Inquérito do Instituto Nacional de Estatística, baseado nos rendimentos de 2020, mostra que 18,4% dos portugueses estão agora em risco de pobreza, mais 2,2 pontos percentuais do que no ano anterior à pandemia.
A pandemia empobreceu as mulheres, sobretudo as mulheres mais idosas. Foram pelo menos estas as mais afectadas pelo crescimento do risco de pobreza, que aumentou 2,2 pontos percentuais no ano passado. Passou de 16,2% da população em 2019 para os 18,4%, segundo o Instituto Nacional de Estatística, que conta agora quase 1,9 milhões de portugueses em risco de pobreza.
Aumentar
Este aumento, no primeiro ano marcado pelo impacto social e económico da pandemia, inverte a tendência decrescente da taxa de risco de pobreza que se vinha observando desde 2015. Entre 2019 e 2020, houve mais de 228 mil pessoas cujas vidas passaram a estar sob a ameaça da pobreza, isto é, que vivem com menos de 554 euros mensais (6653 por ano).
Segundo o INE, o risco de pobreza fustigou mais as mulheres portuguesas, entre as quais o aumento foi de 2,5 pontos percentuais. Neste grupo, a taxa de risco de pobreza passou de 16,7% em 2019 para os 19,2% do ano passado. No caso particular das mulheres idosas, o aumento foi de três pontos percentuais: de 19,5% para 22,5%.
Entre os menores de 18 anos, o risco de pobreza aumentou de 19,1% para 20,4%. E recorde-se, a propósito, que a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP) 2021-2030, aprovada esta semana em Conselho de Ministros, propõe precisamente que crianças e jovens passem a estar no centro das políticas de combate à pobreza. Até 2030, o Governo pretende retirar 660 mil pessoas da pobreza, incluindo 170 mil crianças e jovens e 230 mil trabalhadores.
O INE calcula que o risco de pobreza para a população empregada aumentou 1,6 pontos percentuais, tendo atingido uma taxa de 11% – o valor mais alto dos últimos dez anos. Sem surpresas, a pobreza entre os desempregados aumentou mais substancialmente. Foi de 46,5% em 2020, mais 5,9 pontos percentuais do que no ano anterior à pandemia.
Nem roupa nova, nem calçado ou dinheiro no bolso
Se ao risco de pobreza somarmos o de exclusão social, aumentaram para 2,3 milhões os portugueses, que, além auferirem rendimentos abaixo dos referidos 554 euros mensais (6653 euros anuais), vivem em agregados familiares com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa. No indicador “taxa de risco de pobreza ou exclusão social”, o aumento foi de 2,4 pontos percentuais, fixando-se agora nos 22,4%.
Recorde-se que houve alterações recentes na metodologia usada nestas cálculos – por exemplo, a intensidade laboral per capita muito reduzida, que abarca os adultos que trabalharam em média menos de 20% do tempo de trabalho disponível, passou a abranger as pessoas até aos 64 anos de idade (antes considerava apenas idades até aos 59 anos).
Por seu turno, a privação material severa, que media as dificuldades de acesso a um conjunto de nove itens (desde a dificuldade em manter a casa aquecida, assegurar o pagamento de uma despesa inesperada a rondar os 500 euros, custear uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias ou manter as rendas ou a prestação da casa em dia) foi alargada para 13 itens e passou a chamar-se “privação material e social severa”.
Além dos habituais indicadores mais focados na privação material e nas dificuldades económico-financeiras, passou a avaliar-se também aspectos relacionados com o bem-estar de cada indivíduo. “Roupa nova, calçado e dinheiro no bolso”, sintetiza o INE, para precisar que passou a medir as dificuldades de acesso à Internet, da capacidade de assegurar a necessária renovação do vestuário, a posse de pelo menos dois pares de calçado adequados à estação do ano e a capacidade para gastar pequenas quantias em actividades de lazer, além da possibilidade de reunião com familiares e amigos para uma refeição ou bebida pelo menos uma vez por mês.
Todos os portugueses afectados por pelo menos cinco das 13 dificuldades passaram a incluir-se no grupo dos afectados pela privação material e social severa. E a informação relativa a cada um dos itens, recolhida entre Maio e Setembro de 2021 mas referente aos últimos 12 meses, mostrou, por exemplo, que 6,9% dos portugueses viviam em famílias com rendas, prestações de crédito ou despesas obrigatórias em atraso (mais 1,5 pontos percentuais).
A tendência geral, porém, foi no sentido do desagravamento da privação material e social. A proporção de pessoas em famílias incapazes de custear uma semana de férias por ano fora de casa, por exemplo, baixou de 38% em 2020 para os actuais 36,6%. E os agregados incapazes de manter a casa aquecida também diminuíram de 17,4% para 16,4%.
Desigualdades agravadas
Entre 2019 e 2020, Portugal tornou-se também mais desigual. O coeficiente de Gini (que reflecte as diferenças de rendimentos entre todos os grupos populacionais) subiu para 33%, mais 1,8 pontos percentuais. A região centro foi a mais afectada pelo aumento das desigualdades (de 30% em 2019 para os 33,3% do ano passado), enquanto Alentejo, Algarve e Madeira aparecem no mapa como sendo as regiões menos desiguais do país. O rácio S80/20, que compara a soma do rendimento monetário líquido equivalente dos 20% da população com maiores recursos com os 20% da população com menores recursos, aumentou 14%, de 5 em 2019 para 5,7 em 2020.
Por outro lado, o INE não detectou grandes variações regionais no risco de pobreza ou exclusão social, e os Açores, tradicionalmente a região mais pobre do país e a que soma mais beneficiários do rendimento social de inserção, apresentaram pela primeira vez valores inferiores a 30%.