Nove em cada dez pessoas não está confortável com a temperatura dentro de casa. Mas o frio não causa apenas incómodo, pode mesmo matar. Por ano, há centenas senão milhares de portugueses que morrem por as casas não terem condições térmicas condignas. Retrato de um país que bate o dente dentro de portas.
Os portugueses a nível europeu são dos que mais sofrem as consequências da pobreza energética das casas em que vivem. Foto: Miguel Pereira Da Silva/EPA
José Augusto tem 72 anos e uma casa gelada à espera. Garante que depende dos dias, mas em média no interior da habitação estão entre 12 e 14 graus. Na aldeia de Cortiçô da Serra, em Celorico de Basto, no interior do país, esta é uma história que se repete quase porta sim, porta sim. “É horrível, é muito frio”, afirma o reformado, ex-emigrante na Alemanha.
José pertence aos 88% de portugueses que, segundo o Portal da Construção Sustentável (PCS) através de um inquérito feito em março deste ano, não se sentem confortáveis dentro de casa devido ao frio ou ao calor. Ou seja, apenas 1 em cada 10 portugueses vive numa casa em que a temperatura é satisfatória.
O mesmo relatório afiança que os que conseguem manter a casa a uma temperatura agradável têm um aumento significativo da conta de energia − pode levar a um agravamento de 50% na fatura.
Mas não é só na carteira que este fenómeno tem impacto. Aliás, o principal problema é as consequências negativas que tem para a saúde dos portugueses. Segundo o inquérito PCS, 15% dos inquiridos têm alguém em casa com problemas de saúde que decorrem da falta de condições térmicas.
Faz tanto frio nesta escola de Barcelos que há quem entre em hipotermia
O problema é, muitas vezes, mais grave, como confirma o diretor do departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, Carlos Dias. À Renascença, não tem dúvidas em confirmar a correlação entre a precariedade das habitações e o aumento de mortes que todos os anos, no inverno, se contabilizam em Portugal.
Em relação às que possam ser imputadas ao frio, garante que há anos em que podem ser mais de mil, mas que em média se situam nas largas centenas por ano.
Aquecidos a lenha
Em Portugal, o problema da pobreza energética é sério. É o quarto país da Europa em pior situação (dados do Eurostat). Facto que decorre, muitas vezes, de outro tipo de pobreza − a socioeconómica. Na aldeia do distrito da Guarda em que José Augusto habita, o ex-emigrante lembra que “os ordenados que recebem não dão para as pessoas viverem com condições”.
Portugal sempre foi um país pobre, onde se negligenciou o conforto térmico”, diz João Pedro Gouveia, Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade.
Para aquecer a casa no inverno, ele teve de ir comprar “duas carradas” de lenha. Gastou 400 euros. Mas nem todos têm esse dinheiro. Mesmo para ele, que até pode pagar, os cobertores − uns em cima dos outros − são a solução, frequentemente mais eficaz para combater as baixas temperaturas daquela zona serrana. “Passa-se frio. Isso nem é bom falar”, remata.
O recente inquérito do INE e do Direção-Geral de Engenharia e Geologia revela que a segunda fonte de energia mais consumida nas casas é a lenha. Primeiro, a eletricidade, depois lenha. O gás aparece já muito depois.
"Em minha casa estão entre os 12.5 graus e os 14 graus, depende dos dia... é conforme o tempo dá", José Augusto, morador de Cortiçô da Serra
Um outro estudo da PCS com a Quercus, em 2017, chegou à conclusão de que 20% da população refere “que usa apenas roupa e cobertores como estratégia de melhorar o seu conforto térmico”.
Em Lisboa, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, o professor João Pedro Gouveia, investigador do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, fala de um “problema estrutural do país”, que tem uma longa história, mas se intensificou nas décadas de 1970, 1980 e 1990, anos em que a migração de populações do campo para a cidade fez com que se construísse “mal, rápido e barato”.
