20.1.22

Pobreza multidimensional nas crianças agravou-se em 2020

Joana Amorim, in JN

Taxa de risco de exclusão social subiu para os 20,4% em 2020. Sete em cada dez crianças pobres sem acesso a creche. Alunos de meios carenciados com maior impacto da pandemia nas aprendizagens

As crianças continuam a ser o grupo da população mais vulnerável à pobreza e exclusão social. Em múltiplas dimensões. Em 2020, ano pandémico, aumentaram as crianças em risco de pobreza. Sendo que são precisamente as mais pobres que menor acesso têm à educação pré-escolar e que viram as suas aprendizagens mais penalizadas com o ensino à distância.

Isso mesmo retrata o amplo estudo "Portugal, balanço social 2021", desenvolvido por investigadores da Nova School of Business & Economics, no âmbito de uma parceria com a Fundação La Caixa e o BPI. Tendo por base os dados ainda preliminares do Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos do Instituto Nacional de Estatística, percebemos então que o número de crianças em risco de pobreza aumentou pelo segundo ano consecutivo: em 2020, eram já 20,4%, sendo a faixa etária mais penalizada. O que se explica pelo contexto familiar e laboral do mesmo.

Num acentuar da feminização da pobreza - a taxa aumentou 2,5 pontos percentuais (pp) face a 2019, contra +1,9pp nos homens. Crescimento que se verificou, também, nas famílias com crianças a cargo: quase um quinto, num aumento de 2,7 pp. Enquanto nas famílias sem dependentes a taxa de risco de pobreza subiu para os 17,2% (+1,8 pp).

Realidade monoparental

Mas o maior agravamento registou-se nas famílias monoparentais. Em 2020, 30,2% estavam em risco de pobreza, num aumento de 4,7 pontos percentuais. Em termos de agregados, respondem agora pela maior taxa, seguindo-se as famílias numerosas com dois adultos (29,4%).

A que não é alheio o facto de terem sido as mais afetadas em termos de horas trabalhadas em consequência da crise sanitária espoletada pelo SARS-CoV-2. "No terceiro trimestre de 2020, um adulto, responsável único de uma ou mais crianças, trabalhou, em média, menos 4% do que no mesmo trimestre de 2019", lê-se no documento da autoria de Susana Peralta, Bruno P. Carvalho e Mariana Esteves.

Refira-se que os agregados domésticos monoparentais respondem por 12% do total, sendo que 85% são femininos.

Impacto na Educação

Por outro lado, vincam, "nos anos que antecedem a escolaridade obrigatória, o rendimento da família está relacionado com a frequência da creche e pré-escolar - quase 7 em cada 10 crianças pobres não tem acesso a creche e, entre os 4 e os 7 anos, as mais pobres são as que menos frequentam o pré-escolar". Sendo os primeiros anos de vida "fundamentais para a aquisição de competências cognitivas e não cognitivas que permitem às crianças ter um percurso escolar com mais sucesso", sublinham.

Percurso esse abalado pelo ensino à distância, com os investigadores a notarem que, no ensino obrigatório, foram "estas crianças que tiveram piores resultados do que os de meios socioeconómicos menos desfavorecidos", de acordo com o estudo de diagnóstico feito pelo Instituto de Avaliação Educativa em janeiro de 2021.

"São o grupo mais afetado simplesmente porque a presença de uma criança na família pode levar a criança à pobreza", considera Susana Peralta. Avisando que "ou fazemos alguma coisa, ou daqui a 20/25 anos estarão no mercado de trabalho com menos qualificações".

Há mais idosos pobres e em privação material

Os dados preliminares do INE mostram que, em 2020, foi nos maiores de 65 anos que a taxa de risco de pobreza mais subiu (+2,6 pp), para os 20,1%. "As transferências intergeracionais, de filhos adultos que ajudam os pais", poderá ser uma das explicações, admite Susana Peralta. Em situação de privação material encontravam-se 17,2% e 5,3% em privação severa. Destacando os investigadores que, "quase 50% dos indivíduos com mais de 65 não consegue pagar uma semana anual de férias fora de casa" e "quase um em cada três não tem capacidade de assegurar despesas inesperadas".

2021 melhor
A investigadora Susana Peralta antecipa melhores resultados para 2021. "Quando comparo o segundo trimestre de 2020 [maior impacto da pandemia] com o primeiro trimestre de 2021 [novo impacto] a economia contraiu 16% e 5,4%", respetivamente. "Mostra que houve uma aprendizagem e que as empresas aprenderam a viver com a pandemia".

Pressão nos precários
"A tecnologia permitiu atravessarmos esta crise sem nos afogarmos", apesar de "exacerbar grandes diferenças". Com os maiores impactos a fazerem-se sentir nos contratados a prazo, com menores qualificações e salários mais baixos, explica.