12.1.22

Descida na idade da reforma antecipa cenário de falta de professores

Samuel Silva, in Público on-line

Será preciso contratar perto de 3600 docentes em 2023/24, mais 800 do que o previsto no estudo apresentado pelo Ministério da Educação em Novembro. O total de professores necessários na próxima década não sofre, porém, mexidas. Com o fim da pandemia, a idade da aposentação deverá voltar aos valores habituais.

A descida na idade da reforma, provocada pela mortalidade em excesso associada à pandemia, vai antecipar o cenário de falta de professores com que o país terá de lidar na próxima década. Em 2023/24, será necessário recrutar cerca de 3600 docentes, mais 800 do que o inicialmente previsto no estudo de diagnóstico que o Ministério da Educação (ME) encomendou a investigadores da Universidade Nova de Lisboa. No entanto, o número de professores necessário até 2030/31 não sofre alterações.

As contas do PÚBLICO têm como ponto de partida o “Estudo de diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030”, feito por investigadores da Universidade Nova de Lisboa, que foi apresentado em Novembro. Os números foram validados por Luís Catela Nunes e Pedro Freitas, que integraram essa equipa de especialistas.

Com o excesso de mortalidade associado à pandemia, a esperança de vida recuou entre 2019 e 2021 e a idade da reforma acompanha esta evolução, passando dos 66 anos e sete meses exigidos em 2022, para os 66 anos e quatro meses em 2023. Este efeito da pandemia pode prolongar-se pelos anos seguintes, com um recuo da idade da reforma também em 2024.

Esta estimativa tem, por isso, em consideração um impacto da redução da idade da reforma durante dois anos — assumindo que, com o final da pandemia, o indicador regressará aos valores habituais antes da covid-19.

Assim sendo, será necessário recrutar, em 2023/24, mais 808 professores do que o estimado no estudo apresentado há dois meses. Isto é, serão precisos 3602 novos docentes, em vez dos 2794 previstos. O efeito prolonga-se, embora com menos impacto, em 2024/25, havendo um acréscimo de 22 profissionais — totalizando 3252 contratações.





“A redução da idade da aposentação num certo ano irá levar a uma antecipação de algumas das aposentações que normalmente ocorreriam apenas no ano seguinte”, explica Luís Catela Nunes, da Universidade Nova de Lisboa. “A consequência óbvia é que haverá também uma antecipação das necessidades de recrutamento de novos docentes.”

Isto é, depois de um aumento das necessidades de recrutamento 2023/24 e 2024/25, haverá um recuo nas contratações previstas no estudo para 2025/26. Serão agora precisos 2486 docentes nesse ano lectivo, menos 830 do que o inicialmente estimado.

Estas contas não usam o modelo do estudo. A estimativa é feita contabilizando uma redução de três meses na idade de aposentação, que equivale a um quarto de um ano. Ou seja, são antecipadas 25% das necessidades dos dois anos em que a diminuição da idade da reforma tem impacto nas aposentações dos professores.

A redução da idade da aposentação num certo ano irá levar a uma antecipação de algumas das aposentações que normalmente ocorreriam apenas no ano seguinte” Luís Catela Nunes, da Universidade Nova de Lisboa

Pode, por isso, haver algumas variações quantitativas, mas “em termos qualitativos chegar-se-ia à mesma conclusão”, aponta Catela Nunes. Isto é, “a redução da idade da aposentação leva a uma antecipação no tempo das necessidades de recrutamento de novos docentes criando por isso um pico de necessidades mais cedo do que estava projectado”.
Contratar 34 mil numa década

Esperando-se um regresso ao cenário “normal” depois da pandemia, a redução da idade de aposentação não muda a contabilidade final apresentada pelos especialistas da Universidade Nova de Lisboa. Ou seja, até 2030 continuará a ser preciso contratar mais de 34 mil professores para o ensino público.

O impacto das mexidas na idade da reforma “não é muito significativo” nas aposentações de professores, avalia o secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira. O dirigente sindical até espera efeitos menos pronunciados do que os estimados pelo PÚBLICO. Isto porque os docentes que estão perto dos 66 anos cumprem outros pressupostos, como o facto de terem já atingido os 40 anos de serviço, que lhes permitem reformar-se antes da idade legal. “São pessoas que entraram ao serviço no final da década de 1970 e inícios dos anos 1980, alguns com 19 ou 20 anos”, explica Nogueira.

O estudo encomendado pelo ME tem em consideração um cenário em que todos os docentes se aposentam aos 66 anos, dado que esta é a idade na qual a maioria dos professores termina a sua carreira.

Mantém-se, no entanto, “o problema de fundo” que é “complicado” de solucionar, prossegue Mário Nogueira: a falta de docentes tenderá a agravar-se e a tornar mais urgente o recrutamento de mais profissionais. O secretário-geral da Fenprof acredita mesmo que os 34 mil professores necessários estimados pelos especialistas da Universidade Nova de Lisboa pode ser “um número simpático”. “Em anos anteriores, tem havido mais 15 a 20% de aposentações do que o esperado, em virtude das reformas antecipadas de alguns colegas”, explica. “Estão tão cansados que não se importam de ter alguma penalização.”

O problema de falta de docentes tem-se agudizado e marcou o 1.º período deste ano lectivo. Antes das férias de Natal, ainda havia cerca de 10 mil alunos sem aulas, segundo a estimativa da Fenprof.

A gravidade do cenário actual faz com que o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, tenha uma perspectiva pessimista: “Não há tempo para resolver hoje os problemas que vamos enfrentar dentro de dois ou três anos.” O país devia, sim, “parar para pensar e resolver o problema de médio prazo”, que, a seu ver, prende-se com a atracção de estudantes para os cursos que dão acesso à docência.

O número de estudantes inscritos em cursos superiores de Educação caiu cerca de 70% desde o início do século. A tendência histórica tem tido uma ligeira inversão nos últimos anos, mas que ainda não é suficiente para compensar esta quebra de duas décadas. “A profissão não é atractiva para os jovens. Enquanto assim for, não vamos resolver o problema”, entende Pereira.