Segundo dados do Observatório da Energia (ADENE) cerca de 70% das habitações atualmente certificadas têm baixa eficiência energéticas (C ou menos).
“Houve muitas pessoas que passaram das zonas rurais para as grandes cidades. Foi preciso construir rápido e a baixo custo. Portugal sempre foi um país pobre, onde se negligenciou o conforto térmico”, afirma.
O especialista aponta ainda outro número contundente. “Temos bastante mais de 80% dos edifícios com má qualidade de construção, falta de isolamento e com vidros simples. Por isso, temos um problema tão grande de eficiência energética agora”, reconhece.
Em Portugal, 70% das habitações atualmente certificadas têm baixa eficiência energéticas. Foto: EPA
O inquérito anual da União Europeia sobre o Rendimento e as Condições de Vida indica que em Portugal é o segundo país em que mais pessoas detetam “infiltrações, humidade e decomposição” em casa. São 25,2% a responder afirmativamente a esta questão, um valor só superado pelo Chipre.
Mais confortável na rua do que em casa
De regresso à Guarda, junto ao campus universitário, a Renascença encontra-se com dois estudantes deslocados. Vêm de um país com calor, São Tomé e Príncipe. A transição de um clima tropical para o rigor do Interior de Portugal nunca seria suave. Mas as condições das casas que encontraram naquela cidade acentuaram os problemas de adaptação ao clima.
António Cardoso, de 26 anos, está no segundo ano da licenciatura de Recursos Humanos e começa por dizer que vive num apartamento frio. Tão frio, que não tem pejo em dizer: “Estar na rua é mais confortável do que estar dentro de casa”, ilustra.
“As casas não têm aquecimento, não têm as condições mínimas para as pessoas ficarem dentro de casa”, sentencia.
"Somos o país da Europa com mais dias de sol num ano e não faz sentido termos casas tão geladas", diz Aline Guerreiro do Portal de Construção Sustentável.
Isso, claro está, “dificulta o estudo” a ele e aos colegas de curso. A solução são “edredons, cobertores e vestir bastante roupa”. E o aquecedor? É mesmo o último recurso, porque “quando vem a fatura, aumenta-a. Não temos como ligar. Não conseguimos pagar no final do mês”.
Por isso, não tem dúvidas, mal acabe o curso “não queremos nem pensamos ficar aqui”. E não é só a falta de emprego na Guarda que contribui para a decisão. O frio é um fator decisivo.
Ao lado, a compatriota e colega em Recursos Humanos, Leonilde Cravide, de 24 anos, faz o mesmo diagnóstico sintético das casas: “Muito frias”. E lembra o choque quando chegou à cidade. “Os dedos começaram a inchar, fiquei cheia de gripe, agora estou a habituar-me”, afiança.
Olhar para o acessório e não para o estrutural
Aline Guerreiro, CEO do Portal de Construção Sustentável, sublinha um paradoxo difícil de explicar. “Somos o país da Europa com mais dias de sol num ano e não faz sentido termos casas tão geladas, tão frias e que se comportam tão mal, principalmente no inverno”, defende.
A especialista lamenta que quem constrói em grande escala, edifícios multifamiliares, tenha no pensamento “vender num curto espaço de tempo”. “A casa é vendida e tem no máximo cinco anos de garantia. Quando a pessoa se apercebe de problemas graves, de patologias da construção, acontece depois dos tais cinco anos”, defende.
Aline pormenoriza as razões que contribuem para a baixa eficiência energética dos edifícios.
“Os materiais que não se veem, como os do isolamento – um dos fatores mais decisivos para a casa ter ou não conforto – é o que mais sofre. É colocado o que está mais barato no mercado. A pessoa que compra pensa em que acabamentos tem a casa, que pavimento foi colocado, se tem banheira de hidromassagem e não pensa na orientação solar, na colocação de isolamento e dos caixilhos mais eficientes. O comum utilizador não sabe”, concretiza.
