10.1.22

Mais de 60 mil menores recebem RSI

Rita Neves Costa, in JN

Cerca de 1% das pessoas com 18 anos que recebem o rendimento social de inserção
Pobreza intergeracional pode ser mais abrangente em Portugal do que mostram números oficiais. Mais de 190 mil pessoas precisam de prestação social destinada a situações de carência económica.

Cerca de 1% das pessoas com 18 anos que recebem o rendimento social de inserção (RSI) usufruem do apoio social desde o dia em que nasceram. No total, e de acordo com os números disponibilizados pelo Instituto da Segurança Social (ISS), são 42 pessoas. Apesar dos dados oficiais mostrarem uma realidade diminuta naquela faixa etária, o número de portugueses que nasceram pobres e permanecem numa situação de vulnerabilidade económica e social durante a infância, a adolescência e a idade adulta deverá ser mais vasto, segundo os especialistas ouvidos pelo JN.

"Há um histórico [em Portugal] de reprodução de condições que geram pobreza. A presença de pessoas que já nasceram pobres é muito grande. Será talvez mais de metade do total de pobres no país", avança o sociólogo Luís Capucha. Também o padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal (EAPN), reconhece a realidade e critica as "políticas públicas que tem perpetuado a pobreza".

A Segurança Social contabilizava 61 520 beneficiários de RSI com idade inferior a 18 anos em outubro de 2021. Os titulares do apoio social são um dos pais ou os responsáveis pelo menor, salvo exceções (ver ficha). O valor é definido consoante a composição e os rendimentos do agregado. No mesmo período e na totalidade, eram 190 352 os portugueses a beneficiar da prestação social.

Mesmo com 42 pessoas de 18 anos (num total de 3285) a receber o RSI desde o nascimento, o ISS não precisou se, em idades superiores, haverá situações semelhantes. Por exemplo, jovens de 20 anos ou mais velhos a receber o apoio desde bebés.

Ficar prisioneiro

"À medida que mais pessoas saem da pobreza, mais tendem a ficar prisioneiros aqueles que nascem em condições muito desfavorecidas", diz Luís Capucha, que detalha que os baixos rendimentos do trabalho e das prestações sociais são algumas das causas. Além disso, "os défices fortíssimos de qualificação" são, na maior parte das vezes, transmitidos de geração em geração, por "mecanismos de exclusão social e escolar", afirma o também investigador.

Para o dirigente da EAPN, a pobreza tem "causas estruturais e pluridimensionais", seja na habitação ou na educação dos mais novos. "Se uma criança desde que nasce não é alimentada suficientemente, quando chegar o tempo da escola, por mais que ela lá esteja, não vai dar o rendimento total. Não terá o desenvolvimento intelectual para assimilar", explica.

Durante a pandemia, a crise evidenciou os problemas dos mais novos no trabalho, seja a precariedade ou a falta de regularização, o "trabalho informal" (ler reportagem). "A precariedade é geral para todos os jovens. Mas aqueles que têm percursos complicados de exclusão, condições familiares muito precárias, nem sempre valorizados emocionalmente, esses são ainda mais penalizados", defende Capucha.

Tanto o sociólogo como o padre Jardim Moreira defendem que o RSI é importante, contudo, está cada vez mais "reduzido a uma prestação". É necessário um "processo de desenvolvimento integral" de cada beneficiário e valorizar a "componente da inserção" afirmam.

A vontade de querer mais do que um trabalho mal pago e precário

"Maria" (nome fictício), 23 anos, residente no Porto, tem dois filhos. Tânia, 24 anos, também a viver no Porto, tem dois filhos. Ambas nunca tiveram um contrato laboral no setor da restauração: uma trabalhava a recibos verdes, outra de modo informal. Atualmente são beneficiárias do RSI e, apesar de reconhecerem a importância do apoio, querem deixar de recebê-lo e alcançar a estabilidade financeira e, sobretudo, a realização pessoal.

