Patrícia Carvalho, in Público on-line
Nem todas as escolas oferecem a possibilidade de os alunos assistirem às aulas online. Líder dos directores de estabelecimentos de ensino públicos desvaloriza e diz que essa não é a única forma de os estudantes acompanharem as matérias
Com dois filhos a frequentarem diferentes anos do 1.º ciclo, numa escola de Lisboa, Nuno Januário encontra energia para se rir da situação actual das crianças, em isolamento e impedidas de se deslocarem à escola por a mãe estar infectada com covid. “Um deles, no 4.º ano, está a ter aulas por Zoom, o mais novo, que está no 2.º ano e anda na mesma escola, não, porque apesar da boa vontade, a escola não tem Internet que funcione no pavilhão onde ele tem aulas”, conta ao telefone. Não é caso único.
Nuno Januário salvaguarda que, apesar desta discrepância, os filhos estão a conseguir acompanhar as aulas, graças às “professoras fantásticas” que ambos têm, mas diz que não pode deixar de chamar a atenção para o que diz ser “o ridículo da situação”. E salvaguarda que, no caso da criança mais nova, a quem é enviado um plano de trabalho diário, para compensar a ausência das aulas, o tempo só não é dado por perdido porque há um acompanhamento permanente por parte da mãe.
Para Carmo Teixeira, com duas filhas a frequentar diferentes níveis de ensino — uma está no 1.º ano a outra no 6.º, em duas escolas do mesmo agrupamento do Porto —, a relação das crianças com as aulas por estes dias também está a ser complicada. Ela e a filha mais nova estão infectadas com covid, a filha mais velha não, mas também não pode ir à escola, por viverem todas juntas. Nenhuma está a ter aulas online. Rita, a mais velha, vai-se desenrascando com os resumos que “alguns” professores enviam do que vão dando nas aulas e com o material que vai sendo colocado na plataforma Classroom. Mas, apesar de o isolamento estar reduzido a sete dias, já percebeu que vai ter de fazer um esforço extra para não ficar para trás. “Os testes estão a aproximar-se. Tenho um de Português no dia 2 de Fevereiro e tenho imensa matéria de gramática que não estou a entender muito bem. Vou ter mesmo de aproveitar as últimas aulas”, diz a aluna, que espera regressar à escola nesta quinta-feira.
Para a irmã mais nova, ainda a aprender as primeiras letras, as coisas são um pouco mais complexas. Carmo Teixeira diz que é suposto a professora deixar na portaria algumas fichas para a criança ir praticando, mas como está infectada, a mãe da menina não as foi levantar, e – admite – com os sintomas com que ambas estão a lidar, não se sente capaz de dar o acompanhamento de que a menina precisaria. “Prefiro que ela não tenha aulas à distância, até porque, com as dores musculares que tenho tido, e a ter de garantir refeições e impedir que o caos se instale em casa, não me sentiria em condições de estar a garantir que ela estava atenta às aulas e a cumprir horários e respectivos trabalhos de casa”, admite. As perdas, contudo, são claras. “Fico com pena, porque ela estava num momento importante, a começar a ler, e, para mais, na aula tem-se avançado nas letras do abecedário. Ela está a perder isso”, diz.
Jorge Ascenção, da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), diz que no primeiro período lhe chegaram mais queixas relacionadas com este tema do que agora, e que, sempre que isso acontece, tentam resolver o problema, nomeadamente através de um contacto directo com as escolas. “São casos relacionados com questões diferentes, por vezes por as condições técnicas não serem as melhores. Mas com os alunos em casa, o que está previsto é que possam assistir remotamente às aulas, e é isso que faz sentido. E os alunos já terão todos computador, portanto, havendo os meios, é uma questão de as escolas e os professores se organizarem”, diz.
O responsável da Confap realça que “o que se espera é que, quando um aluno vai para casa em isolamento, não fique desligado”, e deixa um apelo para que as escolas façam um esforço extra no sentido de garantir o acesso às aulas online. “A autonomia é muito bonita, mas é preciso ser responsável e às vezes parece existir alguma dificuldade [por parte das escolas] em fazer um esforço adicional. Esta situação [de necessidade de isolamento] é um constrangimento, claro, mas há que minimizar o impacto”, defende.
Já Filinto Lima, que preside à Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, desvaloriza a ausência de disponibilização de aulas online por parte de alguns estabelecimentos de ensino. “Cada escola tem, por causa da pandemia, o seu plano de ensino à distância. E ele não se resume às aulas online. Pode ser o uso frequente da Classroom, pode ser a visualização, complementar, de episódios do Ensino em Casa [telescola], e há outras estratégias que cada escola desenvolve, tendo em conta os conteúdos programáticos”, argumenta.
Para o também professor, “está-se a cair muito no erro de pensar que, se o computador estiver virado para o quadro e o professor a escrever aí a matéria, esse é o único método, o salvador da pátria”. E isso não é assim, defende. “O ensino à distância é muito redutor, mas se a escola tiver o computador virado para o quadro, os pais ficam mais satisfeitos, quando deviam dar mais valor à plataforma Classroom, às aulas assíncronas, que podem ser gravadas, e a outros métodos recomendados pelos professores”, diz.
O líder dos responsáveis pelas escolas públicas admite que a situação pode ser mais complexa para alguns níveis de ensino do que para outros, mas acredita que o segredo não está no acesso, ou não, às aulas online: “Em qualquer situação, [o ensino] terá mais sucesso se lá em casa tivermos pais que ajudem, sobretudo nas idades mais jovens. Ter um pai que possa acompanhar o aluno no seu estudo pode ser a chave do sucesso.”
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação afirma que não recebeu quaisquer queixas relacionadas com esta questão, lembrando que as escolas devem dar resposta aos alunos que se encontrem em isolamento, de acordo com os planos que estabeleceram para o efeito no âmbito da pandemia.
Com 16 anos e a frequentar o 10.º numa escola da ilha Terceira, nos Açores, Matilde Silva vai estudando pelo material que alguns poucos professores enviam, mas percebe que os dias de isolamento – primeiro por a avó ter testado positivo, depois por ela mesma ter confirmado que estava também infectada – representarão muito trabalho extra. “A professora de Inglês mandou trabalhos, a de Físico-Química deu uma ficha, mais nenhum enviou nada. E faltei a testes que tinha”, lamenta-se. O regresso está marcado para esta terça-feira.