Isso tem como consequência que “só 12% dos portugueses se sentem confortáveis nas casas que habitavam”, segundo o último inquérito da PCS. Muitas dessas casas “posso garantir que eram recentes com cinco ou 10 anos de existência, e as pessoas tinham problemas de humidade, de frio, outras de calor”.
Frio em novembro fez disparar consumo de eletricidade
Os números têm rostos e muitos espalhados por todo o país. Segundo os últimos dados divulgados pelo Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, os municípios em que a vulnerabilidade à pobreza energética é mais intensa concentram-se no interior, com o Alto Tâmega, Viseu Dão Lafões e o Douro à cabeça. Os municípios em pior condição são Valpaços, Ribeira de Pena e Penalva do Castelo.
Também no interior do país, em Verdelhos, na Covilhã, está Cristiana Pereira que, aos 25 anos, trabalha no café da aldeia.
Olha para as casas que a rodeiam e dispara: “Não são isoladas, não têm vidros duplos e as pessoas aquecem-nas à base de uma pequena lareira”.
As consequências desta situação, segundo Cristiana, são problemas de saúde. “Na época mais fria as pessoas apanham mais facilmente gripes e constipações por terem tão poucas defesas”, analisa.
"Só 12% dos portugueses se sentem confortáveis nas casas que habitavam, e muitas dessas casas, posso garantir que eram casas recentes com cinco ou dez anos de existência", Aline Fernandes, CEO do Portal da Construção Sustentável.
No ano passado, o Eurostat, base de dados estatística da União Europeia, apontava Portugal como o quarto país em que há maior incapacidade de manter a habitação quente, num total de 17,5%.
O diretor do departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, Carlos Dias, diz que é comummente sabido que “temperaturas muito extremas, sejam elas muito elevadas, ou muito baixas, estão relacionadas com problemas respiratórios e em especial problemas cardiovasculares”.
Isto porque, explica, “o nosso coração tem de fazer um esforço maior para bombear ar que esteja poluído, ou com menos oxigénio, ou mais frio. Todos estes fatores podem causar doença ou agravar doenças já existentes como a bronquite, a doença pulmonar obstrutiva crónica, a asma”.
O inquérito anual da União Europeia sobre o Rendimento e as Condições de Vida indica que em Portugal é o segundo país em que mais pessoas detetam “infiltrações, humidade e decomposição” em casa. São 25,2% a responder afirmativamente a esta questão, um valor só superado pelo Chipre.
Mais confortável na rua do que em casa
De regresso à Guarda, junto ao campus universitário, a Renascença encontra-se com dois estudantes deslocados. Vêm de um país com calor, São Tomé e Príncipe. A transição de um clima tropical para o rigor do Interior de Portugal nunca seria suave. Mas as condições das casas que encontraram naquela cidade acentuaram os problemas de adaptação ao clima.
António Cardoso, de 26 anos, está no segundo ano da licenciatura de Recursos Humanos e começa por dizer que vive num apartamento frio. Tão frio, que não tem pejo em dizer: “Estar na rua é mais confortável do que estar dentro de casa”, ilustra.
“As casas não têm aquecimento, não têm as condições mínimas para as pessoas ficarem dentro de casa”, sentencia.
"Somos o país da Europa com mais dias de sol num ano e não faz sentido termos casas tão geladas", diz Aline Guerreiro do Portal de Construção Sustentável.
Isso, claro está, “dificulta o estudo” a ele e aos colegas de curso. A solução são “edredons, cobertores e vestir bastante roupa”. E o aquecedor? É mesmo o último recurso, porque “quando vem a fatura, aumenta-a. Não temos como ligar. Não conseguimos pagar no final do mês”.
Por isso, não tem dúvidas, mal acabe o curso “não queremos nem pensamos ficar aqui”. E não é só a falta de emprego na Guarda que contribui para a decisão. O frio é um fator decisivo.
