6.1.22

A pobreza é um lugar frio

Pedro Ivo Carvalho, opinião, in JN

A pobreza tem muitas faces. Demasiadas demonstrações. A pobreza pode ser um pormenor, um regresso constante a uma fatalidade que passa de avós para pais, destes para os filhos. A pobreza pode ser económica, social, cultural. A pobreza pode ser energética.

O frio voltou a fazer vítimas em Portugal. Dois irmãos, de 18 e 21 anos, morreram abraçados numa madrugada que até nem foi das mais gélidas, na casa que partilhavam com os avós, porque um fogareiro de assar sardinhas de que se serviam para aquecer os dias transformou-se num pesadelo. Não foi num território rural, recôndito, abandonado, foi em Rio Tinto, uma das maiores freguesias urbanas do país.

A pobreza energética deixou há muito de ser um traço distintivo de uma certa etnografia dos lugares esquecidos. É um mal que se instalou de forma profunda e com força crescente nas latitudes mais povoadas e desenvolvidas, onde floresce o consumo. Mas onde germinam bolsas de atraso que em muitos domínios são civilizacionais. Típicas de um Portugal que não evoluiu, que se cristalizou no preto e branco.

Todos os invernos somos sacudidos por esta inquietude: a somar à pobreza estrutural (que atinge cerca de 20% da população), há esta pobreza mascarada. A do país que não consegue dar-se ao luxo (o qualificativo é quase insultuoso, mas apropriado) de manter a casa quente nos dias mais agrestes. No Portugal da Web Summit e dos unicórnios, no Portugal líder das energias renováveis, continua a perpetuar-se esta penumbra maldita. As tarifas sociais ajudam, mas não resolvem tudo.

As mortes de José Correia e Nuno Correia deviam interpelar os agentes políticos, fazendo deste um tema obrigatório da campanha eleitoral. Um país que não garante condições económicas básicas aos seus cidadãos para manterem a habitação aquecida é o quê, senão um país do Terceiro Mundo?