Natália Faria, in Jornal Público
A Matemática e o Inglês estão presentes. Assim como lições sobre higiene pessoal e doméstica e sobre regras de comportamento à mesa. Na Escola EB1 de Reguengos de Monsaraz, em Évora, há três anos que existem turmas compostas exclusivamente por alunos de etnia cigana. E "com muito sucesso", garante o presidente do conselho executivo da escola, Rui Amendoeira.
"Assistimos a uma melhoria espectacular destes alunos. Aliás, pela primeira vez na história desta escola, conseguimos que dois alunos de etnia cigana transitassem para o segundo ciclo", enfatiza, ao mesmo tempo que procura cortar de raiz quaisquer críticas assentes na questão da segregação dos miúdos. "Quando, há três anos, optámos por este modelo sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, a ditadura do politicamente correcto nos iria cair em cima. Ficamos à espera que alguém nos prove que esta solução não se revelou a melhor para os alunos e para a comunidade", atalha Amendoeira, com a segurança de quem sabe ter reduzido o abandono escolar até "próximo do zero".
A EB1 de Reguengos de Monsaraz era frequentada por alunos ciganos há mais de uma década. "As taxas de absentismo e abandono eram elevadíssimas", recorda. Quando saiu a legislação relativa aos percursos curriculares alternativos, a escola lembrou-se de desenhar um currículo adaptado aos miúdos daquela etnia. A Direcção Regional de Educação do Alentejo aceitou o desafio e o projecto arrancou com duas turmas, "porque havia duas famílias ciganas rivais e era impossível juntar os alunos todos".
No primeiro ano, o cenário esteve longe de ser cor-de-rosa. "Os alunos, como tinham algumas facilidades, começaram a achar que tinham todos os direitos e nenhum dever". Houve casos de indisciplina e "foi essencial o apoio do projecto Escola Segura". No segundo ano, "as coisas correram francamente melhor". E, neste terceiro ano lectivo, "foram vencidas todas as resistências e os alunos estão perfeitamente integrados na escola".
Ao contrário do que se passa em Barcelos, as turmas, com 14 alunos cada uma, têm aulas no edifício principal da escola. "Têm a mesma carga horária, só que os programas foram adaptados e criado outro tipo de ofertas", insiste Amendoeira. As componentes ligadas à Internet e à Educação Física aumentaram. E à Expressão Plástica também. Quanto ao resto, são alunos e ponto final. "Comem na mesma cantina, participam nas mesmas actividades lectivas...".
Para lidar com a sua realidade, a escola inventou soluções novas. "Há tempos pedimos um patrocínio a uma empresa para podermos avançar com as lições sobre hábitos de limpeza que eram uma das lacunas destes miúdos. O patrocínio acabou por ser muito maior e, no fim, tivemos os meninos ciganos a oferecer artigos de higiene e limpeza aos colegas". Dito doutro modo, "miúdos habituados a estar na posição de quem recebe puderam, pela primeira vez, ser eles a oferecer qualquer coisa aos colegas. E estes pormenores são importantes".
O abandono escolar nestas turmas está praticamente reduzido a zero. E Rui Amendoeira não acredita que seja só por causa do Rendimento Social de Inserção (RSI) - que obriga as famílias que o recebem a manter os menores na escola. "Esse 'isco' já existia antes e o absentismo e o abandono eram enormes", lembra. Mas estamos a falar de turmas com dificuldades de aprendizagem, com alunos geralmente mais velhos. A regra da escola continua a ser colocar cada miúdo que se inscreve pela primeira vez nas turmas "normais". Cigano ou não. "Se conseguirem integrar-se, muito bem. Caso contrário, são encaminhados para as outras turmas". O projecto tem sido apoiado pela autarquia local, "que paga alguns monitores para os quais a escola não tem orçamento". E conta com o apoio da comunidade cigana local, segundo Amendoeira.
Em declarações ao PÚBLICO, Vítor Marques, que até ao ano passado presidiu à União Romani, confessou não conhecer o projecto. O que não impede este licenciado em Ciências da Educação de rejeitar, em abstracto, qualquer projecto de integração que passe pela segregação física dos alunos. "A escola que temos é de diversidade cultural, e em relação a isso não há que ser contra ou a favor, e os professores o que deviam era receber formação obrigatória em interculturalidade", preconizou, dizendo-se chocado por ver as direcções regionais de educação a "avalizar soluções parecidas com as que havia antes de 25 de Abril: meninos bonitos para um lado, feios para outro".