Ao lado, a compatriota e colega em Recursos Humanos, Leonilde Cravide, de 24 anos, faz o mesmo diagnóstico sintético das casas: “Muito frias”. E lembra o choque quando chegou à cidade. “Os dedos começaram a inchar, fiquei cheia de gripe, agora estou a habituar-me”, afiança.
Olhar para o acessório e não para o estrutural
Aline Guerreiro, CEO do Portal de Construção Sustentável, sublinha um paradoxo difícil de explicar. “Somos o país da Europa com mais dias de sol num ano e não faz sentido termos casas tão geladas, tão frias e que se comportam tão mal, principalmente no inverno”, defende.
A especialista lamenta que quem constrói em grande escala, edifícios multifamiliares, tenha no pensamento “vender num curto espaço de tempo”. “A casa é vendida e tem no máximo cinco anos de garantia. Quando a pessoa se apercebe de problemas graves, de patologias da construção, acontece depois dos tais cinco anos”, defende.
Aline pormenoriza as razões que contribuem para a baixa eficiência energética dos edifícios.
“Os materiais que não se veem, como os do isolamento – um dos fatores mais decisivos para a casa ter ou não conforto – é o que mais sofre. É colocado o que está mais barato no mercado. A pessoa que compra pensa em que acabamentos tem a casa, que pavimento foi colocado, se tem banheira de hidromassagem e não pensa na orientação solar, na colocação de isolamento e dos caixilhos mais eficientes. O comum utilizador não sabe”, concretiza.
Isso tem como consequência que “só 12% dos portugueses se sentem confortáveis nas casas que habitavam”, segundo o último inquérito da PCS. Muitas dessas casas “posso garantir que eram recentes com cinco ou 10 anos de existência, e as pessoas tinham problemas de humidade, de frio, outras de calor”.
Frio em novembro fez disparar consumo de eletricidade
Os números têm rostos e muitos espalhados por todo o país. Segundo os últimos dados divulgados pelo Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, os municípios em que a vulnerabilidade à pobreza energética é mais intensa concentram-se no interior, com o Alto Tâmega, Viseu Dão Lafões e o Douro à cabeça. Os municípios em pior condição são Valpaços, Ribeira de Pena e Penalva do Castelo.
Também no interior do país, em Verdelhos, na Covilhã, está Cristiana Pereira que, aos 25 anos, trabalha no café da aldeia.
Olha para as casas que a rodeiam e dispara: “Não são isoladas, não têm vidros duplos e as pessoas aquecem-nas à base de uma pequena lareira”.
As consequências desta situação, segundo Cristiana, são problemas de saúde. “Na época mais fria as pessoas apanham mais facilmente gripes e constipações por terem tão poucas defesas”, analisa.
"Só 12% dos portugueses se sentem confortáveis nas casas que habitavam, e muitas dessas casas, posso garantir que eram casas recentes com cinco ou dez anos de existência", Aline Fernandes, CEO do Portal da Construção Sustentável.
No ano passado, o Eurostat, base de dados estatística da União Europeia, apontava Portugal como o quarto país em que há maior incapacidade de manter a habitação quente, num total de 17,5%.
O diretor do departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge, Carlos Dias, diz que é comummente sabido que “temperaturas muito extremas, sejam elas muito elevadas, ou muito baixas, estão relacionadas com problemas respiratórios e em especial problemas cardiovasculares”.
Isto porque, explica, “o nosso coração tem de fazer um esforço maior para bombear ar que esteja poluído, ou com menos oxigénio, ou mais frio. Todos estes fatores podem causar doença ou agravar doenças já existentes como a bronquite, a doença pulmonar obstrutiva crónica, a asma”.
O frio mata em Portugal. Especialista do INSA diz que em média são centenas de pesssoas a morrer por ano por causa da temperatura baixa. Foto: Sofia Freitas Moreira/RR
As causas, diz, são a falta de isolamento térmico das habitações que leva a que haja dificuldade de manter uma temperatura confortável e a que as casas sejam mais húmidas e mais frias.
