Cristina Ferreira e Graça Franco (RR), in Jornal Público
O economista diz que temos vivido a crédito nos últimos tempos, com o país a endividar-se entre oito e 10 por cento, ano após ano
O presidente da Associação Portuguesa de Bancos diz que tem sido dada muita atenção às finanças públicas, esquecendo-se a competitividade. E, assim, lá se vai a convergência com a Europa.
A semana foi marcada pela descida da taxa de referência do BCE. Com os juros a 1,5 por cento, ainda resta alguma margem de manobra para o banco central restaurar a confiança no sistema?
João Salgueiro - Resta, porque a taxa pode baixar ainda mais 100 pontos base. E 0,5 é mau, mas é aceitável. É mau, pois a partir de um certo limiar a influência que a política monetária tem é escassa. O BCE não interpretou bem a crise inicialmente. Todos nos lembramos que, em Junho passado, a taxa ainda subiu, quando todos já dizíamos que os juros deviam baixar. Mas o que é essencial para restaurar a confiança não é descida da taxa de juro. Não estamos a defrontar uma crise financeira só. Esta crise tem de ser analisada em vários planos, nomeadamente pelo da falta de confiança. Uma coisa que não é bem compreendida é que os bancos são intermediários entre quem empresta e quem pede emprestado.
Para aqueles que viram nos últimos meses do ano passado a sua prestação da casa subir e o seu rendimento disponível descer....
O BCE levou semanas e semanas a perceber que o mercado interbancário não funcionava. E este mercado deixou de funcionar por falta de confiança. A confiança perdeu-se não tanto em relação aos bancos, mas em relação aos instrumentos financeiros que estavam a ser utilizados, pois muitos que foram vendidos nos EUA tinham muito pouco valor.
Pode explicar por que razão a taxa Euribor desce e os bancos sobem os spreads?
Os spreads aumentam porque há mais risco. Há risco de desemprego, dos salários poderem ser congelados ou reduzidos. E aquilo é um prémio de risco. O que acontece é que quando as empresas estão em situação aflitiva, não é o crédito que as vai ajudar. A única entidade que pode dar subsídios é o Estado, porque pode impor receitas aos cidadãos. O dinheiro que chega aos bancos voluntariamente, as pessoas põem lá o dinheiro se quiserem, e não querem que seja mal emprestado.
As PME têm razão quando criticam os bancos por não as financiarem?
Os inquéritos revelados pela CIP e pela CCP não nos revelam isso. A grande preocupação das empresas é a falta de procura e o atraso nos pagamentos. O crédito vem a seguir. Agora, há empresas com grandes dificuldades de crédito, mas não é a opinião geral. E isso distingue entre bom risco e mau risco e é isto que está a acontecer de uma forma muito mais aguda do que antes.
A nacionalização da banca podia transformar os bancos em verdadeiros instrumentos de política económica, mesmo que isso se fizesse por um período curto?
Em Inglaterra foram quase todos nacionalizados, mas o problema mantém-se. Não é isso que vai transformar o risco de uma pessoa que precisa de dinheiro em crédito fácil. O que o Estado podia ter feito logo era pagar o que deve, porque era dinheiro que entrava logo nos circuitos.
Acha que os problemas de liquidez se vão manter por muito mais tempo?
Acho que sim. Porque, como disse, num plano temos a crise financeira, e logo por baixo dessa temos uma crise ainda mais importante, que é a alavancagem em que o sistema mundial funcionou. O que é que quero dizer? Temos vivido a crédito nos últimos anos, nos EUA, na Europa. Na China e no Japão, a poupança é enorme. Na China, a poupança é de quase 40 por cento, na Europa é de menos de 10 por cento, nos EUA chegou a dois por cento e estava em risco de se tornar negativa. As pessoas estão a viver a crédito nos últimos dez anos. Não é só um problema de confiança, mas de ajustar os níveis de despesa aos níveis de produção.
Esteve, quando foi ministro das Finanças, no centro da última grande crise de pagamentos portuguesa. O que deve ser feito para resolver a crise?
