21.1.22

Pobreza: um em cada quatro idosos não tem dinheiro para aquecer a casa

in Postal do Algarve

Entre os que são pobres, 43% vivem em casas sem aquecimento suficiente. Relatório “Balanço social 2021” da Nova SBE alerta também para a perda de emprego sobretudo de trabalhadores que tinham contratos a prazo. Muitos deles são jovens.

Em 2020, um em cada quatro idosos (24%) não tinha dinheiro para pagar aquecimento em casa. Entre os que vivem abaixo da linha de pobreza, mais de 43% não têm como manter a casa aquecida e 9% não conseguem comer uma refeição com carne ou peixe de dois em dois dias, segundo o relatório “Portugal, Balanço Social 2021”, divulgado esta terça-feira e que resulta de uma parceria da Nova SBE e a Fundação “la Caixa”.

“Estes números podem ainda não refletir o efeito da pandemia porque esta informação sobre privação material, que vem no inquérito do Instituto Nacional de Estatística (INE), foi recolhida nos primeiros meses de 2020. Mas os 43% que não conseguem manter a casa aquecida são já quase metade das pessoas pobres e não se espera que essa realidade tenha melhorado com os efeitos da pandemia”, frisa Bruno Carvalho, coautor do relatório, elaborado também por Susana Peralta e Mariana Esteves, do centro de conhecimento Nova SBE Economics for Policy. Para o investigador, é “inequívoco” que ainda há muito a fazer para melhorar as condições de vida das pessoas mais velhas em Portugal.

O relatório indica ainda que metade das pessoas acima dos 65 anos não consegue pagar uma semana anual de férias fora de casa e quase um terço não tem capacidade de assegurar despesas inesperadas. Em paralelo, a saúde mental é outro problema e a solidão “é um flagelo que afeta particularmente os mais velhos”, refere o relatório. Quase metade das pessoas com 60 anos ou mais diz sentir-se sozinha frequentemente ou algumas vezes. E, destas, 14% afirmam que a pandemia agravou a situação.
Forte impacto nos jovens

Além de um capítulo sobre as condições de vida da população mais velha, o relatório volta a analisar o impacto da pandemia da situação social e económica em Portugal, tal como fez no ano passado. “Conseguimos verificar que houve perda de emprego sobretudo concentrada nos trabalhadores que tinham contratos a prazo, o que também pode apontar para uma consequência do próprio layoff, que protegeu bastante quem tinha ligações mais permanentes ao mercado de trabalho e não tanto as outras pessoas. Isso marcou uma maior clivagem no mercado de trabalho, que já é um dos mais duais da União Europeia”, afirma Susana Peralta.

“Também sabemos que há uma grande prevalência de jovens nesta margem do mercado de trabalho dos contratos temporários, o que pode querer dizer que estas pessoas são deixadas, no início da sua vida, com cicatrizes na sua relação com o mercado de trabalho e na sua capacidade de gerar rendimentos”, acrescenta.

Segundo o relatório, em 2021, o aumento do número de inscritos em centros de emprego foi muito forte nos jovens dos 25 aos 34 anos, “com três vezes mais inscrições em agosto de 2021 do que em agosto de 2019”. Nos primeiros oito meses do ano, em média, esta faixa etária teve uma subida de 67% de desempregados face a 2019, antes da pandemia. E a seguir vêm os jovens com menos de 25 anos, com um aumento de 56% no número de inscritos entre 2021 e 2019.

Salta também à vista um agravamento claro do desemprego no Algarve. “Em 2020, houve um impacto desproporcional no número de inscritos nos centros de emprego desta região. É como se o Algarve fosse para a economia portuguesa o que Portugal e a Grécia são para a economia europeia”, afirma Susana Peralta. “É a única região que nunca recupera em momento nenhum.” A explicação passa pela dependência que a região tem do turismo, um sector com maior prevalência de contratos de trabalho temporários e particularmente afetado pela pandemia.
Mais desigualdades no mercado de trabalho

O relatório conclui ainda que, entre as pessoas que não trabalham a tempo inteiro, há mais 47% mulheres do que homens que gostariam de trabalhar mais horas, mas não encontram trabalho a tempo inteiro. “Um motivo invocado sete vezes mais por mulheres do que por homens, para justificar a impossibilidade de trabalhar mais horas, é a necessidade de cuidar de crianças, idosos ou outros dependentes”, indica o estudo.

Durante o confinamento, nas famílias sem filhos o número médio de horas trabalhadas aumentou, enquanto nas famílias com filhos diminuiu, sobretudo nas mulheres. Os homens trabalharam menos 0,7 horas, enquanto as mulheres foram 1,2 a menos, “o que quererá dizer que tiveram de prescindir para tomar conta dos filhos dependentes”, refere Mariana Esteves.

Preocupante ainda é o impacto do ensino à distância na perda de aprendizagens dos alunos. Os resultados das provas de aferição entre 2019 e 2021, analisados no estudo, refletem uma “perda de competências” na generalidade das áreas avaliadas. E as notas dos alunos que beneficiam de ação social escolar, por viverem em famílias com mais dificuldades económicas, tiveram notas mais baixas do que as dos restantes.

“Diria que, no curto prazo, nos dois ou três anos que se seguem, o país pode voltar ao que era, mas não necessariamente ao que teria sido sem a pandemia. Sobretudo se não levarmos a sério a perda de aprendizagens e as cicatrizes para os jovens que estão a entrar ou que entraram no mercado de trabalho nesta fase de maior dificuldade”, defende Susana Peralta.