“Nos dias de frio, as casas mal isoladas, mal ventiladas, podem contribuir para o agravar da doença existente ou desencadear de crises de doença das pessoas que estão dentro dessas casas”, assegura.
Carlos Dias acrescenta que a relação destes fatores com a doença e com a morte estão estudadas. “A mortalidade no hemisfério norte é sempre maior nos meses mais frios. Mesmo removendo os efeitos de outros fatores, a mortalidade era maior quanto mais frio estivesse. Se temos habitações com deficiente conforto térmico, é claro que está correlacionado com o maior risco de mortalidade”, sublinha.
A Healthy Homes Barometer 2019 identifica Portugal como o país da UE com maior percentagem de crianças (51%) com risco elevado de viver em habitações com más condições de saúde.
Gastar 20% da pensão para se aquecer
Na aldeia de Cortiçô da Serra, o agricultor Manuel José solta o lamento. “Quem é pobre tem de ir à lenha”.
"Tivémos anos em que o excesso de mortalidade devido às temperaturas baixas, excluindo gripe foi de centenas ou perto do milhar de óbitos", Carlos Dias, diretor do departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge..
Não tem aquecimento em casa, apenas a lareira. Para se manter quente gasta 10 quilos de lenha por noite. “Se não tiver a lareira acesa estão quatro ou cinco graus [em casa], com a lareira pode ir aos 15 a 16 graus”, especifica.
Numa situação igualmente muito complicada está Maria Henriqueta, de 86 anos. Ali naquela aldeia do distrito da Guarda, quando faz frio, faz mesmo frio.
"Nos dias de frio, as casas mal isoladas, mal ventiladas, podem contribuir para o agravar da doença existente ou desencadear de crises de doença", diz Carlos Dias, diretor do departamento de epidemiologia do INSA.
Ela não usa lareiras, nem lenha. “Aqueço-me com as botijas”. Por elas paga 27 euros por cada uma. Por mês gasta duas. Levam-lhe quase 20% dos pouco mais de 300 euros de pensão que recebe por mês.
O especialista João Pedro Gouveia diz que para solucionar estes problemas que existem de norte a sul do país há que apostar no isolamento, através da alteração de janelas, a instalação de vidros duplos, de caixilharias de qualidade.
As causas, diz, são a falta de isolamento térmico das habitações que leva a que haja dificuldade de manter uma temperatura confortável e a que as casas sejam mais húmidas e mais frias.
“Nos dias de frio, as casas mal isoladas, mal ventiladas, podem contribuir para o agravar da doença existente ou desencadear de crises de doença das pessoas que estão dentro dessas casas”, assegura.
Carlos Dias acrescenta que a relação destes fatores com a doença e com a morte estão estudadas. “A mortalidade no hemisfério norte é sempre maior nos meses mais frios. Mesmo removendo os efeitos de outros fatores, a mortalidade era maior quanto mais frio estivesse. Se temos habitações com deficiente conforto térmico, é claro que está correlacionado com o maior risco de mortalidade”, sublinha.
A Healthy Homes Barometer 2019 identifica Portugal como o país da UE com maior percentagem de crianças (51%) com risco elevado de viver em habitações com más condições de saúde.
Gastar 20% da pensão para se aquecer
Na aldeia de Cortiçô da Serra, o agricultor Manuel José solta o lamento. “Quem é pobre tem de ir à lenha”.
"Tivémos anos em que o excesso de mortalidade devido às temperaturas baixas, excluindo gripe foi de centenas ou perto do milhar de óbitos", Carlos Dias, diretor do departamento de epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge..
Não tem aquecimento em casa, apenas a lareira. Para se manter quente gasta 10 quilos de lenha por noite. “Se não tiver a lareira acesa estão quatro ou cinco graus [em casa], com a lareira pode ir aos 15 a 16 graus”, especifica.
