18.3.09

Mediadores culturais nas escolas, precisam-se

Ana Cristina Pereira e Mariana Oliveira, in Jornal Público

O sistema de ensino português tenta "uniformizar" os alunos, mas as crianças ciganas
não querem perder a sua cultura


O que é que se pode fazer para integrar as crianças de etnia cigana nas escolas portuguesas? "Tanta coisa!", responde Arvinda Carmelo, da direcção da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas. "É um caminho longo, estreito". Assim, de repente, quase não há quem não aponte a necessidade de ter mediadores culturais nas escolas.

Os cidadãos de etnia cigana estavam, não por lei, mas de facto, "excluídos do sistema de ensino até ao 25 de Abril de 1974", lembra a socióloga Maria José Casa-Nova.

Entraram há pouco. E esbarraram logo com estereótipos negativos. "São preguiçosos, não gostam de trabalhar", disse-lhe uma professora do primeiro ciclo. "São muito vagarosos", disse-lhe outra.

A culpa não é só da escola. "Os ciganos não têm expectativas educativas", resume Bruno Gonçalves, do Centro de Estudos Ciganos. "Até aqui, nunca precisaram de cursos para exercer a sua actividade: venda ambulante, quase sempre". Agora, "face a uma maior competitividade económica, a uma maior exigência da sociedade, têm de ter mais educação".

Na opinião de Filomena Moreno, mestre em relações interculturais, "compete à escola organizar-se para que alunos, pais e comunidade tenham confiança nela". Para isso, "deve proporcionar um contexto saudável, não descurando os valores do respeito, o diálogo, a flexibilidade, a aceitação da diferença e a valorização do aluno, enquanto pessoa que é".

O caso de Barcelos

Como lidar, então, com a diferença? A polémica estourou com a notícia de que a EB1 de Lagoa Negra, em Barcelos, resolveu concentrar os alunos ciganos numa turma entre os nove e os 18 anos. "Há que reflectir sobre o risco de que o critério de homogeneização a que se recorreu possa contribuir para acentuar a discriminação de que frequentemente é alvo este grupo social", comenta a investigadora Luiza Cortesão. A reunião numa mesma turma "pode também contribuir para acentuar o conhecido fechamento do grupo em si próprio".

"Nós, os ciganos, e as pessoas que estão dentro de estas questões, achamos que o mais correcto é ter mediadores", diz Bruno Gonçalves. O mediador "tem conhecimentos da cultura cigana e da instituição, estabelecendo, a ponte entre a escola e a comunidade cigana", explica Filomena Moreno.

O sociólogo Sérgio Aires não podia estar mais de acordo: "Há dez anos, começámos a formar mediadores, a criar pontes. Mas tudo não passou da lógica de projectos", nada adquiriu um carácter permanente. "Os que fizeram mediação foram colocados nas escolas através de Programas Ocupacionais."

Bruno Gonçalves trabalhou como mediador "na escola do primeiro ciclo do Ingote, em Coimbra". Em quatro anos, viu o absentismo baixar de 43 para 13 por cento. "Há dez anos que estamos à espera que o estatuto seja aprovado. O Estado gastou muito dinheiro com as formações e tem os mediadores na prateleira", reclama.

É reconhecida a sensibilidade a alguns professores. Afirma-se, porém, que muitos estão mal preparados para lidar com outras culturas. O sistema de ensino "tenta uniformizar", observa Bruno Gonçalves. E os ciganos reagem. Os estudos de Maria José Casa-Nova evidenciam uma "incomodidade", que leva os miúdos a "construir uma multiplicidade de pretextos e estratégias para abandonar a sala a meio de uma aula ou para faltarem às aulas no dia seguinte".

Os conhecimentos dos ciganos não são valorizados na escola, tem advertido Casa-Nova. Arvinda Carmelo fala na necessidade de uma troca: "Também gostamos de mostrar a nossa cultura." Bruno Gonçalves dá um exemplo: "A história de Portugal pode falar da comunidade cigana."

Diferenciar o ensino de forma a que o trabalho seja para todos interessante "exige muito", alerta Luiza Cortesão. "Exige dos professores uma grande preparação, uma enorme entrega à sua profissão; mas exige também que eles tenham boas condições de trabalho e que lhes sejam entregues grupos pequenos", remata.

1974
Até ao 25 de Abril os ciganos estavam, não por lei, mas de facto, excluídos do sistema de ensino oficial