João Ruela Ribeiro, in Público on-line
Os níveis de pobreza na região mais afectada a nível económico pela covid-19 atingiram os valores mais elevados em duas décadas.
A pandemia da covid-19 teve um impacto devastador sobre a economia da América Latina, que assistiu a um aumento da pobreza para níveis com mais de duas décadas, e cuja recuperação ainda vai tardar, de acordo com um relatório elaborado por várias instituições e organizações internacionais.
O estudo Perspectivas Económicas da América Latina 2021, redigido pela OCDE, Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas das Nações Unidas (CEPAL), pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina e pela Comissão Europeia, nota que “o impacto da crise da covid-19 foi assimétrico e afectou especialmente os grupos mais vulneráveis”.
O destaque vai para o aumento exponencial da pobreza e da pobreza extrema para os níveis mais elevados nos últimos 20 e 12 anos, respectivamente. O número de pessoas na região que já era a mais desigual do planeta a viver com rendimentos considerados baixos aumentou em 32 milhões desde o início da crise pandémica. Em sentido contrário, houve 13 milhões de latino-americanos que desceram da classe média para níveis mais baixos de rendimento.
Apesar do aumento da pobreza, o estudo ressalva que a generalidade das medidas de emergência adoptadas por quase todos os governos da região – muitas das quais passaram pela transferência directa de subsídios para os mais pobres e aqueles que ficaram sem trabalho – conseguiram mitigar os efeitos da crise. Sem essas ajudas, o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, teria subido 5,6% em vez de 2,9% nos últimos dois anos.
Na região que engloba a América do Sul, Central e as Caraíbas, o Produto Interno Bruto (PIB) contraiu 7% desde que foi declarada a pandemia, em Março de 2020. No ano passado, diz o relatório, registou-se um crescimento em torno de 6%, mas os cálculos apontam para que a recuperação do ritmo anterior a 2020 não seja retomado antes de 2023 ou 2024.
O impacto económico acentuado que a covid-19 teve na América Latina está relacionado com o elevado nível de trabalhadores sem qualquer tipo de vínculo ou protecção contratual. Quando a pandemia se instalou e a actividade económica começou a paralisar, na região perto de 45% dos habitantes morava em agregados que dependiam em exclusivo de rendimentos obtidos informalmente, embora o relatório refira níveis diferentes entre os vários países.
No Chile e no Uruguai, por exemplo, o nível de informalidade da economia é inferior a 20%, enquanto em países como a Bolívia ou as Honduras, mais de 60% da população activa trabalha neste tipo de actividades.
Os autores do relatório deixam algumas recomendações para os decisores políticos nacionais e internacionais para que a América Latina recupere economicamente no período pós-pandémico. Aos governos é aconselhado que desenvolvam os seus programas de protecção social de forma a “garantir a cobertura universal” da população.
“Os governos responderam rapidamente à crise da covid-19 aprovando ajudas sociais específicas para populações vulneráveis não cobertas pelos programas sociais ou pelos mecanismos de protecção social tradicionais. Esta resposta inovadora poderia fornecer as bases de sistemas de protecção social mais sólidos no futuro”, conclui o estudo.
A degradação das condições de vida tem tido reflexos na estabilidade política, com a profusão de protestos e uma cada vez maior desconfiança face às instituições democráticas. Para minorar esses efeitos, os autores do relatório propõem “um novo contrato social para o mundo pós-pandémico” que possa “garantir o bem-estar das pessoas e a participação cidadã”.