Numa situação igualmente muito complicada está Maria Henriqueta, de 86 anos. Ali naquela aldeia do distrito da Guarda, quando faz frio, faz mesmo frio.
"Nos dias de frio, as casas mal isoladas, mal ventiladas, podem contribuir para o agravar da doença existente ou desencadear de crises de doença", diz Carlos Dias, diretor do departamento de epidemiologia do INSA.
Ela não usa lareiras, nem lenha. “Aqueço-me com as botijas”. Por elas paga 27 euros por cada uma. Por mês gasta duas. Levam-lhe quase 20% dos pouco mais de 300 euros de pensão que recebe por mês.
O especialista João Pedro Gouveia diz que para solucionar estes problemas que existem de norte a sul do país há que apostar no isolamento, através da alteração de janelas, a instalação de vidros duplos, de caixilharias de qualidade.
A lenha é a segunda fonte de energia mais consumida pelos portugueses. Só superada pela electricidade. Foto: Joana Bourgard/RR
“Só depois é que entra a parte do consumo e das soluções de equipamentos mais eficientes, como substituir lareiras por ar condicionado”, elucida.
Por último, defende a introdução de energias renováveis, como a solar, descentralizada nas habitações. “[Esta solução] ataca a falta de eficiência dos edifícios, os baixos rendimentos da população e os altos preços da energia”, valoriza.
Ministro fala de um país numa condição frágil
O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, reconhece que Portugal é “um dos países que está numa condição mais frágil” no que diz respeito à pobreza energética. “A pobreza energética em Portugal vai muito além das famílias pobres e nunca houve em Portugal uma tradição de conforto térmico nos edifícios”, analisa.
Em relação ao que o Governo fez nos últimos seis anos, o ministro diz que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está a canalizar verbas para resolver estes problemas, ou pelo menos minorá-los.
"Não temos uma lógica paternalista. Não sou ninguém para dizer a uma família o que é melhor para essa família (...) Cabe às pessoas fazerem as suas opções tendo em conta as suas necesidade", João Matos Fernandes, ministro do Ambiente.
São 300 milhões de euros para gastar, sendo que o Governo estabeleceu como meta, até 2030, resolver os problemas de eficiência energética em 35% dos edifícios.
Para isso criou dois programas que servem para, através de apoios diretos às famílias, pagar na totalidade ou parcialmente um conjunto diverso de investimentos que vão desde a substituição de janelas, a portas novas, a revestimentos dos edifícios, a aquisição de painéis solares e à compra de equipamentos mais eficientes.
"A pobreza energética em Portugal vai muito além das famílias pobres", diz João Matos Fernandes, ministro do Ambiente
O primeiro programa é o “Edifícios Eficientes” que já tem mais de 50 mil candidaturas e em que a comparticipação nos investimentos pode ir até aos 85%.
O segundo, o “Vale Eficiência”, é dedicado às 800 mil famílias que estão em pobreza energética e que beneficiam da tarifa social de energia. Há até agora 11 mil candidaturas submetidas.
“Pagamos a 100%, à cabeça, damos um vale. Essas famílias, por terem menos dinheiro, não têm de pagar primeiro e vir buscar o dinheiro depois. Já distribuímos mais de 2.500 vales, mais de quatro milhões de euros”, quantifica.
“Só depois é que entra a parte do consumo e das soluções de equipamentos mais eficientes, como substituir lareiras por ar condicionado”, elucida.
Por último, defende a introdução de energias renováveis, como a solar, descentralizada nas habitações. “[Esta solução] ataca a falta de eficiência dos edifícios, os baixos rendimentos da população e os altos preços da energia”, valoriza.
Ministro fala de um país numa condição frágil
O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, reconhece que Portugal é “um dos países que está numa condição mais frágil” no que diz respeito à pobreza energética. “A pobreza energética em Portugal vai muito além das famílias pobres e nunca houve em Portugal uma tradição de conforto térmico nos edifícios”, analisa.
