6.1.22

O direito à energia

Andreia Galvão, in P3

Segundo António Costa, para a transição energética ser bem-sucedida não pode ter só bons resultados ambientais, mas “precisa também ser justa e ser inclusiva, não deixando ninguém para trás”, realçando o trabalho desenvolvido ao longo dos últimos meses com empresas, os sindicatos e a Câmara Municipal de Abrantes. O primeiro-ministro fez questão de deixar isto explícito há duas semanas em relação ao fim da exploração de carvão na central do Pego.

Esta afirmação surge como correcção do discurso e das políticas que foram fortemente criticadas pelo movimento social aquando do encerramento das centrais de Sines e de Matosinhos. A central do Pego trouxe melhores compromissos do Governo face à situação laboral das pessoas impactadas - no entanto, as promessas precisam de ser cumpridas.

O caso da transição energética no nosso país é crucial para analisar se existe, de facto, energia para todos.

Segundo o Observatório da União Europeia para a Pobreza Energética, mais de 50 milhões de famílias europeias vivem em pobreza energética. Apesar desta realidade não ser apenas portuguesa, o nosso país está longe de ficar bem no retrato a nível europeu: como é possível confirmar na tabela anterior, Portugal aparece no fundo da mesma, em 25.º lugar, como um dos países com maior nível de pobreza energética da Europa. Publicado em 2016 no Journal of Public Health, com base nas estatísticas entre 1980 e 2013, um ranking do excesso de mortalidade no Inverno em 30 países europeus (que, no entanto, não se refere apenas à pobreza energética como causa), revelou Portugal em segundo lugar, só atrás de Malta, com um acréscimo médio de 28% nas mortes ocorridas entre Dezembro e Março face às que têm lugar nos meses mais quentes.

Importa não só falar nas assimetrias de acesso à energia, distinguidas por factores de classe, género e étnico-raciais, mas importa falar sobre o controlo público da energia no nosso país. O sector energético está dominado por interesses privados que colocam a vontade lucrativa face às reais necessidades das populações - se assim não fosse, a equidade de acesso seria bastante mais alargada. O que este cenário tem demonstrado não é uma adaptação rápida e estrutural às urgências que a crise climática impõe. Embora o nosso país tenha algumas políticas sólidas nos sectores de energias renováveis, quando falamos sobre energia eólica passamos de cerca de 1% de energia produzida por esta fonte em 2000 para cerca de 23% em 2016. Temos vindo a reduzir ligeiramente as nossas dependências de combustíveis fósseis.




Esta diminuição é, no entanto, meramente performativa do que é preciso para mudar radicalmente tudo. É preciso tocar onde dói, nomeadamente nos monopólios de energia que têm vindo a ser inúmeras vezes denunciados por activistas, que prometem “políticas verdes” através de processos de greenwashing, mantendo todas as políticas de exploração, de neocolonialismo. Estamos a pensar, por exemplo, no caso de Cabo Delgado e da GALP ou no caso da Total, que tem desalojado tantas comunidades da linha da frente dos impactos da crise climática, reproduzindo a violência colonial.

Dizer que estamos no bom caminho para a transição energética, quer no nosso país quer a nível global, seria ignorar os sinais de emergência lançados na primeira parte do sexto relatório do IPCC, segundo o qual, a menos que haja reduções nas emissões de gases de efeito estufa imediatas, rápidas e em larga escala, o aquecimento global ultrapassará os 1,5ºC. Isto implica alterações profundas e urgentes no centro da política e da economia: terminar com a ideia insustentável e fantasiosa de que é possível manter um desenvolvimento infinito sobre recursos finitos.

Por mais que a política institucional insista em brincar aos fósseis (o relatório Drill, baby drill indica que a nível global vão ser explorados mais novos 800 poços de petróleo e óleo até ao final de 2022), o movimento social está forte nas ruas e em permanente oposição com a lógica de que é demasiado difícil garantir a nossa subsistência