14.3.09

200 mil pessoas contestaram na rua as políticas económicas e sociais do Governo

Maria José Oliveira, in Jornal Público

Acção convocada pela CGTP-IN concentrou em Lisboa milhares de pessoas de todos o país. Carvalho da Silva não quer que eleições encenem promessas e pediu um "1.º de Maio ofensivo"


Quando Carvalho da Silva, secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN), começou ontem a discursar no palco na Praça dos Restauradores, na Baixa lisboeta, as caudas da manifestação convocada pela Intersindical estavam ainda na zona das Amoreiras e junto ao Fórum Picoas. De um lado, sindicatos da função pública; do outro lado, representações do sector privado.

A acção de contestação às políticas económicas e sociais do Governo começou com uma hora de atraso. Ainda as duas correntes de manifestantes não tinham alcançado o Marquês de Pombal e a organização avançava já com números "acima das expectativas". "Está acima das outras manifestações que já fizemos", começou por dizer Carvalho da Silva - "e pelas informações que temos podemos afirmar que estiveram aqui mais de 200 mil trabalhadores". A PSP, presente no local, voltou a não dar estimativas sobre o total de manifestantes (tal como fez em anteriores iniciativas congéneres). "Talvez amanhã", disse ao PÚBLICO um dos oficiais.

Nesta concentração que reuniu trabalhadores de todo o país (centenas de camionetas estavam estacionadas nas imediações do Parque Eduardo VII) e na qual estiveram representados cerca de 140 sindicatos afectos à CGTP, a crise económica e as suas consequências dominaram as conversas, tomaram conta das palavras de ordem ("o custo de vida aumenta, o povo não aguenta") e integraram o discurso de Carvalho da Silva. Mas em contraponto com a oratória do primeiro-ministro, José Sócrates, que, no último congresso dos socialistas, dramatizou a situação económica do país, o líder da Intersindical sublinhou que "a crise não é nenhum vírus que bloqueia as pessoas". E, numa clara resposta a Sócrates, afirmou: "É um escândalo este oportunismo de invocação da crise."

Sinais para o PS

O recado pretendia também contestar os argumentos que o líder do PS tem utilizado para pedir ao país uma segunda maioria absoluta, nomeadamente a teoria do "eu ou o caos". "Precisamos de uma governação séria", sublinhou Carvalho da Silva, fazendo notar que num ano com três actos eleitorais "é necessário exigir e garantir o futuro para uma governação séria". "Não podemos permitir que isto [as eleições] seja um processo de encenação de promessas", disse, apelando aos participantes para realizarem "um 1.º de Maio ofensivo" - "o Dia do Trabalhador tem de ser um dia de enormes manifestações".

A cerca de seis meses das legislativas, a mobilização de milhares de manifestantes foi interpretada como um sinal de que o PS não repetirá a vitória absoluta de 2005. Esta leitura foi partilhada pelos participantes na acção, como Armindo Rodrigues, de 50 anos, auxiliar de acção educativa numa escola de Aveiro, que disse ainda precisar de fazer mais "biscates" agora do que durante o anterior Governo. E foi também referida pelos líderes do Bloco de Esquerda e do PCP, Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa, respectivamente, que se juntaram à iniciativa na Avenida da Liberdade. "Acho que não vai haver maioria absoluta. Mas isto mostra a indignação do país", referiu Louçã, acompanhado pelo eurodeputado Miguel Portas. Pouco depois, também o secretário-geral dos comunistas, ladeado pela eurodeputada Ilda Figueiredo, afirmou que, "mais do que qualquer comentário ou discurso, esta manifestação tem um significado político e social com consequências eleitorais".

"Don Corleones"

Na semana em que o Governo completou quatro anos, Carvalho da Silva aproveitou para definir os cinco "traços fundamentais" que marcaram, até hoje, a governação de José Sócrates. Começou por referir as promessas eleitorais de emprego que não foram cumpridas ("o que temos é mais desemprego e pobreza") e o compromisso de dar mais estabilidade ao país ("o que temos é mais precariedade no emprego"), atentando depois no aumento da "promiscuidade entre os poderes económico e político" e no recrudescimento "do compadrio e da corrupção" - "lembramo-nos da seita de O Padrinho e vemos similitudes; são os Don Corleones a que temos direito". O secretário-geral da CGTP lembrou que o executivo socialista "reduziu os salários e as pensões" e apontou ainda o "agravamento da matriz de desenvolvimento do país": "A dimensão da dívida externa coloca uma corda ao pescoço do país por muito tempo."

Em jeito de conclusão, Carvalho da Silva garantiu que a Intersindical está preparada para "intensificar a luta nos locais de trabalho, para salvar empresas e empregos" e apelou aos participantes para se mobilizarem novamente no próximo 25 de Abril, de forma a dar no desfile da comemoração da Revolução dos Cravos uma prova da "exaltação da democracia".