Em relação ao que o Governo fez nos últimos seis anos, o ministro diz que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está a canalizar verbas para resolver estes problemas, ou pelo menos minorá-los.
"Não temos uma lógica paternalista. Não sou ninguém para dizer a uma família o que é melhor para essa família (...) Cabe às pessoas fazerem as suas opções tendo em conta as suas necesidade", João Matos Fernandes, ministro do Ambiente.
São 300 milhões de euros para gastar, sendo que o Governo estabeleceu como meta, até 2030, resolver os problemas de eficiência energética em 35% dos edifícios.
Para isso criou dois programas que servem para, através de apoios diretos às famílias, pagar na totalidade ou parcialmente um conjunto diverso de investimentos que vão desde a substituição de janelas, a portas novas, a revestimentos dos edifícios, a aquisição de painéis solares e à compra de equipamentos mais eficientes.
"A pobreza energética em Portugal vai muito além das famílias pobres", diz João Matos Fernandes, ministro do Ambiente
O primeiro programa é o “Edifícios Eficientes” que já tem mais de 50 mil candidaturas e em que a comparticipação nos investimentos pode ir até aos 85%.
O segundo, o “Vale Eficiência”, é dedicado às 800 mil famílias que estão em pobreza energética e que beneficiam da tarifa social de energia. Há até agora 11 mil candidaturas submetidas.
“Pagamos a 100%, à cabeça, damos um vale. Essas famílias, por terem menos dinheiro, não têm de pagar primeiro e vir buscar o dinheiro depois. Já distribuímos mais de 2.500 vales, mais de quatro milhões de euros”, quantifica.
O ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, diz que os dois programas que lançou de combate à pobreza energética não querem ter uma atitude paternalista em relação aos portugueses. Foto: Estela Silva/Lusa
O governante afirma que os números são satisfatórios porque os programas foram lançados há pouco tempo. “Mentiria se dissesse que temos a ambição de resolver os problemas todos com o valor que está em causa. Sabemos bem que o esforço que temos é muito grande, porque as condições de partida são muito frágeis, mas de facto estamos com o ‘Vale Eficiência’ a criar condições para chegar a 100 mil famílias, ou seja, a 100 mil habitações”, promete.
O professor João Pedro Gouveia, que além de membro do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, também pertence ao grupo que analisa as candidaturas destes dois programas, diz que os mesmos vão no caminho, mas são insuficientes.
"Dois terços ou mais do que isso [das candidaturas ao Edíficios Eficientes] são bombas de calor, climatização ativa, ou seja, gastar dinheiro para consumir energia”, diz João Pedro Gouveia.
“Temos um estudo recente em que identificámos os custos totais para renovar os edifícios de forma passiva: substituição de janelas, paredes, isolamento de paredes e telhados, em perto de 70 mil milhões de euros. O PRR aloca 300 milhões de euros”, compara.
O especialista diz que esta é uma transformação muito exigente. Quando se reconhece que mais de 70% dos edifícios não são eficientes em termos energéticos, “estamos a falar de que quase todos os edifícios portugueses deviam ser renovados”.
"Temos entre 70 a 80% dos edificios com má qualidade de construção, falta de isolamento e vidros simples. Por isso, temos um problema tão grande de eficiência energética agora", João Pedro Gouveia, Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade .
Para João Pedro Gouveia estes programas deviam dar um sinal diferente e atribuir prioridade ao isolamento e proteção exterior dos edifícios. Isso não acontece, pelo que é dado igual apoio a bombas de calor que promovem um consumo ativo de energia, ou a uma janela, ou a um solar fotovoltaico.
O especialista diz que até agora “dois terços ou mais do que isso [das candidaturas] são bombas de calor, climatização ativa, ou seja, gastar dinheiro para consumir energia”
“As pessoas não têm tanto interesse em fazer isolamento nas suas casas, é mais difícil arranjar empresas [para o fazer]”, afiança.