Mas para perceber, convém antes ver a causa do que se está a passar. Temos estado a viver de crédito, com o país a endividar-se todos os anos entre oito e 10 por cento, ou seja, gastamos mais do que produzimos. O mesmo se passa com os EUA, a Espanha, a Grécia. Mas há outros países que têm excedentes, como a Alemanha, a China, a Holanda, a Áustria. Porque é que isto acontece? Por falta de competitividade ou excesso de despesa. Como é que isto se ultrapassa? Tornando mais eficaz a economia. Mas, se não o conseguirmos, temos que reduzir a despesa.
Os governos, e este não é excepção, dizem que vão introduzir reformas, para aumentar a competitividade. Mas sem resultado.
Esta crise era anunciada não só em Portugal, mas no mundo. O que nos diziam era que éramos pessimistas. Os alertas foram muitos, mas não foram ouvidos. Várias vezes alertei que estávamos a dar atenção ao controlo das finanças públicas, mas não estávamos a dar a mesma atenção à competitividade, que é um problema estrutural. Fixaram--se metas para o equilíbrio das finanças públicas, mas não para a criação de postos de trabalho e para a capacidade de exportar. É claro que o Estado não pode exportar, mas pode saber se está a actuar bem ou mal.
Faltou planeamento?
Faltou estratégia. O objectivo da política portuguesa quando entrámos para a União Europeia era convergir a 30 anos com a média dos concorrentes. É um objectivo modesto e não o estamos a cumprir. Há oito anos que divergimos em relação à Europa. Não é aceitável. Provocou alguma comoção entre os portugueses saber que estavam a andar para trás? E não foi nos últimos dez anos. Já andamos a acumular défices sucessivos, em termos de perda de quota de mercado, de ter menos investimento do que devíamos, a não criar postos de trabalho em número suficiente. Tem que haver uma mudança. E não é por falta de confiança ou falta de liquidez. Andamos há anos a falar na necessidade de mudar o nosso perfil de especialização e a nossa posição no comércio mundial mas não se fez nada.
40%
Na China, a taxa de poupança é de 40 por cento, enquanto na Europa é menos de 10 por cento e nos EUA chegou a dois por cento
Bancos com problemas
Supervisão não substitui auditores e gestores
Como avalia os problemas de supervisão que se verificaram no BCP, no BPN e no BPP?
Em primeiro lugar, todos tinham as contas certificadas por auditores internacionais. E tinham um conselho de administração e um conselho fiscal com pessoas credíveis. A supervisão não se substitui a nenhum deles. O BdP tem que acompanhar os rácios de solvabilidade dos bancos. Neste momento, só há investigações públicas ao BPN. E isso é um caso de polícia, pois aparentemente havia três bancos em vez de um.
Concorda com a solução do Governo para resolver os problemas no BPP?
Falo a título pessoal, pois não tenho os dossiers nas mãos. O BPP era um banco para gestão de risco e as pessoas investiam lá. Acho bem a intervenção, pois chegou-
-se a um ponto em que o banco não tinha liquidez para cumprir os seus compromissos. Porventura, o BPP não teria tido os problemas se não fosse a crise financeira internacional. Outra questão é saber se se deve discriminar entre pequenos aforradores e outros? Deve, mas desde que o perfil das aplicações configure depósitos. Se as remunerações forem semelhantes às dos depósitos deve haver equiparação, embora juridicamente não o fosse. É preciso bom senso e há situações diferentes.
Havia condições para o BPP oferecer aquelas remunerações aos clientes?
Havia. A especulação financeira. Vários fundos de investimento ofereciam aquelas remunerações.
As comissões de inquérito parlamentar a bancos, BCP e BPN, têm sido esclarecedoras?
Não percebo qual a razão por que existem. Nem podem ser esclarecedoras.
O secretário de Estado Costa Pina afirmou que não via razão para a CGD não ter financiado clientes para entrarem na luta de poder pelo controlo do BCP. Concorda?
Substancialmente concordo.