"Eu trabalhei num restaurante, prometeram-me um contrato e não o fizeram. Decidi vir embora. Num outro trabalho, estive a recibos verdes", conta "Maria" ao JN. A jovem de 23 anos não teve direito ao subsídio de desemprego, foi logo remetida para o rendimento social de inserção.

"Claro que não foi fácil ter de receber o RSI, mas depois vi que era a minha única hipótese". Está há cerca de um ano a receber o apoio. No total, por mês, são 512 euros para quatro pessoas (ela, o companheiro e os dois filhos, um com dois anos e outro com nove meses).

Tânia Andrade também trabalhou na restauração, após ter deixado de estudar aos 16 anos. Nunca descontou. Tinha um horário de 12 horas por dia e não ganhava o ordenado mínimo. O patrão não quis regularizar a situação. "Deixei-me andar", diz hoje, aos 24 anos, e com dois filhos, um de quatro anos e outro de sete meses. Em 2020, uma porta abriu-se.

Oportunidade de Ficar

A jovem está inserida no programa MAREESS do IEFP, que consiste na realização de trabalho socialmente necessário em instituições públicas e do setor solidário durante a pandemia. Começou por limpar e desinfetar os espaços da associação Asas de Ramalde, no Porto. Depois de ter o segundo filho, foi encaminhada para a cozinha. "Gosto muito, a ideia é ficar e deixar de receber o RSI". Neste momento, acumula-o com uma bolsa mensal.

O IEFP confirmou ao JN que a vigência do MAREESS vai até ao final de março deste ano.

Estigma do RSI

Para "Maria", o RSI tem sido uma ajuda "fundamental" para sustentar a família. "Quando saí do meu último emprego, fiquei sem nada. Tendo uma casa, têm de se pagar as despesas", explica. Para ela, que é jovem, diz, "seria muito melhor ter um trabalho".

A ex-empregada de mesa não paga renda, vive numa casa de família. Mas tem outra preocupação: um dos filhos está em lista de espera em quatro infantários. Sem retaguarda familiar, este é um dos fatores que a prejudicam na procura de emprego. Nos últimos anos, a jovem tem sido orientada pelo Centro Paroquial e Social São Nicolau, no Porto, que tem registado várias situações de desemprego em áreas como a hotelaria e a restauração, durante o período pandémico. A instituição disponibiliza serviços, como consultas de Psicologia e programas de dinamização económica.

Tânia e "Maria" têm a perceção de que o RSI é um apoio que não reúne consenso na praça pública e, inclusive, no Parlamento. Talvez por isso há quem não queira assumir ou identificar-se como beneficiário. "Como têm muito [quem critica], acham que o valor não é nada. Mas, o pouco que é, para nós [quem recebe] já é muito", conclui a ex empregada de mesa.

Condições do RSI

Quem tem direito

Pessoas que estejam em situação de pobreza extrema e precisem de melhorar a integração social e profissional. Se viver sozinho, a soma do rendimento mensal não pode ser superior a 189,66 euros.

Quais os valores

O valor máximo do RSI é de 189,66 euros para o titular do apoio, 132,76 para um adulto e 94,83 euros para um menor, que façam parte do agregado familiar.

Condições

O acesso ao RSI depende do valor do património mobiliário, como depósitos bancários e certificados de aforro, que não pode ser superior a 26 328,60 euros.

Menores

Os menores de 18 anos podem aceder por si próprios ao RSI em casos de gravidez, casamento ou união de facto há mais de dois anos ou se tiverem menores ou pessoas com deficiência a seu cargo.

Inserção

Além da prestação, o RSI é composto por um contrato de inserção, constituído por um conjunto de ações que visam garantir a integração social e profissional. O documento é um compromisso sobre a disponibilidade para trabalhar, receber formação ou enveredar por outras formas de inserção.

INE

18,4 % em risco de pobreza

A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2020, à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos (por adulto ) inferiores a 6653 euros, ou seja, 554 euros por mês.

6653 euros rendimento anual

Os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2021, mostram que em 2020 mais de 18% das pessoas estavam em risco de pobreza em Portugal (um aumento de 2,2 pontos percentuais face a 2019).