O mesmo ponto é focado por Aline Fernandes que argumenta que “um dos erros do Governo são os vouchers que estão a dar para a aquisição de equipamentos em famílias com rendimentos reduzidos”, isto porque, “por muito eficientes que os equipamentos sejam, é fazer com que consumam mais energia”.
Mais de 3.000 pessoas terão morrido devido à gripe em Portugal na época passada
O ministro Matos Fernandes, confrontado com o facto de as pessoas estarem a privilegiar equipamentos para aquecer o interior das casas ao invés de apostarem no isolamento das casas, responde: “Não temos uma lógica paternalista. Não sou ninguém para dizer a uma família o que é melhor para essa família. Abrimos um leque de possibilidades de financiamento em coisas muito diversas, desde equipamentos, a obras nas frações. Cabe às pessoas fazerem as suas opções tendo em conta as suas necessidades, para terem uma casa mais confortável em que paguem menos eletricidade”.
A líder do Portal da Construção Sustentável argumenta, por outro lado, que o primeiro programa “Edifícios Eficientes” parecia melhor do que a segunda versão.
“Nesse faziam menção à utilização de materiais de qualidade, naturais, que tivessem menor impacto ambiental e melhores resultados em termos práticos, e nesta segunda candidatura já abriram aos materiais mais baratos e com menos qualidade. Apesar de o financiamento não ser tão alto para os materiais menos amigos do ambiente e que derivam de combustíveis fósseis”, releva.
"Estar na rua é mais confortável do que estar dentro de casa", António Cardoso, estudante do Politécnico da Guarda.
Em relação a este ponto, Matos Fernandes lembra que “se inicialmente quisemos reduzir a materiais sustentáveis, o mercado não deu uma resposta”. Por isso, “alargámos a mercados mais comuns e comummente utilizados na construção civil”.
Falta de conhecimento
Um outro handicap do programa, identificado por João Pedro Gouveia, é o da falta de conhecimento das pessoas do que é melhor para a sua casa. “No ‘Vale Eficiência’, o Governo está a dar, em abstrato, 1600 euros para gastarem. As pessoas, se calhar, não estão a fazer a melhor opção. Estão a gastar na bomba de calor e, se calhar, deviam gastar nas janelas e no isolamento. Devia haver uma ajuda de especialistas e técnicos para ajudar as pessoas a decidir”, identifica.
"Há um hiato enorme entre a população que precisava desta ajuda e a grande maioria desconhece", diz João Pedro Gouveia.
E depois questiona o acesso que as pessoas estão a ter aos programas, até porque em zonas rurais, de baixa escolaridade, afirma, o conhecimento para lidar com candidaturas e regulamentos não é muito.
“Será que os programas estão a chegar às pessoas que mais precisam? Temos dois ou três milhões de portugueses em pobreza energética, 800 mil pessoas com tarifa social, e os vales eficiência apoiam 20 mil famílias”, quantifica.
Portugal é o 4º país em que há maior incapacidade de manter a habitação quente, num total de 17,5%. Foto: RR
Por isso, diz que há “um hiato enorme entre a população que precisa desta ajuda e a grande maioria desconhece”. “E mesmo quem conhece não sabe lidar com regulamentos nem plataformas digitais para terem a ajuda de que precisam”, analisa.
O investigador da Universidade Nova pertence à Energy Poverty Advisory Hub, uma organização que promove o papel dos municípios e das regiões para serem os agentes de apoio. “Não podemos pensar que o Governo consegue chegar a toda a gente de forma próxima. Quem tem esse papel? Associações locais, centros de saúde e paróquias”, explica.
Longe destas discussões, mas com o frio muito perto, em Cortiçô da Serra, Aida Simões, agricultora, de 58 anos, é mais uma moradora que fala da necessidade de ter lenha para se poder aquecer. Se não há, as casas gelam.
“Aqui há muitas pessoas que passam frio, os velhotes que não podem comprar lenha é complicado”, remata.