7.3.09

"Banco de Portugal tinha mais poderes do que tem agora"

Cristina Ferreira, in Jornal Público

A crise mundial não é cíclica, mas de mudança de paradigma. Podemos estar a assistir à queda dos alicerces dos modelos económico e financeiro tal como têm existido?

Não necessariamente. Mas não podemos continuar a viver com estes desequilíbrios, com a China a pagar o desequilíbrio americano, ou a Alemanha a pagar para os desequilíbrios da Espanha, de Portugal ou da Grécia.

O que se pode fazer então?

Desde que entrámos na UE deixamos de ter uma verdadeira política agrícola.
Vamos a tempo de ter?

Tem que se ter. É crível que tenhamos de importar cebolas, batatas e alhos. Não se pode produzir em Portugal mais? Não temos uma política de pescas, andamos a reduzir a nossa frota de pescas. A Espanha aumentou-a.

Cavaco Silva considerou as falhas na supervisão do sistema financeiro. Partilha da opinião?

Sim e essa é a quarta crise. Há uma crise financeira, uma de reconfiguração da economia mundial, pois pensou-se que a revolução industrial na China não ia ter consequências nos EUA e na Europa, e tem imensas e que não estão assumidas. Depois temos em Portugal uma crise agravada, pelo pior desempenho do que o resto da Europa e ele não acabou por causa da crise financeira. E este é o nosso maior problema. E temos ainda uma crise de valores e de atitudes. E esse estilo não foi clandestino.
As pessoas compravam partes nos fundos de investimento que davam maiores remunerações no curto prazo, procuravam lucros imediatos. Estamos a viver num clima em o que conta era o consumismo. E as pessoas acham que têm uma vida melhor quanto mais consomem e endividar-se não é mau, porque a curto mau não é mau. Quem tenha outra escala de valores não se endividava tão facilmente.

Como é que se vai reformular a arquitectura da governação do sistema financeiro?

Podemos dar a volta à crise lançando mais liquidez no mercado e criando mais confiança no sistema financeiro com alguma regulação mais exigente. Mas o problema económico de base continua. Vamos voltar ao nível de endividamento que estávamos a viver antes? Não é impossível, mas então vamos ter uma crise mais tarde. Não imaginem sequer que a resolução para muitos anos passa só pela regulação do sistema. Repare que as reformas que se fizeram nos últimos anos: a UE, e não só, teve grande papel nisto ao mudar as regras dos reguladores. O BdP tinha muito mais poderes antes do que tem hoje.