9.3.09

Cavaco começa quarto ano com fantasma da instabilidade

Filomena Fontes e Nuno Simas, in Jornal Público

O quinto Roteiro pela Inclusão é sobre desemprego e novos riscos de pobreza e vai do vale do Cávado ao Porto


Cavaco Silva entra hoje no quarto ano como Presidente da República e os próximos meses ameaçam ser tudo menos fáceis. O país atravessa uma crise económica como não existia desde os anos 1970 e o calendário eleitoral, que termina com as legislativas no fim do ano, coloca-o perante o teste difícil de vir a ser moderador e árbitro com um governo minoritário - se nenhum partido tiver a maioria absoluta.

Esta é claramente uma dor de cabeça para quem elege a governabilidade como grande preocupação e teve a experiência de duas maiorias absolutas do PSD, como o próprio afirmou numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine, na semana passada, durante uma visita à Alemanha.

2009 vai ser um ano eleitoral intenso - europeias, legislativas e autárquicas - e Cavaco Silva não vai abrandar a vigilância às leis da maioria, que já valeram, em três anos, oito vetos. Há dois ainda por resolver pela maioria PS (fim do voto por correspondência dos emigrantes e lei da concentração dos media) que poderão "aquecer" as relações entre o Presidente e o primeiro-ministro, José Sócrates. Os dois tiveram o seu pior momento no final do ano, com a aprovação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, contestado abertamente pelo Presidente.
Na entrevista ao Frankfurter Allgemeine, Cavaco disse que a coabitação com Sócrates está "muito bem", que nunca vetou propostas do Governo e comentou quais seriam os poderes a que "não gostaria de recorrer": "Exonerar o Governo e dissolver o Parlamento."

Com o calendário eleitoral mais ou menos fixado, os alertas presidenciais têm vindo a ser feitos: os partidos não devem "despertar ilusões" nem fazer promessas impossíveis de cumprir.

Hoje, uma agenda com crise

Um dos assuntos no topo da agenda presidencial nos próximos meses chama-se crise económica. A escolha de um Roteiro pela Inclusão, espécie de presidência aberta, dedicado ao "Desemprego e novos riscos de pobreza" é um sinal de Belém dos tempos que aí vêm. Apesar de também visitar um caso de sucesso, o Presidente vai "levantar a tampa" de um problema difícil para o Governo - o desemprego.

Cavaco começa por Barcelos, coração do vale do Cávado - uma das regiões severamente atingidas pelo encerramento de empresas. Segundo o Instituto do Emprego, o desemprego voltou a subir em Janeiro no distrito de Braga, com mais 4571 pessoas sem trabalho do que no ano passado. Já há 45 mil desempregados no distrito. De manhã, Cavaco vai ouvir dirigentes sindicais dos têxteis, cerâmica e construção civil, que deverão pedir um plano de crise para a região, voltado para o apoio aos desempregados e sobrevivência das empresas.

Só depois dos sindicalistas é que o Presidente ouvirá os empresários do têxtil. Simbolicamente, escolheu a Silsa para o encontro, uma fábrica de confecção que tem 140 trabalhadores, exporta tudo o que produz para a Inglaterra, França, Alemanha e EUA e cujo crescimento mostra que resiste à crise. Apesar das dificuldades, lê-se na nota de Belém, "há empresas que conseguem superar as adversidades". Em Braga, Cavaco vai visitar o Banco Alimentar contra a Fome, que abriu há um ano para servir 1776 pessoas mas que hoje já apoia mais mil - das actuais 2744 pessoas apoiadas, 40 por cento são adultos em idade activa (25-65). À tarde, Cavaco estará no Porto, onde vai ao Bairro da Pasteleira, considerado um dos mais problemáticos da cidade, e à delegação da AMI (Assistência Médica Internacional).

Amanhã, a estabilidade

As preocupações de Cavaco são conhecidas, a começar pelo alerta que fez no Ano Novo contra o endividamento externo explosivo e a necessidade de reflectir sobre o custo-benefício das obras públicas. Outro eixo do seu discurso anticrise ao longo deste ano será o apoio às pequenas e médias empresas e a defesa do aumento das importações como fórmula de ultrapassar obstáculos.

Chegados às legislativas, as dúvidas serão outras. Cavaco poderá ter de lidar com as dificuldades de um governo minoritário, como lhe aconteceu em 1985, enquanto primeiro-ministro, tendo Mário Soares em Belém. Cenários difíceis para alguém que confessou que o seu principal contributo como Presidente foi "promover a estabilidade política". com Samuel Silva