20.1.22

Nem todos os pobres são desempregados. Trabalhar não garante estar livre da pobreza

Joana Nabais Ferreira, in EcoOnline

Em alguns casos, trabalhar não é suficiente para fugir à pobreza. Em Portugal, pelo menos uma em cada dez pessoas empregadas são pobres.

Ter um emprego não é suficiente para afastar uma pessoa da situação de pobreza. Em 2020, mais de uma em cada dez pessoas (11,2%) empregadas em Portugal eram pobres, uma subida em relação aos 9,6% registados no ano anterior. A crise sanitária também aumentou em 2,2 pontos percentuais (p.p.) a taxa de risco de pobreza, que passou para 18,4% em 2020, atingindo particularmente as mulheres, pessoas acima dos 65 anos e famílias monoparentais, revela o relatório anual “Portugal, Balanço Social 2021. Um retrato do país e de um ano de pandemia”, elaborado pela Nova SBE Economics for Policy, divulgado esta terça-feira. Em 2020 havia mais 228 mil pessoas em situação de pobreza.

“O risco de pobreza não atinge da mesma forma todos os grupos da população. Os desempregados são os mais afetados. Entre 2020, a taxa de risco de pobreza dos desempregados atingiu 46,5%, uma subida de 5,8 pontos percentuais face a 2019“, começa por dizer Mariana Esteves, uma das investigadoras envolvidas neste projeto, juntamente com Bruno P. Carvalho e Susana Peralta, à Pessoas.

Risco de pobreza em Portugal aumentou para 18,4% em 2020

“Mas trabalhar também não garante estar livre da pobreza”, alerta. Em 2020, 11,2% dos trabalhadores portugueses eram pobres, o que representa um aumento de 1,6 pontos percentuais quando comparado com a taxa de pobreza verificada em 2019.

Mariana Esteves aponta a “precariedade laboral” e os “salários baixos” que não conseguem suportar “custos de vida elevados” como explicação para esta situação. Como se não bastasse, a pandemia embateu diretamente contra este desafio social, agigantando-o e tornando-a ainda mais evidente, nomeadamente para determinados grupos sociais.

De acordo com os dados do “ICOR 2021”, a taxa de pobreza aumentou em 2020 para 18,4%, 2,2 pontos percentuais acima do valor apurado em 2019, interrompendo a tendência de descida que se observava desde 2015. “Isto significa mais 228 mil pessoas em situação de pobreza, face a 2019″, refere a investigadora.

A investigadora Susana Peralta, na apresentação do relatório anual, salienta que as políticas públicas desenhadas pelo Governo durante o início da pandemia “não foram suficientes” para evitar este aumento de pessoas em situação de pobreza.

“É muita gente que vai parar à pobreza. Obviamente que os apoios sociais não foram capazes de neutralizar o suficiente os efeitos da crise”, refere. E reforça a desigualdade existente no país: “Temos políticas sociais que deixam franjas da população desprotegidas. A nossa manta social está um bocado esburacada.”
Os mais em risco de pobreza

O crescimento da taxa de risco de pobreza foi mais intenso entre as mulheres (com um crescimento de 2,5 pontos percentuais de 2019 para 2020) e também entre as pessoas com mais de 65 anos (2,6 pontos percentuais de aumento).

Quando nasce uma criança, o mesmo rendimento familiar passa a financiar as necessidades de mais uma pessoa. Portanto, é possível que uma família que não seja pobre antes de nascer uma criança passe a sê-lo após o nascimento da filha ou filho.

A taxa de risco de pobreza subiu também para todos os tipos de famílias, sobretudo para as que têm crianças, que sofreram um aumento de 2,7 pontos percentuais. “No caso de famílias com crianças, a situação agrava-se. Há duas razões que explicam isto. A primeira é que, quando nasce uma criança, o mesmo rendimento familiar passa a financiar as necessidades de mais uma pessoa. Portanto, é possível que uma família que não seja pobre antes de nascer uma criança passe a sê-lo após o nascimento da filha ou filho“, começa por explicar.

A segunda razão que aponta tem a ver com a participação no mercado de trabalho, “que pode ficar dificultada pela presença de menores nas famílias”. “Facilmente se percebe que quando se trata de famílias numerosas ou monoparentais esta realidade é ainda mais evidente”, salienta. As famílias monoparentais foram, de facto, as mais sacrificadas, com um aumento da taxa de risco de pobreza na ordem dos 4,7 p.p.

Em termos regionais, a taxa de pobreza cresceu sobretudo na região do Algarve (um aumento de 3,9 pontos percentuais face a 2019). Também os indicadores de desigualdade pioraram entre 2019 e 2020, com especial destaque para a região centro do país, que foi aquela que viu a desigualdade acentuar-se mais significativamente.

“Os mais vulneráveis, com menos rendimentos, com menor nível de escolaridade ou em situações laborais mais precárias foram os mais afetados pela pandemia. As inscrições nos centros de emprego do IEFP aumentaram, sobretudo na região do Algarve, caracterizada por uma grande atividade turística. Perderam-se 260 mil contratos de trabalhadores com escolaridade até ao ensino secundário só em maio de 2020 (pico desde o início da pandemia) e os jovens adultos (entre 25 e 34 anos) registaram-se nos centros de emprego três vezes mais em agosto de 2021 do que em agosto 2019”, comenta a investigadora.

Os mais vulneráveis, com menos rendimentos, com menor nível de escolaridade ou em situações laborais mais precárias foram os mais afetados pela pandemia. As inscrições nos centros de emprego do IEFP aumentaram, sobretudo na região do Algarve, caracterizada por uma grande atividade turística.
Mariana Esteves

Investigadora da Nova SBE Economics for Policy

Já a média de horas semanais trabalhadas diminuiu, principalmente para trabalhadores com salários baixos, jovens e famílias com crianças (mais uma vez, especialmente famílias monoparentais). “Todos estes fatores agravaram a situação já de si vulnerável destas pessoas”, acrescenta Mariana Esteves.

Estado social do país

Já no que toca à taxa de privação material, a evolução foi positiva. Em 2020, 13,5% das pessoas encontravam-se em situação de privação material e 4,6% em situação material severa, menos 1,6 e 1 pontos percentuais face a 2019, respetivamente.

“A situação de privação deve-se sobretudo à dificuldade em usufruir de pelo menos uma semana de férias fora de casa (38%), à dificuldade em fazer face a despesas inesperadas (30,7%), ou a não conseguir manter a casa adequadamente aquecida (17,4%)”, lê-se no relatório desenvolvido no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI e a Nova SBE.

No entanto, as famílias pobres têm piores condições habitacionais, uma saúde pior e mais dificuldade em aceder a cuidados médicos. Em 2020, 14,3% das famílias pobres viviam em alojamentos sobrelotados, face a 9% da população total. Além disso, 22,9% das famílias pobres classificam o seu estado de saúde como “mau” ou “muito mau”. E 18,9% indica ainda que, pelo menos numa ocasião, não conseguiu aceder a uma consulta ou tratamento de medicina dentária.

Estado vai dar cheques às famílias para financiar obras

No caso das pessoas com mais de 65 anos, mais de 17% estava em situação de privação material: 26% vivia em casas com telhado, paredes, janelas e/ou chão permeáveis a água ou apodrecidos e 24% em casas sem aquecimento adequado. Entre as pessoas pobres, mais de 43% não consegue manter a casa aquecida, o que evidencia a situação de pobreza energética vivida no país.


(Notícia atualizada às 13h03 com declarações da investigadora Susana Peralta durante a apresentação do relatório anual)