todos nós.
Nunca é demais reforçar que os órgãos de comunicação social são uma das entidades que mais responsabilidade têm na vida da sociedade atual, seja em que plataforma for.
Anunciar com verdade e justiça é a mais bela das missões e isso mesmo foi particularmente reconhecido este ano com a atribuição do prémio nobel da paz a dois jornalistas que se debateram pela liberdade de expressão.
Está em causa reaprender a ouvir. A pandemia trouxe-nos o confinamento, e com isso, uma proximidade obrigatória que nos desafiou para uma escuta ativa. Era bom manter essa prática para podermos agir de forma informada e consistente, cumprindo o último desafio da estratégia nacional: "Fazer da erradicação da pobreza um desígnio nacional"